Sou um mariconço no que toca à minha liberdade
Quando os valores da igualdade e da liberdade colidem num mundo governado à Esquerda, ganha a igualdade. Na minha hierarquia de valores, vem primeiro a liberdade, sobretudo a individual.
A recente polémica gerada pela interessante entrevista de Ricardo Araújo Pereira (RAP) ao jornal i tem bastante mais relevância para a vida económica do que se poderia pensar à primeira vista. Só para recordar a (parte da) resposta que ateou fogo às redes sociais, aqui vai ela:
- Jornal i: Um dos sketchs mais geniais que fizeram na SIC Radical punha alguém a descrever pessoas por aspetos físicos: o coxo, o marreco, etc. Não é sobre essa propensão humana?
- RAP: Duvido que esse sketch pudesse ser feito hoje. Eu passo o tempo a dizer: “nisto aparece o coxo”, “o Zé”, respondem-me, acrescento, “e vem o marreco”, “o Fernando”, dizem-me, e acabo a falar do “mariconço”. Penso que isso hoje seria impossível.
E foi o que bastou para despertar a ira e a verve indignada dos paladinos do ‘politicamente correto’. Não interessa que o sketch seja, ele próprio, uma crítica à utilização indiscriminada de alcunhas baseadas em características físicas ou psicológicas. Também não interessa que RAP seja, há muito, um defensor dos direitos da comunidade LGBT e, nessa qualidade, várias vezes apresentador da gala da ILGA e por esta distinguido com o Prémio Arco-Íris pelo seu papel na luta contra a discriminação baseada na orientação sexual.
Nada disto interessa, porque a brigada do politicamente correto não pode permitir que determinadas palavras, como ‘mariconço’ sejam proferidas no espaço público. Suspeito, até, que se a brigada mandasse, nem no espaço privado.
Tem de dizer-se que o nível intelectual da discussão foi anormalmente alto, excetuando como sempre aquela espécie de lúmpen que habita boa parte das redes sociais, e só por isso já valeu a pena. Mas, já agora, convém não confundir a erudição dos argumentos com ganho de causa.
Vem isto a propósito do post “Sabias que és de direita?” de Isabel Moreira no blog do Expresso do passado sábado, em que a deputada socialista transforma a discussão sobre o papel da semântica na discriminação num duelo esquerda-direita e numa discussão sobre a hierarquia de princípios e valores da sociedade. E diz a linhas tantas: “Para a esquerda, não há valores absolutos e o princípio da liberdade articula-se com o princípio da igualdade.”
Não é preciso um doutoramento em Ética ou Filosofia Moral para concordar com os perigos de aceitar valores absolutos (por exemplo, como preservar o valor da Vida alheia em casos de legítima defesa?). Mas não absolutizar qualquer valor não pode significar relativizar todos os valores. Muito menos, pode significar não defender, de acordo com as convicções políticas, morais ou religiosas de cada um, uma hierarquia de valores.
Na hierarquia de valores da esquerda, Isabel Moreira dixit, o valor da Igualdade ‘tem de se articular com o valor da Liberdade’. O que é articular, pergunta o leitor? Articular é, neste caso, subordinar-se. Quando a igualdade e a liberdade colidem num mundo governado à esquerda, ganha a igualdade. Levado ao extremo, isto significa que a esquerda preferiria um mundo de escravos todos iguais a um mundo de pessoas livres, mas desigual.
Ao invés, na minha hierarquia de valores, a liberdade, sobretudo a liberdade individual, vem claramente acima do valor da igualdade. Acredito aliás, que só uma sociedade composta por pessoas livres, e responsáveis pelo uso que dão à sua liberdade, tem o potencial de diminuir a desigualdade. Só pessoas livres conseguem dar uso à sua criatividade nas Artes, na Ciência, na esfera Social e, também, na Economia.
Sem essa criatividade e sem a possibilidade de a aplicar em atividades de transformação económica não haverá criação sustentada de valor na Economia. Como já aqui escrevi, a liberdade para criar e para investir é a condição principal para poderemos ter maior crescimento económico e, com ele, ganhar a capacidade de reduzir as desigualdades.
Por isso levo muito a peito se alguém quer limitar a minha, a nossa, liberdade. Aceito algumas limitações pelo bem comum, a começar pelos impostos. Aceito algumas limitações por motivos de segurança pessoal e coletiva. Aceito, já com mais dificuldade, admito, limitações ao comportamento privado para não sobrecarregar os serviços públicos de saúde. Mas não aceito nenhuma destas limitações de ânimo leve. Não as aceito sem pensar no custo que têm para a minha, para a nossa, liberdade. Sou sensível e picuinhas nesta matéria.
Sou um mariconço no que toca à minha liberdade.
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