Uma carta aberta aos censores
Esta é uma carta aberta aos censores que assinaram uma outra carta aberta com o objetivo de limitar a liberdade de imprensa e o escrutínio do Governo e dos outros poderes públicos.
O país vive em confinamento, o Governo recorre a medidas extremas de restrição das liberdades, já vamos no 12º estado de emergência no último ano, a Constituição está na verdade suspensa, e talvez isto explique a liberdade com que umas quantas “personalidades” de esquerda — entre os quais jornalistas (!) — exijam a censura e o ‘respeitinho’ de jornalistas e meios de comunicação social relativamente ao Governo e à forma como tem conduzido a gestão política da pandemia.
Deixo-vos aqui alguns excertos deste ‘tratado’, dirigido às televisões, mas que é na prática uma pressão sobre todos os jornalistas, publicado no Público:
- Assinalamos a excessiva duração dos telejornais, contraproducente em termos informativos. Não aceitamos o tom agressivo, quase inquisitorial, usado em algumas entrevistas, condicionando o pensamento e a respostas dos entrevistados. Não aceitamos a obsessão opinativa, destinada a condicionar a receção da notícia, em detrimento de uma saudável preocupação pedagógica de informar.
- E não podemos admitir o estilo acusatório com que vários jornalistas se insurgem contra governantes, cientistas e até o infatigável pessoal de saúde por, alegadamente, não terem sabido prever o imprevisível – doenças desconhecidas, mutações virais – nem antever medidas definitivas (…)
- Não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS, as pseudonotícias (que só contribuem para lançar o pânico) sobre o “caos” nos hospitais, a “catástrofe”, a “rutura” sempre anunciada, com a hipotética “escolha entre quem vive e quem morre” (…)
- Consideramos inaceitável a agenda política dos diversos canais televisivos generalistas, sobretudo no Serviço Público de Televisão.
Poderíamos ter uma de duas atitudes: Desvalorizar esta carta aberta, remetê-la para a gaveta das patetices que desaparecerão com a espuma dos dias ou, pelo contrário, levá-la muito a sério, e não deixar cair estas tentações que, no contexto em que vivemos, ganham espaço e até parecem normais nos tempos que correm. Não são. São mesmo anormais e insuportáveis.
Cada uma destas frases — e particularmente uma que foi alterada já depois da publicação, com a suavização da acusação da agenda política das televisões, contra o Governo e o PS, presume-se — mereceria uma resposta. Mas a gravidade desta carta aberta vale mesmo pelo todo, pelo que significa quando um conjunto de ‘personalidades’, muitas delas com presença assídua nas televisões que agora acusam a promover-se a si ou aos seus projetos próprios, sente-se livre para atacar os que cumprem o seu papel, escrutinam as decisões do Governo e dos poderes públicos, e prestam um serviço público.
Claro que os jornalistas erram, os da televisão e todos os outros, há excessos, sim, mas qualquer erro ou excesso valerá sempre a pena quando do outro lado está um poder à solta, deste governo ou de qualquer outro, que tem de ser limitado por agências independentes, sejam elas públicas (o Parlamento e os tribunais) ou privadas, como os meios de comunicação social.
Na verdade, este grupo de “personalidades” fez-nos a todos um enorme favor. Aos mais distraídos, aos céticos, a todos, este grupo de mostrou que é mesmo preciso garantir a independência e a defesa da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão, porque haverá sempre alguém disposto a defender a censura ao serviço dos seus interesses pessoais.
Nota: Convido-os a uma leitura complementar do novo Índice +Liberdade, o primeiro construído em Portugal a partir dos principais índices internacionais, e que põem o nosso país no 18º do ranking europeu geral. É basicamente isto que está em causa com iniciativas como esta. Nas liberdades civis, Portugal alcançou o 11.º lugar, destacando-se com o melhor resultado no Sul da Europa. Nas liberdades políticas ficou um pouco mais abaixo, ocupando o 15.º lugar. No entanto, Portugal apresenta-se como uma das economias menos livres a nível económico na Europa, ocupando o 26.º lugar.
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