Trabalho, etc.
Nem remoto, nem digital ou sequer híbrido. O único futuro, já evidente, do trabalho é a sua fusão com todas as outras dimensões das nossas vidas.
O lento mas consistente levantar de restrições, um pouco por todo o mundo, impostas pela pandemia, está a provocar o que muitos não julgavam possível. O regresso em força aos espaços de coworking prova que estes não são locais onde “apenas se trabalha”. A socialização entre indivíduos de diferentes áreas de conhecimento e profissionais, assim como o aumento e gestão de uma efetiva rede de contactos, são os grandes argumentos do movimento que começou em 2005 (2010 em Portugal). Basta consultar o Google, a marca que se tornou verbo de pesquisa na web, para ter uma melhor perceção da magnitude deste regresso: um disparo de 127% só entre 10 e 17 de outubro.
Esta tendência de regresso – mas também de descoberta – é alimentada por dois fatores, a saber, a natural necessidade de estar com outros sob o mesmo teto, em alternativa clara ao isolamento que é trabalhar em casa ou a partir de casa. O segundo fator é mais complexo, sendo por isso mais difícil de circunscrever. A rede de contactos profissionais deixou há muito de constar das pequenas agendas que nos enchiam um dos bolsos há duas ou três décadas. Essa rede, vulgo networking, é hoje ativamente construída dia a dia, usando ferramentas digitais e contacto direto, que se mantém atual e, na realidade, insubstituível.
As redes de contacto são também redes de colaboração e de potencial contratação, hoje com um prazo de validade imensamente mais curto do que há umas décadas. Vale a pena refletir, exatamente, sobre esse prazo de validade de tudo o que nos é proposto e exigido no trabalho, na escola, nas instituições e na vida, em suma. Tudo é mais rápido, mas nunca suficientemente rápido. Tudo é global, mas nunca suficientemente global. Trabalhávamos e, decorridos uns cinco ou seis anos, a empresa sugeria, ou exigia mesmo, uma “reciclagem de conhecimentos”. Estudávamos na velha e lenta escola, mas também aqui o prazo de validade era alargado, durando mais ainda do que a aprendizagem em contexto profissional.
Aprender e trabalhar têm hoje um prazo de validade mais curto do que uma maçã cortada ao meio. Se não for consumida rapidamente, oxida e apodrece. A que ritmo temos de nos manter atualizados fruto da digitalização das nossas vidas? A resposta simples e demolidora: sempre. Qualquer inflexão ou alteração por parte de uma das figuras supra-nacionais que regem o globo altera por completo e de forma imediata o que fazemos nos nossos computadores ou telefones inteligentes, o nosso conhecimento, comportamentos e relevância perante o mercado profissional. Vivemos em modo always on como escrevia a Lynda Gratton em 2011 (“The Shift – The Future of Work is already here”).
O coworking e as suas ramificações orgânicas “cotudo” (coliving, nomadismo digital, trabalho remoto, etc.) são a expressão viva de uma certa resistência a este modo, promovendo uma fusão salutar de trabalho, lazer e aprendizagem. Ou a única possível, dirão os mais céticos.
A permeabilidade entre os momentos em que trabalhamos, aprendemos, socializamos e nos divertimos requer também novas abordagens no desenho de espaços que alimentem a colaboração e uma ideia de comunidade. Se de 2010 a 2020, Portugal desenvolveu uma rede de espaços de coworking de norte a sul e do continente aos Açores e Madeira, agora o movimento difunde-se por novos lugares, dos mais óbvios (desde 2010, interrogava-me sobre os hotéis e o centros comerciais não apanharem esta onda) aos mais improváveis (virtualmente todos os restantes). Quem quer ficar em casa, sozinho e confinado, se trabalhar hoje requer sobretudo rede humana, rede wifi e rede profissional? É do fim do escritório que se trata e não do fim do trabalho.
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