Segunda fase de desconfinamento arrancou esta segunda-feira. Os clientes estavam sedentos de sentar-se a relaxar numa esplanada. Já a procura pelas lojas ainda é pouca.
Passados quase três meses de terem sido obrigados a encerrar portas devido à segunda vaga da pandemia, as esplanadas voltaram a abrir e algumas lojas já podem vender sem ser ao postigo, embora com limitação de clientes. No Porto e em Lisboa, o bom tempo ajudou a encher as esplanadas e os funcionários não têm mãos a medir para todos os pedidos e para a “fome” de reabertura dos clientes. Já a afluência nas lojas é menos sentida.
Na Ribeira do Porto, as esplanadas voltaram a abrir e a azáfama já se faz sentir. Passava poucos minutos do meio-dia e as ruas já estavam com movimento e a alegria estava espelhada no rosto das pessoas. Entre ruas e vielas, esta reabertura foi marcada por um dia de sol, música ao vivo e um sentimento de esperança por parte dos proprietários e clientes.
A Esplanada da Taberna, situada na Ribeira do Porto, esteve fechada durante 80 dias. O responsável do espaço, Rúben Azevedo, brinca e diz que esse tempo “dava para dar a volta ao mundo”. Apesar dos dias difíceis que enfrentaram, a Esplanada da Taberna está praticamente cheia e pouco passa do meio-dia. A esplanada tem 18 mesas e 15 já estão ocupadas.
O responsável nascido e criado na Ribeira do Porto diz sentir-se feliz com o ambiente e especialmente com a reabertura. “Estamos muito felizes, gostamos de trabalhar. Os oito colaboradores estavam em casa em lay-off e até eles estavam mortinhos por vir trabalhar. Nunca ninguém quis trabalhar tanto na vida como agora depois deste segundo confinamento”, destaca Rúben Azevedo.
Para o responsável é muito positivo o cenário, mas realça que “depois de tanto tempo parado, nem que fosse só uma mesa já era uma alegria”. Acrescenta que já previam que “hoje fosse um dia bom porque muita gente não trabalha e é o primeiro dia de abertura”. Rúben Azevedo brinca e diz que é tipo os barbeiros e cabeleireiros, “nas duas primeiras semanas trabalharam muito bem e depois quebra um pouco”.
“Estamos cá para trabalhar e para aproveitar tudo o que houver”, realça o responsável da Esplanada Taberna. A Esplanada não tem reservas, mas também não é o habitual. Rúben Azevedo conta ao ECO que as pessoas vão passando pela Ribeira e acabam por sentar-se a usufruir da paisagem sob o Rio Douro. “Este é um sítio turístico, é um cartão postal da cidade do Porto. O nosso serviço de esplanada é ocasional. As pessoas passam, olham, gostam e sentam”, refere.
Uma das 18 mesas da Esplanada Taberna estava ocupada por Carina Francisco e pelo marido juntamente com um casal de amigos. São os quatro brasileiros, mas vivem no Porto há um ano e meio. Depois de tantos dias confinados sem poder contemplar as vistas do Rio Douro, Carina Francisco, que estava a deliciar-se com a típica francesinha à moda do Porto, diz que estavam “com fome de almoçar numa esplanada”. “Sentimos muita falta de momentos como estes e já estávamos todos com muitas saudades. É muito bom estar aqui de novo ao ar livre, ver pessoas, comer outra comida que não seja a nossa”, conta Carina Francisco.
O responsável da Esplanada Taberna, apesar de estar bastante satisfeito com o primeiro dia de abertura, lamenta que no fim de semana o encerramento seja às 13h00. “Ninguém gosta dessa medida, mas percebo quem está a governar o país. Pior que decidir mal é não tomar nenhuma decisão. O governo sabe que ao fim de semana existe mais movimento e é uma forma de evitar as aglomerações”, refere Rúben Azevedo, responsável do restaurante da Esplanada.
A reabertura está a correr muito bem, mas depois de tanto tempo parado, nem que fosse só uma mesa já era uma alegria.
O responsável da Esplanada da Taberna diz entender a posição do executivo e frisa que “é importante que se sintam apoiados e ajudados”. Em relação aos apoios diz que “nunca são suficientes”, mas refere que o “Governo tenta ao máximo ir a todos os lados”. “É muito difícil para quem está a gerir e é muito fácil criticar as decisões do Governo”, afirma Rúben Azevedo.
Vários países europeus estão a ser assombrados pela terceira vaga de Covid-19, mas o responsável da Esplanada Taberna tem esperança que Portugal não entre novamente em confinamento. Rúben Azevedo está otimista com o plano de vacinação e acredita que o cenário vai ser diferente do ano passado.
Uns metros mais à frente em direção à Ponte D. Luís I encontramos a esplanada Buraquinho da Ribeira que já estava fechada há quase um ano e com quebras no volume de negócios de 80%. Com o país na segunda fase de desconfinamento, o Buraquinho da Ribeira Passado tem a esplanada composta. É caso para dizer que depois da tempestade, vem a bonança.
Ao meio dia e meio já tinha oito mesas ocupadas para almoço. Filomena Cerqueira, proprietária do espaço localizado na Ribeira do Porto, está otimista com esta reabertura e diz que numa fase inicial e a poucas horas da abertura “está a correr bem, mas que é necessário aguardar mais uns dias para terem “um balanço mais real”. Acrescenta que tendo em conta que ainda está em vigor a proibição de circular entre concelhos até às 00h00 desta segunda-feira, a “afluência é menor e que a partir daí será mais mexido”.
A proprietária da esplanada Buraquinho da Ribeira, que nasceu na Ribeira e viu a mesma a tornar-se um ícone da Invicta, tem “esperança” e “saudade” de ver as mesas todas cheias.
À semelhança da Esplanada Taberna, a proprietária do Buraquinho da Ribeira lamenta que ao fim de semana seja obrigada a fechar às 13H00. “Com esta medida, os fins de semana vão ser um bocado maus até porque é quando trabalhamos melhor”, lamenta Filomena Cerqueira.
Em relação aos apoios do Governo, a proprietária do Buraquinho da Ribeira ainda está a aguardar e conta ao ECO que apenas recebeu ajuda dois meses de apoios em relação ano passado. Apesar da falta de apoios, Filomena Cerqueira diz que este tempo todo pagou o vencimento aos funcionários e os impostos “elevadíssimos”. “São estes impostos que estão a dar cabo das empresas e está a ser uma batalha difícil”, destaca.
Depois do primeiro confinamento, quando abriu portas o ano passado, Filomena Cerqueira estava convencida que não iria fechar uma segunda vez e refere que “agora já está a contar com uma terceira vaga”. Diz que não quer ser pessimista, mas receia que esse seja o cenário “mais provável”.
Apesar de estar a contar com um terceiro encerramento, a proprietária do Buraquinho da Ribeira está a contar que o verão corra bem e que seja suficiente para “segurar o pessoal e pagar as contas”. “Preocupa-me as pessoas que já trabalham comigo há muitos anos e que são chefes de famílias com contas para pagar”, diz Filomena Cerqueira.
Em Lisboa, as esplanadas enchem-se com os “clientes da casa”
Ao descer dos Restauradores, passando pelo Rossio e atravessando a Rua Augusta, as esplanadas lisboetas vão saltando à vista. O bom tempo apareceu e as pessoas aproveitaram para encher as esplanadas, quer dos restaurantes de fast food, quer os de comida típica portuguesa. Ainda assim, a reabertura não chegou a todos. Na Rua Augusta muitas são as cadeiras ainda amontoadas, as portas fechadas e as janelas tapadas. Fica a incerteza se esperam pela próxima fase de desconfinamento, ou se nunca mais voltarão ao ativo.
Não era esse o caso do restaurante O Portas, numa rua paralela à Rua Augusta. Com a esplanada praticamente cheia, Helena Gonçalves, proprietária, estava radiante pela reabertura. “Acho que faz falta para a Baixa [lisboeta]. Esta Baixa está muito morta, está muito deserta”, afirma.
Nos últimos meses apenas trabalhou em take away, mas admite que não é o mesmo. Segundo Helena, a quebra de faturação rondou os 60% ou 70%, apesar do take away, porque esta modalidade “é só a comida e tem um valor simbólico”, esclarece. Ao reabrir, manteve o take away e acrescentou mais uma fila de mesas à esplanada – com autorização da junta de freguesia – para poder dar, finalmente, comida aos “clientes da casa”.
Ainda assim, sente muito a falta dos turistas. “O turismo enquanto não vier para a Baixa, a Baixa não vai funcionar, porque depende muito do turismo”, diz. “Uma coisa boa que sempre fiz foi que nunca apostei só no turismo e hoje estou a colher os frutos disso”, acrescenta.
Ao contrário de O Portas, o restaurante O Marques, perto dos Restauradores, teve uma quebra de 100% pois o take away não compensava. “Cheguei ao fim da semana e tive que pôr dinheiro para estar aberto, portanto acabei por encerrar”, explica o gerente, Paulo Marques.
Agora, de portas abertas e com uma esplanada de até 20 pessoas, vive dos “clientes habituais”. Porém, confessa estar “reticente devido à probabilidade de os casos aumentarem e das restrições voltarem”, pois desde fevereiro que não recebe “um cêntimo” devido à falta de apoios. Ainda assim, não se queixa do lay-off para os seus colaboradores, que “tem sido pago na íntegra”.
Perto de O Marques, o ECO encontrou José Tomás, trabalhador da capital que ansiava por voltar ao restaurante. No restaurante onde esperava, a afluência era tão grande que os empregados traziam mesas de interior para a rua para conseguirem sentar toda a gente. José não se importava com a mesa, apenas queria “almoçar normalmente” pois nunca parou de trabalhar e só comia “take away, pizzas, e coisas que não fazem bem à saúde”. “Agora vou poder sentar-me e comer comida em condições.”
Do Porto a Lisboa, as lojas estão a meio gás
Esta segunda-feira também alguns estabelecimentos de comércio puderam voltar a abrir portas. Foi o caso das lojas até 200 metros quadrados. Passando pela Rua Augusta, perto das 12h, algumas pessoas passeavam de sacos nas mãos, mas ainda havia muitas lojas fechadas e as que estavam abertas, praticamente vazias. Havia apenas uma única grande fila nesta conhecida rua lisboeta – era para uma loja fast fashion do grupo Inditex.
O pequeno comércio ainda pouco sentiu os efeitos do desconfinamento e a luta ainda é difícil. “Abrimos hoje [segunda-feira], ainda estamos a arrumar a loja, a tirar o pó”, começa por contar ao ECO Alexandra Jacob, proprietária da loja de artesanato The Ceramic HeArt, na Rua Augusta, depois de atender duas clientes estrangeiras. Uma delas, brasileira a viver em Portugal, confessa: “Passava aqui tantas vezes e queria entrar, finalmente entro”.
Sem turistas ter a porta aberta é igual a zero.
É destes clientes – estrangeiros – que a loja vive. “Nós dependemos 99% do turismo, a nossa quebra de faturação foi de 98%”, durante os mais de dois meses fechados, nota Alexandra. E, por depender muito do comércio internacional, não tinham como apostar no negócio online. Alexandra vende de tudo um pouco do artesanato tradicional português, de cerâmicas a azulejos, de toalhas a cortiça, bordados e alguns souvenirs tradicionais. “O nosso artigo para o mercado português não tem praticamente relevância”, explica, acrescentando que “sem turistas ter a porta aberta é igual a zero”.
Também de turistas depende, ainda que em menor quantidade, a retrosaria mais antiga da Rua da Conceição, a Alexandre Bento. Com porta aberta desde 1898, Alfredo Ricardo, atual dono, trabalha há mais de 50 anos na loja e os dois confinamentos foram as primeiras vezes que fechou, que se lembre.
“A parte do turismo faz-nos muita falta”, afirma Alfredo, em conversa com o ECO. Porém, esse é apenas um dos “problemas” que a retrosaria enfrenta. Já esta segunda-feira tiveram “meia dúzia de pessoas” na parte da manhã, mas é pouco comparando com outras retrosarias que o ECO visitou, e o que aí vem não vai dar para compensar o que ficou perdido durante o confinamento. “Ainda agora recebi o seguro para pagar, são as rendas da loja, é as despesas com ordenados, água, luz, todos os meses e não fazemos negócio para isso. (…) Há muita dificuldade, nem sei como aguentam [outros setores]”, narra.
Apesar de não ser o ideal, é melhor que estar fechado, pois nem ao postigo venderam muito. “É um ramo que as pessoas gostam de ver as cores, os tamanhos dos botões, tudo presencialmente, senão, não levam”, diz, acrescentado que, na sua opinião “é um negócio que devia estar sempre aberto”, até para as “pessoas de idade estarem em casa a fazer croché”.
No Porto, o cenário é semelhante. As lojas estão a meio gás e a afluência é claramente inferior em comparação com as esplanadas. Na loja Íntimus localizada na Avenida da República em Vila Nova de Gaia, a afluência ainda “é pouca ou nenhuma. Já vendi, mas nada de significativo”, conta Vasco Fonseca, proprietário da loja Íntimus.
O proprietário da loja de roupa íntima destaca que esta segunda-feira de Páscoa, num “ano normal” não era dia de abrir” e que normalmente o comércio está aberto no feriado da Páscoa e que fecha à segunda-feira. Para o proprietário esta reabertura sem ser ao postigo “não vai ter grandes efeitos porque só é possível entrar um cliente de cada vez e isto assim não vai resultar”. Vasco Fonseca considera que pelo menos duas pessoas podiam estar dentro da loja.
O proprietário da loja Íntimus pensa que vai voltar a fechar portas. “Tenho a certeza que em setembro fecha tudo outra vez até porque vão abrir as fronteiras, no verão vai estar tudo aberto e não há como evitar os aglomerados. Isto vai voltar a acontecer”, lamenta Vasco Fonseca.
Em relação aos apoios do Estado, o proprietário da loja destaca que “não chegam para nada”. No primeiro confinamento só recebeu um mês de apoios a rondar os 400 euros e neste segundo recebeu dois meses com valores mais altos – 500 euros por mês. Todavia, o proprietário da Íntimus refere que “não chegam para pagar os impostos”.
Apesar da dura batalha que enfrentou estes meses devido ao encerramento do seu “ganha-pão”, Vasco Fonseca está mais confiante com o novo pacote de apoios lançado pelo executivo, nomeadamente o apoio às rendas. Considera que “pode ser benéfico, mas peca por tardio”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Uma mesa já era uma alegria”, mas as esplanadas estão praticamente cheias. Lojas ainda a meio gás
{{ noCommentsLabel }}