Unicórnios?! Não, obrigado!

Num país com mais de 4000 projetos empresariais classificados como startups, é importante não medir o sucesso com base apenas nalguns casos de sucesso. O empreendedorismo não deve ser deixado ao acaso

Nos quase 25 anos em que a Internet se tornou algo mais do que uma simples rede de comunicações, o mundo tem passado por um conjunto de mini-ciclos de entusiasmo e desilusão, até ao mais recente hype da revolução da transformação digital.

Cada um destes mini-ciclos marcou uma progressiva transformação na lista das empresas com maior capitalização bolsista a nível mundial, passando as primeiras posições, em grande medida, a ser ocupadas por nomes até então razoavelmente desconhecidos, e cada vez mais identificados com os grandes agentes da transformação digital a nível global: Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Meta, Tesla, entre outros.

E “à boleia” destas grandes empresas de forte base tecnológica, emergiram também empresas que, quase da noite para o dia, apresentaram capitalizações bolsistas de mais de mil milhões de dólares, e a quem o mundo empresarial rapidamente batizou de “unicórnios”, talvez pelo caráter único e seguramente mitológico da sua geração quase espontânea.

Na verdade, este clube muito restrito de empresas reúne, supostamente, os casos de maior sucesso e que fazem sonhar cada um dos milhares de empreendedores que hoje existem pelo mundo inteiro. No seu conjunto, o Startup & Entrepreneurial Ecosystem Report da IDC identificou em Portugal já em 2022, mais de 4.000 empresas, responsáveis por mais de 2,3 mil milhões de euros em volume de negócios e cerca de 25.000 empregos.

São números expressivos (seguramente à data de hoje já ultrapassados) e que mostram bem a importância e o contributo que o empreendedorismo pode dar a uma economia frágil e sempre excessivamente dependente das receitas do turismo, do investimento do Estado e de algumas (poucas) grandes empresas que ainda operam em Portugal.

A cultura de empreendedorismo é hoje um fator determinante no rejuvenescimento do tecido empresarial de um país, no desenvolvimento e fixação do talento, e uma forma saudável de maximizar as oportunidades para aqueles que tiveram a sorte de nascer numa geração onde o acesso à informação e às oportunidades é fundamentalmente diferente do que foi oferecido às gerações anteriores.

O mercado da formação está hoje por isso inundado de cursos e projetos orientados para o empreendedorismo, para a inovação, para as novas tecnologias, fortemente alicerçado nos denominados casos de sucesso, potenciadores e geradores dos ditos “unicórnios”, com uma mensagem subliminar que dá a entender que qualquer startup pode, potencialmente, chegar ao restrito clube dos famosos.

A contrastar com esta visão otimista está o crescente número de projetos de startups que não saem da garagem onde foram idealizados, que não chegam a conseguir investidores (mesmo numa era onde ainda abunda o dinheiro para investir), que não passam dos primeiros rounds de investimento, ou que acabam por ser compradas ainda num estágio preliminar, ajudando a engordar e/ou a modernizar empresas (muitas vezes estrangeiras) já devidamente estabelecidas.

Para moderar ainda mais o otimismo, nada como, de vez em quando, ser surpreendido com notícias de um ex-unicórnio que (quase) desaparece, que perde as asas e outros adereços mitológicos do dia para a noite, que ganha de repente umas listas pretas, transformando-se para muitos empregados, investidores e fornecedores, naquilo que os nossos amigos brasileiros designam como “uma zebra”.

E tudo porque, unicórnios não são startups! Não podem ser geridas como se o fossem, não podem acumular e refinanciar dívida como se existisse um pote de ouro no final do arco-íris, e têm que se reger pelo mesmo tipo de mecanismos de conformidade no mercado como qualquer outra grande empresa centenária, que cumpre um conjunto de obrigações e escrutínio permanente por parte de reguladores, do mercado e dos seus próprios funcionários.

É preciso apostar no empreendedorismo, sem dúvida! Mas 25 anos de experiência acumulada neste mundo supostamente digital têm de nos conseguir ajudar a todas a criar um ecossistema muito mais robusto de triagem de novos projetos, de crescimento e financiamento saudável dos mesmos e de garantia de proteção de todos aqueles que podem ser afetados pelos riscos que os afetam.

Para minimizar estes problemas, é importante atuar coordenadamente em quatro eixos fundamentais:

  • Promover melhores apoios na fase de conceptualização e teste das ideias – é preciso provar muito mais e com custos muito menores para os empreendedores;
  • Assegurar maior proteção contra o aventureirismo financeiro – é preciso regulamentar contra um conjunto de práticas de mercado que penalizam a maioria dos empreendedores em benefício de uns poucos quantos projetos privilegiados;
  • Continuar a apoiar a subsidiação relativamente à formação financeira dos promotores dos projetos – procurando equilibrar o conhecimento sobre os riscos entre investidores e empreendedores;
  • Desenvolver mecanismos de proteção social específicos, para cenários de inovação onde partes da remuneração do trabalho dependente estão vinculados ao sucesso financeiro dos projetos.

A aplicação destas e de outras medidas, contribuirá para uma maior sustentabilidade do ecossistema de empreendedorismo, oferecendo mais e melhores condições para que o sucesso esteja ao alcance de todos. Porque mais valem mil boas startups do que 10 unicórnios (im)perfeitos.

Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG.

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