Vaga Vírus 2
O discurso do Governo é a cartografia mórbida de uma omissão política de quem nunca correu à frente de uma doença e não tem coragem para enfrentar os seus concidadãos nas incertezas da pandemia.
Não sei se a insensibilidade do Governo é estratégia, distracção, incompetência. Os 7000 casos Covid-19 são o maior atestado de infidelidade política que o Executivo usa na lapela. O primeiro-ministro comporta-se como um vulgar escriturário de segunda que observa o País da janela do terceiro andar. E à noite vai ao teatro para incentivar o compasso da cultura. Não olha, não vê, não pretender ver. Até que a pilha de casos sobe na cidade e perturba a vista sobre a maioria que se afunda no rio.
O primeiro-ministro concentra na sua acção política a falta de emoção, a displicência relativamente à ciência, o desprezo pela saúde dos portugueses. Distraído com os seus afazeres inúteis, ignora a persistente escalada da pandemia até que os casos e os corpos alarmam as notícias e enchem o santificado SNS.
Depois há a conferência de imprensa em que os responsáveis da Nação se apresentam como alunos em processo de recuperação pedagógica e ficam assustados com o que ouvem e mais assustados com a perspectiva dos modelos. É fantástico como em Portugal ninguém sabe, ninguém vê, ninguém se importa, um País em que relativamente a 80% dos casos covid registados não se conhece as origens das cadeias de transmissão. Como é possível afirmar que a pandemia está controlada? Como é possível olhar para os olhos dos portugueses sem admitir o fracasso absoluto?
A ausência de empenho, a descoordenação, a leviandade, são um atentado à saúde pública e uma omissão de auxílio na pessoa de cada cidadão. A mediocridade secular logo salta para o palco com a pantomima do argumento que é assim por toda a Europa e que Portugal até está a meio da tabela pandémico-viral. Pena é que estes políticos resignados e comentadores acomodados não venham fazer comparações entre Portugal e a Europa relativamente ao salário mínimo, à riqueza per capita, ao nível da protecção social, à qualidade dos Serviços de Saúde, ao índice de desenvolvimento económico, emocional, humano. A mentalidade nacional só compara indicadores de atraso, nunca indicadores de progresso e de bem-estar. A teoria do oásis é a matriz estrutural da política portuguesa.
É fantástico como em Portugal ninguém sabe, ninguém vê, ninguém se importa, um País em que relativamente a 80% dos casos covid registados não se conhece as origens das cadeias de transmissão. Como é possível afirmar que a pandemia está controlada? Como é possível olhar para os olhos dos portugueses sem admitir o fracasso absoluto?
Como tal, o Governo entretém-se a encontrar incentivos miseráveis para indústrias à beira do colapso, ocupa-se das incidências do Estado de Emergência, uma emergência em que o Governo se comporta de duas formas distintas: primeiro, assume o papel do Grande Contínuo da Nação, fecha e abre lojas e portugueses de acordo com um horário infalível e científico; depois, é o responso da responsabilidade individual, a mensagem brilhante de que “Portugal não tem covid”, pois quem contrai covid são os portugueses na sua infinita imaturidade, mais o discurso estafado centrado na ética laica do optimismo, mais a pulsão paternalista de que os portugueses sofrem da “fadiga” e do “cansaço” causados por meses de pandemia. O discurso do Governo é a cartografia mórbida de uma omissão política de quem nunca correu à frente de uma doença e não tem coragem para enfrentar os seus concidadãos nas incertezas da pandemia.
Em certo sentido, este Governo é uma ruína de um conto policial.
Em primeiro lugar, a narrativa pandémica do Governo é a descrição de uma história de mistério, onde reina a obscuridade e o fantástico. Só que a história política deve ser escrita em favor dos momentos de iluminação e a benefício da compreensão dos portugueses, e não em benefício das conveniências e das inconfidências do Governo.
Em segundo lugar, a ficção política do Executivo deve incidir no facto da simplicidade e não nos acidentes da complexidade. O mistério da Governação pandémica pode parecer complexo, mas no fundo deve ser marcado pela simplicidade das medidas e pela transparência dos objectivos na acção política.
Em terceiro lugar, pressupõe-se que os factos e as circunstâncias que tudo acabam por determinar e explicar sejam, tanto quanto possível, factos e circunstâncias verdadeiros e familiares. A realidade da pandemia deve estar em primeiro plano, não na condição de uma excepção existencial, mas na real condição de uma patologia real e legítima que causa a doença e a eventual morte.
Em quarto e último lugar, a narrativa do Governo deve encontrar numa ideia política o seu motor de propulsão, ao invés de começar simplesmente ao acaso à procura de uma qualquer ideia. O Governo deve observar a acção política a partir da sua lógica interna e simultaneamente com base na aproximação externa sensível aos olhos de um detective. No momento do reencontro, a política surge com um módico de organização, revela-se na sua coerência interna e na sua eficácia externa. Tudo deve ser criado a partir da verdade política, mesmo que se acrescente o “elemento do ópio”, uma política nunca se deve confundir com uma ilusão.
O Governo não deve excluir o mundo dos portugueses. Deve entender as suas necessidades e colocar nas acções políticas a nítida presença de uma aventura comum. O Governo pode voar com peixes fantásticos, agnósticos, mais drásticos por planícies de razões voltando sempre e sempre com novas soluções. A viagem do Governo não é iluminada, nem deve mostrar o corpo dos portugueses ao Universo dos animais de caça que dominam a doença. O Governo não existe nas estrelas, não domina as barbas dos fantasmas, nem sabe transformá-los em brinquedos.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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