Sustentabilidade e Reputação Fiscal
A carga fiscal portuguesa é absurda. É absolutamente inaceitável uma carga fiscal de 35,6% do PIB, valor recorde de 2021 e a igualar em 2022.
“Criei uma empresa no Dubai para não pagar impostos. Digo abertamente, é uma metodologia comum”. A frase é de Ricardo Moutinho, proferida em 10 de novembro em entrevista ao Expresso. Uma frase passível de várias reações: de um lado, dos assinam por baixo; do outro, onde me encontro, a (ainda, e confesso, ingénua) surpresa e incredulidade.
Esta frase é assim o mote da reflexão sobre o papel que advogados (ainda ou cada vez mais) têm na sensibilização do tecido empresarial português em matéria de comportamentos fiscalmente aceites.
Começar por duas declarações de princípio.
A carga fiscal portuguesa é absurda. É absolutamente inaceitável uma carga fiscal de 35,6% do PIB, valor recorde de 2021 e a igualar em 2022. Não entrando sequer na discussão value for money, coloca-nos na cauda da UE em termos de competitividade e potencia comportamentos evasivos.
O planeamento fiscal não só é lícito, como recomendável. Todo o contribuinte pode – e deve – recorrer aos regimes fiscais existentes, incluindo isenções ou benefícios fiscais, nacionais ou internacionais. Trata-se acima de tudo de boas práticas de governance.
Mas uma carga fiscal excessiva não pode servir como justificação para práticas fiscais abusivas, para normalizar metodologias acriticamente.
Do mesmo modo que a licitude de planeamento fiscal – aceite e estimulado pelo sistema, com instrumentos e práticas legais, com correspondência à realidade económica do negócio – não pode ser confundida com licitude de práticas evasivas ou elisivas (assentes em instrumentos ilegais, ou legais mas sem correspondência à realidade económica).
E pese embora já exista essa consciência, ainda assim se ouve “mas se todos fazem…”.
E aqui entram os que têm a (in)grata tarefa de identificar (e mitigar) impactos fiscais.
Nas sociedades com alguma dimensão esse trabalho tem sido feito ao longo dos últimos anos. Inicialmente junto dos colegas de outras áreas, demonstrando que o mundo mudou e que práticas que eram business as usual não são hoje legal ou moralmente aceitáveis. São eles os melhores aliados de um fiscalista: na linha da frente, os mais bem colocados para detetar sinais de alerta e envolver a área fiscal. E nos dias de hoje não há como evitá-lo: a qualidade do client service e a reputação dos escritórios disso depende.
Os fiscalistas por seu turno têm de saber passar a mensagem aos clientes. Construtivamente, com empatia, sem julgamentos. Mas dando nota de que não estamos já apenas num plano moral.
Se RGPD, Whistleblowing e ESG entraram rapidamente na gíria empresarial, há que dar a conhecer os impactos de DAC 6, Trocas Automáticas de Informações, BEPS.
Frisar que políticas ESG assentam (também) num nexo cada vez maior entre responsabilidade da gestão e transparência das suas estratégias, incluindo a fiscal.
Dar a conhecer que clientes e advogados são obrigados a comunicar práticas de planeamento fiscal (potencialmente) abusivo. Que só em 2021 foram comunicados em Portugal 107 mecanismos transfronteiriços, 28 internos e 33 dispensas. Que 14 países da UE comunicaram a Portugal outros 40. Que na troca automática de informações, DACs 1 e 2, CRS e FATCA, Portugal recebeu e enviou informações para 171 países, num total de 1.617.250 de registos de contribuintes recebidos e de 3.599.965 enviados.
Há, no fundo, que passar a mensagem que já não existem metodologias comuns que funcionem por si só. Que a cada estrutura tem de corresponder substância. Que planeamento fiscal não se faz no papel. Que uma política fiscal consciente não é uma escolha mas uma inevitabilidade. Que a sustentabilidade e reputação dos nossos clientes disso depende.
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