Um ano de governo. O melhor? O orçamento. O pior? O orçamento.
Esqueçam as portas giratórias entre funções públicas e interesses privados. Agora já não são necessárias, eles partilham a mesma sala
Segunda-feira
António Costa até pode estar a tirar o país dos défices excessivos. Mas os défices excessivos é que teimam em não sair dele. A pérola que deixou sobre a Carris é sintomática do pensamento e, sobretudo, do sentimento sobre a relação entre os serviços públicos de que precisamos e o seu custo. Disse o primeiro-ministro: “esta empresa não deve ser um produto financeiro. Deve prestar um serviço público. Antes, tinha de produzir EBITDAS e não transportar pessoas. Mas a função primeira é de ser uma empresa para servir as pessoas. A natureza pública garante que a função não é desvirtuada”.
A declaração escorre populismo e demagogia por todas as palavras. E deixa uma mensagem perigosíssima aos gestores de empresas do Estado: a eficiência económica, a racionalidade, a tentativa para fazer mais e melhor com os mesmos ou menos recursos não interessam para nada. Basta que transportem pessoas – ou curem, ou ensinem, ou lhes passem certificados e declarações – e que não se preocupem com a conta porque no fim cá estará o contribuinte para pagar.
Saliente-se pelo menos a coerência do momento: a declaração de amor ao desvario foi feita no momento em que o Governo apresentava aos contribuintes uma factura de dívida superior a 800 milhões de euros, precisamente da tal empresa que não deve produzir EBITDAS ou fazer por ter uma exploração equilibrada que lhe permita prestar um serviço de qualidade sem ajudar a condenar à pobreza gerações presentes e futuras.
O governo e o PS ficam muito admirados e até se sentem ofendidos quando é recordado o seu pesado cadastro orçamental e financeiro e quando são levantadas dúvidas e receios em relação aos seus planos económicos e para as contas públicas. Estranham que as taxas de juro cobradas ao Estado estejam elevadas e a aproximar-se de níveis perigosos. Acham que é má vontade do mundo contra eles. Mas como é que pode ser doutra maneira se é desta forma que olham para a gestão do Estado e dos serviços públicos?
Um primeiro-ministro que diz uma coisa destas demonstra pouco ou nenhum respeito pelo dinheiro dos contribuintes e revela que pouco ou nada aprendeu quando o seu partido e a governação de que fez parte levaram o país à bancarrota e obrigaram ao pesado programa que assinaram com a troika. E deixa claro que considera a consolidação orçamental tão útil como o perú acha graça ao Natal. Não fossem as regras apertadas impostas de fora e o temor que há aos mercados e já teríamos regressado à nossa “boa” vida sem preconceitos. Assim, sempre vamos tendo alguns preconceitos e esforçamo-nos para cumprir algumas metas.
Terça-feira
A COTEC dedicou o seu Encontro Nacional de Inovação ao tema da Economia Circular. Os recursos naturais do planeta são limitados mas a população e o consumo não param de crescer. Por isso, a utilização mais eficiente de recursos, a reutilização de matérias nos processos produtivos, o consumo mais responsável e o reforço da reciclagem têm obrigatoriamente que entrar em força nas agendas das políticas públicas, nos planos empresariais e na consciência dos consumidores.
Com o desenvolvimento tecnológico e a digitalização crescente da economia estão criadas condições para se darem passos decisivos para a sustentabilidade do nosso estilo de vida.
Por regra, saio dos fóruns dedicados ao futuro e ao muito que está a mudar na economia e nas sociedades por força dos avanços tecnológicos com um misto de optimismo e de frustação.
O optimismo vem da verificação de como há muita gente a pensar nestas coisas, a colocá-las na agenda e já a praticá-las. Os casos empresariais mostrados pela Cotec dizem-nos isso mesmo: há empresas portuguesas, em sectores difíceis e altamente concorrenciais, que lançam projectos inovadores de sustentabilidade e de aplicação dos princípios da Economia Circular que comparam com as melhores práticas internacionais e que envolvem investigação e inovação portuguesas ao nível das melhores do mundo.
A frustação com que saio destes debates é a sensação de que vamos colectivamente desperdiçando oportunidades sucessivas. Os momentos de disrupção, de grandes e rápidas mudanças e de alteração dos paradigmas vigentes também são, por regra, excelentes ocasiões para que novos protagonistas se cheguem à frente e consigam posicionar-se onde nunca tinham conseguido.
Ainda que tenham ficado para trás em campeonatos anteriores, a mudança da modalidade do jogo dá-lhes uma renovada oportunidade. Não fomos brilhantes na industrialização? Podemos recuperar terreno com a digitalização. O mercado interno é pequeno? As plataformas electrónicas podem ser uma boa ferramenta para competir globalmente.
Nos próximos anos vamos começar a assistir à mudança de uma série de modelos de negócio e ao aparecimento de novos produtos e serviços relacionados com a Economia Circular. As polémicas questões relacionadas com a mobilidade urbana são apenas um exemplo do que virá por aí.
A falta de políticas publicas robustas, abrangentes e com incentivos direccionadas para estes objectivos globais são, talvez, o maior sinal da nossa falta de uma estratégia de desenvolvimento que faça sentido. Há talvez uma execepção neste deserto: o incentivo ao empreendedorismo e à criação e atracção de startups. E os resultados estão aí.
Quarta-feira
Deixe-me ver se percebi bem. Um administrador em funções no BPI, banco privado, participa com o governo em reuniões sobre a actividade, a reestruturação e o saneamento financeiro da CGD, banco público e concorrente daquele. Ajuda o governo a preparar o plano de recapitalização do banco, negociando-o em Bruxelas e com as entidades de supervisão. O governo e os protagonistas acham a prática e o procedimento normal. É isto?
Para tentarem esvaziar a polémica, alegam que António Domingues não teve acesso a informação reservada. E toda a agente acredita. É também isto? E para cúmulo, alega-se que as contas foram feitas utilizando os rácios de capital do próprio BPI. É ainda isto?
Esqueçam as portas giratórias entre funções públicas e interesses privados. Agora já não são necessárias, eles partilham a mesma sala.
Sexta-feira
O governo faz um ano, tendo sobrevivido contra a generalidade das expectativas, minhas incluídas. O melhor? A execução orçamental. O pior? A política orçamental. Eu explico: o governo conseguiu ir corrigindo ao longo do ano as asneiras de política orçamental cometidas no documento que aprovou. Como? Cortando na despesa corrente e de investimento, muitas vezes de forma cega – veja-se o que está a acontecer nas áreas da Saúde, da Educação, dos transportes – para acomodar as decisões irreversíveis que tomou para a agradar a grupos de interesse com peso eleitoral. E para o ano vai repetir a receita, criando um lastro de despesas fixas e um patamar de gastos que terão consequências no futuro e colocarão nova pressão de aumento de impostos.
O dossiê mais bem gerido? O das novas plataformas electrónicas que concorrem com os táxis. É um passo no sentido certo, permitindo e defendendo a inovação, regulando-a sem a matar e obrigando os interesses rentistas a mudarem um pouco de vida.
O dossiê pior gerido? O da Caixa Geral de Depósitos. Não preciso de explicar porquê, pois não?
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Um ano de governo. O melhor? O orçamento. O pior? O orçamento.
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