Sustentabilidade e investimento: uma prioridade em 2019
Pela mão da sustentabilidade, o mercado e a indústria iniciaram um processo de metamorfose. Mas a transformação pela sustentabilidade não é, todavia, isenta de riscos.
A ideia de sustentabilidade no contexto do investimento e do sistema financeiro começou por ser um simples paradoxo. Depois, idealismo. Hoje, uma inevitabilidade.
São vários os sinais de que o paradigma do investimento focado apenas em retorno financeiro pode estar em crise, e que se pode estar a evoluir para a sua progressiva substituição por modelos mais sofisticados, ajustados a novos conceitos de empresa e de valor e bem estar dos acionistas, bem como a solicitações crescentes de investidores que, além da rendibilidade de curto prazo, procuram segurança no longo prazo e a perceção de que ao investir, contribuem também para sociedades mais responsáveis e sustentáveis.
Os números começam, aliás, a revelar a dinâmica em curso. A nível global, o volume de emissões de obrigações verdes atingiu cerca de 140 mil milhões de euros em 2017, aumentando 14 vezes desde 2013. E estima-se que os ativos sob gestão que incluem algum tipo de princípio de preocupação ambiental, social ou de governação, estará já próximo dos 100 biliões de euros, ou quase um terço do mercado.
Estamos, pois, perante uma oportunidade única de transformação do sistema: pela mão da sustentabilidade, o mercado e a indústria iniciaram um processo de metamorfose, que implica a conceção e disponibilização de novos produtos, serviços e modelos de investimento; mas sobretudo um novo paradigma ético e financeiro, marcado pela substituição progressiva da antinomia dos conceitos de ‘valor’ e ‘valorização’ pela sua aproximação, conjugando propósito social e rentabilidade. Possivelmente, evoluindo para uma ideia de enriquecimento da economia do bem-estar pelo recurso a elementos éticos. Possivelmente também, iniciando-se, por esta via, uma inversão na trajetória de alheamento ético dos modelos e dos agentes económicos e de correção e mitigação das enormes perdas económicas que esse alheamento, tantas vezes inidóneo, determinou.
A transformação pela sustentabilidade não é, todavia, isenta de riscos: entre outros, falta de qualidade da informação, dificuldade na comparação de produtos, utilização indevida da ‘marca verde’ nos produtos e serviços financeiros, impreparação dos agentes económicos e ausência de critérios de mensuração de resultados potenciam o risco resultante da eclosão do tema da sustentabilidade financeira. E os números referidos impõem uma reflexão sobre os riscos da utilização desta agenda para ‘branquear’ fatores de má reputação empresarial.
Por isso mesmo é premente a definição do papel do regulador e supervisor neste caminho já incontornável, mas onde as oportunidades e o oportunismo se podem misturar de forma perigosa.
Sem prejuízo de outros contributos que podem e devem dar, nomeadamente na identificação e mitigação dos riscos descritos anteriormente, cabe aos reguladores evitar que a utilização abusiva das Finanças Sustentáveis possa ameaçar a sua credibilidade e o contributo positivo que a integração genuína de bons princípios ambientais, sociais e de governo das sociedades nas decisões de gestão e investimento poderá oferecer ao sistema financeiro e à sociedade.
O mercado português pode contar com a CMVM no debate e na reflexão sobre as Finanças Sustentáveis, a ganhar força a nível internacional. Foi esse objetivo que sinalizámos na conferência anual da CMVM, que juntou centenas de especialistas e interessados em Lisboa em novembro; é esse objetivo que continuamos a promover – por exemplo, com a publicação, este mês, de documentos explicativos sobre Finanças e Desenvolvimento Sustentável e com participação nos debates nos fora internacionais; e é isso que continuaremos a fazer em 2019, com o lançamento, em breve, de uma consulta pública sobre o tema, com vista ao levantamento de conhecimento e perspetivas diferentes sobre aquilo que já temos em Portugal em matéria de Finanças Sustentáveis, bem como dos riscos associados, as oportunidades que podemos ajudar a criar, as expectativas dos cidadãos e das instituições e, sobretudo, aquilo que a comunidade espera, e não espera, da CMVM enquanto regulador dos mercados.
Ao longo de 2019, a CMVM irá intensificar o seu envolvimento na discussão a nível nacional e internacional, designadamente a nível da ESMA e IOSCO (na sua recém-criada Sustainable Finance Network) e participar ativamente na avaliação das eventuais necessidades de ajustamento da regulação nesta matéria, em particular das Diretivas DMIF II, UCITS II e AIFMD.
Mas há mais: iremos apurar a supervisão da informação não financeira prestada pelas grandes empresas nos relatórios de sustentabilidade; acompanhar os desenvolvimentos no mercado da gestão de ativos, designadamente na constituição e supervisão de fundos de investimento social; desenvolver um novo modelo de supervisão do governo das sociedades; amadurecer os mecanismos de aferição de idoneidades; e avaliar o nosso próprio contributo, enquanto organização, em matéria de sustentabilidade.
Trata-se, em suma, de recusar o alegado paradoxo das Finanças Sustentáveis; de evoluir do idealismo para a ação; e de admitir a sua inevitabilidade, mas conformando-a pelas nossas mãos, fazendo a sustentabilidade sustentável, em lugar de fogo fátuo.
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