Um IVA com taxa única e mais justo

O problema é que a função redistributiva do IVA não funciona. Pelo contrário. Estudos econométricos revelam que o IVA é um imposto fortemente regressivo, penalizando as famílias mais pobres.

A despesa fiscal do IVA foi de 7.462 milhões de euros em 2017, segundo o parecer do Tribunal de Contas à Conta Geral do Estado. Esta despesa corresponde, na sua quase totalidade, ao valor do IVA cobrado a menos pela existência das taxas reduzidas do imposto, de 6% e de 13%, para os consumos de bens e serviços considerados essenciais, em relação à taxa normal, de 23%.

As estatísticas disponibilizadas pela AT no Portal das Finanças revelam que a taxa média efetiva do imposto é de cerca de 17%. Pagamos uma taxa geral de 23%, em vez daqueles 17%, em nome de um objetivo nobre, de redistribuição de riqueza dos portugueses mais ricos e da classe média para os mais pobres, que seriam, em princípio, os beneficiários daquelas taxas.

O problema é que esta função redistributiva do IVA não funciona. Pelo contrário, os estudos econométricos revelam que o IVA é um imposto fortemente regressivo, penalizando financeiramente as famílias mais pobres em benefício das mais ricas. Ou seja, o peso do IVA pago, quando comparado com o rendimento, é muito maior nas primeiras que nas segundas, pelo que o seu sacrifício é maior

A tentativa de remediar esse efeito, aplicando taxas reduzidas aos consumos de bens e serviços essenciais é ineficaz, e é fácil perceber porquê. As taxas reduzidas aplicam-se aos pobres, mas também aos ricos e à classe média, pelo que nada corrigem. E se os mais pobres gastam quase todo o seu rendimento na aquisição dos bens essenciais, isso não altera significativamente as coisas, porque os mais ricos podem fazer o mesmo, poupando, já que a poupança não paga IVA.

Um estudo realizado pelo Banco de Portugal em 2010 revelou que a taxa média do IVA era, para os mais pobres, de 18%, mas para a classe média e para os mais ricos não ultrapassava os 10%, e baixava continuadamente à medida que aumentavam os seus rendimentos.

Os impostos transferem sempre riqueza de uns cidadãos para outros. Quando são progressivos essa transferência faz-se dos mais ricos para os mais pobres, mas quando são regressivos transferem-na dos mais pobres e da classe média para os mais ricos.

Se a aplicação das taxas reduzidas do IVA não produz efeitos redistributivos a favor dos mais pobres, então aquele custo, que todos suportamos, ricos e pobres, de 7.462 milhões de euros, pagando uma taxa geral de IVA de 23% muito superior à necessária, de apenas 17%, pode ser um esforço perdido.

Por outro lado, obrigar famílias que auferem rendimentos inferiores ao mínimo de existência, que são cerca de metade das famílias portuguesas, a pagar IVA a uma taxa média de 18%, como demonstra aquele estudo do Banco de Portugal, revela uma preocupante falta de solidariedade do sistema. Na verdade, o Estado não deveria exigir IVA aos contribuintes sem rendimentos porque não possuem capacidade contributiva e deveria aplicar uma carga tributária muito mais baixa do que a atual àqueles que ganham rendimentos muito baixos.

O IVA tem-se tornado o imposto mais importante dos sistemas fiscais em praticamente todo o mundo, pela sua eficácia como instrumento de obtenção de receitas pelos Estados. Mas ele não serve como instrumento de progressividade, pelo que a existência de taxas reduzidas aplicadas indiscriminadamente a todos os consumidores é ineficiente. O imposto por excelência para esse fim é o IRS, e é nele que se deve centrar toda a função de progressividade do sistema tributário. Porque é o único que permite uma avaliação global da capacidade contributiva e de pagamento de cada contribuinte e de cada agregado familiar.

Na literatura internacional é unânime a recomendação de que, tendencialmente, o IVA deve ter apenas uma taxa e o mínimo de isenções, para que seja o mais justo possível e provoque o mínimo de efeitos de distorção na atividade económica. O próprio preâmbulo do Código do IVA exprime as vantagens de uma taxa única, aplicável de forma generalizada.

O conhecimento e o avanço tecnológico de que hoje dispõem as administrações tributárias, em especial a portuguesa, tornam possível compatibilizar as vantagens da aplicação de uma taxa única de IVA, com um reforço da progressividade e do efeito redistributivo do sistema fiscal. É possível baixar a taxa geral do IVA dos atuais 23% para cerca de 19% e, ao mesmo tempo, eliminando as taxas reduzida e intermédia, devolver aos mais pobres a totalidade, ou uma parte, do IVA suportado, diminuindo-se assim a carga fiscal que atualmente suportam.

Essa devolução deveria ser efetuada através do IRS, utilizando-se a capacidade, já instalada, de determinação da capacidade contributiva de cada agregado familiar e de cada contribuinte, de forma automática.

Aos mais pobres dos mais pobres, por exemplo àqueles que não possuem rendimentos, o Estado poderia devolver, tendencialmente, todo o IVA que constasse das faturas correspondentes a todas as aquisições que efetuaram. Aos que possuem rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional, a devolução poderia ser parcial, diminuindo à medida do aumento da sua capacidade contributiva.

Trata-se de um modelo próximo do atual e-fatura, mas que pode ser aplicado apenas em função dos rendimentos e do valor total do consumo, sem necessidade de discriminação dos produtos consumidos.

Para se garantir uma maior eficiência, essa devolução poderia ocorrer a todo o tempo, mediante transferência financeira, logo que cada agregado ou contribuinte alcançasse um crédito superior a um mínimo determinado. Esgotado esse efeito, o NIF do consumidor, poderia ser eliminado das faturas, sem necessidade de se esperar pelos cinco que a lei atual estabelece.

Este modelo aproxima-nos da introdução, em sede do IRS, do imposto negativo, mas transferindo apenas, para os contribuintes de mais baixos rendimentos, ou sem eles, um valor correspondente à totalidade ou parte do IVA por eles suportado. Produzir-se-ia, assim, um efeito redistributivo efetivo e com custos muito inferiores aos 7,4 mil milhões atuais.

A reforma que aqui proponho proporcionaria, ainda, um enorme avanço no combate à evasão e à fraude fiscais. O mais recente estudo da Comissão Europeia acerca do gap do IVA revela que a receita deste imposto que o Estado perde em razão daqueles fenómenos é de 1.784 milhões de euros (quase 1% do PIB). Esse valor corresponde a uma economia paralela de cerca de 10%.

Assentando o sistema na exigência de fatura por todos os consumidores, ele passaria a incluir nos seus beneficiários os cerca de 2,4 milhões de agregados familiares que atualmente não pagam IRS dados do Portal das Finanças) e que, por isso, não beneficiam do sistema e-fatura. Por outro lado, o incremento e a generalização do atual benefício e-fatura, alargaria essa exigência.

A recuperação daqueles 1.784 milhões poderia servir para beneficiar todos os cidadãos, podendo ser-lhes devolvidos através do IRS. A prova de que isso é possível é dada pelo resultado alcançado com a implementação do sistema e-fatura que fez baixar a economia paralela de 16% para 10% em apenas 3 anos, como revela aquele estudo.

Uma taxa única de IVA seria também um importante instrumento de simplificação e de economia de custos para as empresas. O país ganharia também em competitividade, dado que, pela primeira vez, teríamos uma taxa normal de IVA mais baixa que a espanhola. E mesmo para os turistas, poderíamos aplicar um sistema de benefício à exigência de fatura.

Este modelo permitiria uma diminuição generalizada da carga fiscal, um aumento da progressividade e do efeito redistributivo, bem como uma maior eficiência do sistema fiscal.

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