Já se perdeu nas polémicas da Caixa? Nós ajudamos
Para o caso de se ter perdido na lista de polémicas que a nova administração da Caixa enfrenta, resumimos aqui as mais importantes.
Salários “milionários” e “inaceitáveis”, aos quais podem acumular-se pensões. Acesso indevido a informação privilegiada. Auditorias que ainda não começaram. Um plano de reestruturação sobre o qual pouco se conhece. Desde que a nova equipa de administração da Caixa Geral de Depósitos assumiu a liderança do banco público, a lista de polémicas é extensa. Para o caso de se ter perdido, resumimos aqui as mais importantes.
O fim dos tetos salariais
As polémicas começaram mais de dois meses antes de António Domingues e a restante equipa tomarem posse da administração da CGD. Foi a 8 de junho, quando o Conselho de Ministros aprovou uma alteração ao Estatuto do Gestor Público para acabar com os tetos salariais na CGD.
“A proposta vem determinar a não aplicação do regime previsto naquele estatuto aos administradores designados para instituições de crédito integradas no Setor Empresarial do Estado, qualificadas como ‘entidades supervisionadas significativas’, nos termos da regulamentação do Banco Central Europeu”, podia ler-se no comunicado divulgado nesse dia.
O Estatuto do Gestor Público tinha sido alterado em janeiro de 2012, pelo Governo de Passos Coelho, para que os salários dos gestores públicos passassem a ser indexados ao vencimento do primeiro-ministro. Havia, no entanto, a possibilidade de exceção para as empresas públicas que atuem no mercado concorrencial; nesses casos, os gestores podiam optar pela remuneração média dos três anos anteriores a terem ingressado na empresa pública.
O atual Governo voltou a alterar o estatuto, acabando com estes limites salariais na CGD e justificando que a medida visava “reforçar o conselho de administração da CGD e dar-lhe a importância devida que tem como banco público“.
A medida contou, de imediato, com a oposição da direita, bem como dos partidos à esquerda do PS. O PCP avançou mesmo com uma proposta para limitar as remunerações dos gestores públicos e privados, indexando-as à do Presidente da República. A proposta foi chumbada por PS e PSD, que já fez saber que vai propor a sua própria alteração ao Estatuto do Gestor Público.
As nomeações e os rejeitados
A construção da equipa de administração da CGD também não foi fácil. O modelo inicialmente proposto pelo Governo previa que deixavam de existir os cargos de chairman e CEO (António Domingues assumiria os dois) e que a administração seria composta por 19 administradores (sete executivos e 12 não executivos, sendo estes últimos responsáveis pelo controlo da gestão executiva).
Contudo, o Banco Central Europeu chumbou dois pontos desta proposta. Primeiro, só aprovou 11 nomes propostos para o Conselho de Administração. Os restantes oito (todos não executivos), foram chumbados por excederem o limite ao número de funções desempenhadas em órgãos sociais de outras sociedades.
Entre os reprovados, estavam, por exemplo, Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, e Carlos Tavares, presidente do grupo PSA Peugeot Citroën.
O regulador da banca europeia impôs ainda que António Domingues, que é presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva, só poderá acumular estes dois cargos por um período de seis meses. O Governo vai usar esse período para debater a questão com o BCE, até porque a acumulação dos dois cargos foi uma das condições impostas para aceitar o convite para liderar a Caixa.
Seja como for, e tendo em conta que Domingues quer uma posição de controlo na parte executiva do banco, deverá assumir o cargo de presidente executivo quando o prazo de seis meses terminar, o que significa que, até fevereiro, o Governo tem de encontrar um novo nome para assumir o cargo de chairman da CGD.
A(s) auditoria(s)
Há três auditorias em causa. Uma, interna, conduzida pelo próprio António Domingues, com a ajuda da McKinsey e da sociedade de advogados Campos Ferreira, Sá Carneiro e Associados. Outra, externa, conduzida pela Deloitte, para apurar as reais necessidades de capital do banco público. E a última, também externa que será pedida pelo Governo à administração da CGD, quando a Deloitte acabar o seu trabalho.
A primeira arrancou ainda antes de António Domingues tomar posse como presidente da Caixa e implicou a elaboração do plano de recapitalização do banco público, que foi entregue a Bruxelas. Neste caso, a polémica rodava em torno da ajuda que a consultora McKinsey estava a dar a esta auditoria — e da dúvida sobre quem tinha pedido essa ajuda e quem pagaria à consultora.
A 27 de setembro, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, Domingues esclareceu a dúvida: “A escolha [da McKinsey] foi minha e resultou da minha avaliação do que seria preciso para negociar com Bruxelas”, disse, detalhando que avisou o Banco Central Europeu, a Direção-Geral da Concorrência, o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças desta decisão.
Quanto ao pagamento da fatura, o presidente da Caixa referiu que, em agosto, escreveu ao ministro das Finanças, defendendo que o pagamento deveria ser feito pela própria CGD, uma vez que a McKinsey ajudou a que o plano passasse em Bruxelas. “Se houver dificuldade” em pagar aos consultores, “eu pagarei”, assegurou António Domingues aos deputados.
Sobre a auditoria independente à gestão dos últimos 16 anos: numa resolução do Conselho de Ministros de 23 de junho, o Governo refere que vai incumbir a nova administração da CGD de realizar uma auditoria independente à gestão que foi feita na CGD entre 2000 e 2016. No entanto, durante a CPI, António Domingues disse que ainda não foi “formalmente incumbido de fazer essa auditoria”.
O Governo esclareceu pouco depois que essa auditoria “será solicitada posteriormente“. Quando? Depois de apuradas e aprovadas as necessidades de capitalização da Caixa. Esse apuramento já está em curso e é a Deloitte quem está a conduzi-lo.
A recapitalização
O plano de recapitalização esboçado por António Domingues e pela McKinsey determina que o banco tem necessidades de capital entre os dois mil milhões e os 5,1 mil milhões de euros.
Para já, o Estado está autorizado pela Comissão Europeia a realizar um aumento de capital até 2.700 milhões de euros, a transferir para a CGD as ações da ParCaixa no valor de 500 milhões de euros e a converter em ações 900 milhões de euros de instrumentos de capital contingentes subscritos pelo Estado (os chamados CoCos).
A CGD deverá ainda realizar uma emissão de instrumentos de dívida subordinada, de cerca de mil milhões de euros, com o objetivo de cumprir os rácios de capital exigidos pelos reguladores. Esta emissão será feita junto de investidores privados e não será convertível em ações da CGD.
Contudo, o BCE já fez saber que os 5,1 mil milhões pretendidos por António Domingues ficam acima das reais necessidades da Caixa, considerando mesmo “irrealista” o plano já desenhado, que implica a saída de 2.600 trabalhadores. A Direção Geral da Concorrência Europeia, por seu lado, sublinha que não vai autorizar uma recapitalização que não respeite as leis do mercado.
Os salários, as pensões e as ações
Foi, provavelmente, a polémica que já fez correr mais tinta: os salários da equipa de administração da Caixa. Quando Mário Centeno anunciou que António Domingues iria ganhar 423 mil euros por ano, as críticas não demoraram a chegar. O ministro das Finanças justificou que a intenção do Governo é que os salários dos gestores da Caixa correspondam “à mediana do setor em Portugal”.
"O salário milionário dos administradores é pura e simplesmente inaceitável.”
Mas o argumento não pegou, quer à direita, quer à esquerda. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, já deixou mesmo claro que “a Assembleia da República será confrontada novamente” com o tema do “salário milionário dos administradores”, que “é pura e simplesmente inaceitável”.
Como se não bastasse, Domingues vai poder acumular o salário da CGD e a pensão do BPI, onde foi membro do conselho de administração até 30 de junho de 2016, quando renunciou ao cargo. O Estatuto do Gestor Público prevê que quem desempenha cargos públicos não pode acumular salário e pensão (paga por entidades públicas), estando mesmo obrigado a optar pelo salário e a abdicar da pensão (antes, podia escolher a remuneração mais elevada).
Só que, uma vez que o BPI é uma instituição privada, esta regra não se aplica a António Domingues, que vai receber, a partir de janeiro, uma reforma pelos 27 anos em que desempenhou funções no BPI.
A juntar a isso está ainda o facto de António Domingues ter saído do BPI com 56 mil ações, no valor de 62 mil euros. Além disso, recebeu, em 2015, opções no valor de 233 mil euros, que só poderão ser exercidas após 10 de julho de 2018 — altura em que, se tudo correr como previsto, estará a cumprir mandato como presidente do conselho de administração da CGD.
As (des)obrigações de informação
Marques Mendes levantou a questão no domingo, o Governo respondeu na terça-feira: António Domingues só tem de prestar contas ao Governo.
No seu comentário semanal na SIC, Marques Mendes referiu que “o Governo desobrigou os gestores da Caixa” de três exigências feitas aos gestores públicos: declarar os rendimentos ao Tribunal Constitucional; declarar eventuais incompatibilidade e impedimentos à Procuradoria-Geral da República; e declarar eventuais participações que detenham em qualquer empresa à Inspeção Geral de Finanças.
"A ideia é a CGD ser tratada como qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público.”
O antigo líder do PSD salientou que “todos” os gestores públicos estão obrigados a prestar estas informações, exceto “António Domingues e a restante equipa que escolheu”, uma situação que considera grave. “Ou isto é um lapso e tem de ser corrigido, ou isto é intencional e é gravíssimo”.
Na terça-feira, o Governo esclareceu: não foi lapso. “A ideia é a CGD ser tratada como qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas. Não foi lapso. O escrutínio já é feito”, disse fonte oficial do Ministério das Finanças.
Entretanto, esta quarta-feira, o Diário de Notícias dá conta de uma lei de 1983 relativa ao controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos. A lei prevê duas situações em que os gestores são obrigados a declarar rendimentos: “são considerados titulares de altos cargos públicos os gestores públicos” e “os titulares de órgãos de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este”. Ou seja, mesmo não sendo já abrangidos pelo Estatuto do Gestor Público, graças às alterações aprovadas pelo Governo, os administradores da CGD são titulares de órgãos de gestão de uma empresa totalmente controlada pelo Estado, pelo que terão de prestar contas ao Tribunal Constitucional.
A informação privilegiada
Tem sido uma das questões mais criticadas, mas, na verdade, já foi esclarecida há um mês. A 27 de setembro, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, António Domingues explicou aos deputados como foi elaborado o plano de reestruturação do banco. Mas, quase um mês depois, Pedro Passos Coelho decidiu voltar a lançar suspeitas sobre a preparação desse plano e sobre as informações a que Domingues terá tido, ou não, acesso.
"A mesma pessoa que não era administrador da Caixa (…) acedeu a toda a informação privilegiada da CGD quando não tinha ainda responsabilidade nessa administração.”
Em entrevista ao Público, o líder social-democrata criticou o Governo por ter proposto fazer um processo de reestruturação da CGD “preparado por quem nem era ainda administrador do banco”, insinuando que António Domingues terá tido acesso a informação privilegiada.
“A mesma pessoa que não era administrador da Caixa e tinha condicionado até a decisão de aceitar ser presidente à solução que se encontrasse em Bruxelas para a recapitalização, acedeu a toda a informação privilegiada da CGD quando não tinha ainda qualquer responsabilidade formal nessa administração”, disse Passos Coelho.
"Todas as informações que recolhi estavam nos relatórios e contras e outros documentos divulgados publicamente pela CGD.”
Domingues respondeu, também ao Público: “Começa por não ser verdade, como já referi, que tenha tido acesso a informação privilegiada. Quem se der ao trabalho de ler e entender os Relatórios e Contas da CGD, fica a saber tudo aquilo que há a saber. Dito isto, naturalmente que as respostas a perguntas da Comissão Parlamentar de Inquérito relativas ao período já sob a minha responsabilidade foram também circunscritas, como inquestionavelmente é meu dever, pelo escrupuloso cumprimento das obrigações legais da instituição, que desejavelmente deveriam ser conhecidas e respeitadas por todos”, escreveu António Domingues.
A 27 de setembro, as respostas às perguntas da CPI tinham sido estas: “O plano foi feito sem acesso a informações confidenciais, todas as informações que recolhi estavam nos relatórios e contas e outros documentos divulgados publicamente pela CGD, tendo ainda pedido alguns esclarecimentos pontuais através do acionista”.
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