Será o ‘fim’ da arbitragem de investimentos na União Europeia?
Leia aqui o artigo de opinião da associada sénior da Garrigues, Cláudia Saavedra Pinto, sobre o fim da arbitragem de investimentos na União Europeia.
São conhecidas as desconfianças que os tratados bilaterais de promoção e proteção de investimentos têm suscitado, nos últimos anos, sobretudo por força das cláusulas arbitrais que habitualmente consagram. Apesar de globais, verifica-se que estes problemas têm assumido particular relevo no espaço da União Europeia, aí levando à defesa de propostas tendentes à judicialização da arbitragem de investimentos.
Merece destaque, neste quadro, a proposta apresentada pela UE, para a criação de um tribunal multilateral de investimento (TMI), destinado à resolução de litígios que venham a surgir no plano de acordos comerciais e de investimento existentes e futuros (extra-EU BIT). Conforme tornado público, a 20 de março de 2018, com a publicação das diretrizes do Conselho que autorizam a Comissão Europeia a negociar, em nome da União, no seio da Comissão de Direito Comercial Internacional das Nações Unidas, uma convenção para o efeito, o objetivo passa por instituir um organismo internacional de natureza permanente, que substitua os sistemas bilaterais arbitrais atualmente previstos. Os juízes devem exercer funções por um período longo e não renovável, ser nomeados na sequência de um processo objetivo e transparente, assente numa indicação dos Estados-Parte ou num processo de eleição semelhante ao que tem lugar noutros tribunais internacionais, receber uma remuneração certa e oferecer especiais garantias de imparcialidade e independência. Os processos, por seu turno, devem ser distribuídos aleatoriamente, sem intervenção das partes litigantes e ficar sujeitos a exigentes regras de transparência, incluindo o acesso público a documentos e a participação de terceiros. Devem seguir regras processuais comuns e estabilizadas e admitir o recurso contra decisões adotadas em primeira instância. Trata-se de um novo paradigma na resolução de litígios em matéria de investimento, que pressupõe a passagem do quadro de arbitragem para um sistema jurisdicional.
Esta não é, contudo, a única movimentação verificada no sentido da judicialização da arbitragem de investimentos na UE. Assumem igual importância os recentes desenvolvimentos ocorridos em torno do debate sobre os intra-EU BIT – entendidos pela Comissão, desde há vários anos, como uma ‘anomalia’ no mercado único e julgados, mais recentemente, pelo Tribunal de Justiça, como criando um mecanismo de resolução de litígios suscetível de pôr em causa a autonomia da ordem jurídica da União (v. acórdão de 6.3.2018, caso C-284/16, Achmea). Depois de vários anos de ‘braço-de-ferro’ entre os Estados, a CE e os tribunais arbitrais, foi revelada, no passado dia 10 de outubro, a primeira versão do acordo multilateral a celebrar entre os 28 Estados-Membros da UE, que visa pôr termo aos 168 intra-EU BIT, ainda em vigor, e determinar a ineficácia das sunset clauses dos BIT já resolvidos. O projeto de acordo circulado não prevê, ao contrário do que havia sido proposto por alguns Estados, um meio alternativo para a resolução de litígios ao dispor dos investidores europeus. Em vez disso, limita-se a remeter potenciais conflitos para o sistema judiciário comum e a prever, no caso de processos arbitrais pendentes, a possibilidade de mediação, condicionada à prévia suspensão da instância arbitral e ao prévio reconhecimento judicial da ilegalidade das medidas contestadas, por violação do direito da União.
Perante o estado de coisas descrito, e a admitir que as iniciativas referidas serão levadas ‘a bom porto’, não podemos deixar de nos questionar: que espaço restará, no futuro, à arbitragem investidor-Estado na UE (subsistirão, porventura, algumas poucas arbitragens de investimentos, envolvendo Estados terceiros que não sejam parte do TMI)? E que consequências terá este cenário no mercado interno e nos investimentos europeus? Duas coisas parecem, por ora, certas: o quadro de proteção de investimentos na UE sairá modificado, com a perda da via arbitral e de algumas das vantagens que lhe são tipicamente reconhecidas; e os meios de resolução de litígios, em matéria de investimentos, ao dispor dos investidores europeus e estrangeiros no território da União não serão coincidentes. O mais, o futuro o dirá.
*Cláudia Saavedra Pinto é associada sénior do departamento de direito público, energia e ambiente da Garrigues.
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