Sri Lanka. Canto Final
O Sri Lanka é o meu novo destino preferido: um país que se levantou suavemente de 26 anos de Guerra Civil e de um tsunami devastador para oferecer segurança e satisfação.
Senhoras e senhores, deslindei o Sri Lanka. E não é só porque já sei a diferença entre um hopper, um rotti e um kotthu — que não é tão grave como não saber que o sabor de um sambol não tem nada a ver com o de um dodol. Mas pela certeza de que o aborrecido papadum indiano nasceu para ser barrado com estes chutneys que não conseguem ser mais doces do que qualquer humano nascido neste quintal.
O Sri Lanka é o meu novo destino preferido. É um país que se levantou suavemente de 26 anos de Guerra Civil e de um tsunami devastador para oferecer uma segurança e satisfação que só se sente depois de fechar por dentro a porta de casa. Além disso, é pequeno o suficiente para se atravessar num dia mas, grande o bastante para nos fazer atrasar por praias paradisíacas, montanhas de chá, picos sagrados, ruínas milenares, safaris e reservas naturais. E o grande segredo do Sri Lanka é… (estão preparados?)… não fazer nada disto!
Arregacemos então as mangas e vamos a trocos: o transporte, seja em coloridos autocarros com condutores desencartados ou nos intermináveis comboios, é quase de graça. Mesmo quando vão em pé, os locais dão a mala do carro a quem vai sentado para aliviar o fardo (sim, eles são assim de corteses). E sim, em cada viagem vamos de língua de fora da janela a devorar o décor verde-guloso. Quanto à culinária, que é das combinações mais deliciosas que já enjoei, está ao preço da feijoada no Bingo de Alcântara e as doses dão cabo de dois esfomeados à vez. E, mesmo no alojamento, que leva as maiores taxas, encontra-se tudo o que não vi em quatro meses de África, por 20€. Viver bem, um mês, por este país fora, não tem de chegar aos 1000€ por casal e estar estacionado num paraíso e para isso, faz-se por metade, alegremente!
"Viver bem, um mês, por este país fora, não tem de chegar aos 1000€ por casal e estar estacionado num paraíso e para isso, faz-se por metade, alegremente.”
O problema é que o Sri Lanka é a terra das foto-oportunidades. E ninguém quer só ficar pela praia a comer lagostas que vão do pulso ao cotovelo. A malta quer peregrinar para ver o nascer do sol no Adam’s Peak, quer chegar bem perto das baleias na costa de Mirissa, quer admirar os frescos nas cavernas do templo de Dambulla, quer ir descobrir o palácio secreto construído em cima de um rochedo em Sigiriya ou as incríveis ruínas de Anuradhapura. E isso sim, são dólares!
Mas se forem espertos, sabem que mais vale ir ver um Buda de 26 metros por 1,50€ que ir ao Templo do Dente do Buda (só um dente) por 7€. É isso que me traz à linda-feia cidade de Kandy (metade Suíça, metade Cacém), para ir ao jardim botânico mais bonito do mundo e comer um “caril com todos” a olhar para um dos lagos mais pitorescos da Ásia. E lembrar-me, gratuitamente, das montanhas invencíveis de Ella e Nuwara Eliya e de me perder nos seus tapetes de cheiroso chá, das peripécias da escalada da Ponte dos Nove Arcos, dos coloridos mercados de Colombo, das tenebrosas tempestades que assustavam a charmosa cidade de Galle, das ondas portuguesas surfadas nas baías do Sul e da calma entre os pescadores dançantes nas esquecidas praias do Este.
Viajar é uma conta de multiplicar que dá sempre resto maior que zero. Não há sorriso que não seja devolvido em dobro e não há mão que não traga uma palavra nova, um doce ou uma flor. Não sei o que almofada o caráter de um povo mas sei o que conquista o espírito do viajante: a confiança. E é isso que me faz render a este país. Se há um Despertar na Índia, há um Adormecer no Sri Lanka. E é com este sonho que me despeço por pouco tempo. Já consegui enganar mais um inverno mas, o único verão que os meus olhos verão, só mesmo em Portugal.
Crónicas indianas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publica as melhores histórias da viagem à Índia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui.
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