Marinha navega em meios envelhecidos e sem verbas para manutenções programadas
Macieira Fragoso, que termina funções na sexta-feira, admitiu que gostaria de ter sido "avisado mais cedo" de que não seria reconduzido no cargo, para que a transição se fizesse com "mais serenidade".
O chefe do Estado-Maior da Armada alertou que a Marinha navega com meios envelhecidos e não tem verbas para as manutenções programadas, face aos sucessivos “orçamentos abaixo das necessidades”. Macieira Fragoso, que termina funções na sexta-feira, admitiu que gostaria de ter sido “avisado mais cedo” de que não seria reconduzido no cargo, para que a transição se fizesse com “mais serenidade”. O vice-almirante Silva Ribeiro, atual diretor-geral da Autoridade Marítima Nacional, deverá substituí-lo, segundo avançou o Diário de Notícias esta semana.
O orçamento destinado à Marinha em 2017, de 377 milhões de euros, “vai ser mais do mesmo, extremamente restritivo“, disse, em entrevista à Agência Lusa, Luís Macieira Fragoso, que termina sexta-feira o mandato como chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Macieira Fragoso advertiu que quando os orçamentos ficam “abaixo das necessidades” para além de um ou dois anos, e “já vai em seis anos”, começa a haver “consequências muito negativas”, a começar pela manutenção, afetando a capacidade operacional.
“Os navios precisam de uma manutenção planeada, precisam de ser regularmente tratados e o facto de não termos financiamento leva-nos apenas, naquela agilização face aos recursos, a aprontar navios [para as missões], o que é um bocadinho diferente de manter navios”, disse.
No esforço de renovação da frota, “muito envelhecida”, disse, dos quatro patrulhas de fiscalização costeira comprados à marinha dinamarquesa em 2014, apenas um, o NRP Tejo, já foi modificado para as necessidades portuguesas e está a terminar o seu treino operacional, entrando em breve em missão.
O programa de modernização dos restantes “está atrasado”, disse, porque “os fundos pensados e planeados têm vindo a ser libertados de forma mais lenta” do que o desejável.
Depois de falhado o projeto para a compra de um navio polivalente logístico, Macieira Fragoso insiste que este tipo de meio “faz uma falta terrível” ao país, não só em termos militares mas na componente de apoio à população, no caso, por exemplo, de ser necessária uma operação de maior dimensão de resgate de cidadãos portugueses. Neste momento, Portugal está a esse nível “dependente” de meios de outros países.
Macieira Fragoso destacou também o programa de revisão dos submarinos e a construção de dois navios patrulha oceânica, frisando esperar “vivamente que haja já outro contrato para um segundo par de navios”.
“Uma coisa que me deixa um sabor mais amargo é não ter conseguido ter os navios patrulha costeiros [os navios comprados à Dinamarca] já todos prontos, era um dos meus objetivos, tê-los no fim deste ano todos a navegar, não consegui. Temos de lutar sempre, fazer o nosso melhor. Saio de consciência tranquila porque fiz tudo aquilo que sabia”, disse o CEMA, que é também por inerência o titular máximo da Autoridade Marítima Nacional.
“Num tempo em que tanto se fala do mar e do desígnio nacional que é o mar, a soberania sobre esse mar é absolutamente fundamental que se exerça e por isso precisamos de mais e melhores navios”, justificou.
Marinha perdeu 45% do pessoal em 20 anos
No balanço dos três anos de mandato, Macieira Fragoso destacou a “reestruturação” ao nível dos efetivos, que atingiu sobretudo o Corpo de Fuzileiros, mas que foi transversal nas estruturas do ramo, visando torná-las mais “flexíveis e ágeis”. No entanto, a redução de pessoal já vem do passado, frisou: em 20 anos, a Marinha perdeu 45% do pessoal.
A Marinha conta hoje com cerca de 7920 militares, 1008 militarizados e 1178 civis, segundo dados fornecidos pelo ramo.
Atualmente, o ramo não vai poder reduzir mais, disse Macieira Fragoso, até porque enfrenta já dificuldades em constituir e substituir guarnições, em algumas especialidades, sobretudo na categoria de praças.
“Isso leva a que haja nessas especialidades militares que têm dificuldade em desembarcar. Portanto, saem de um navio, vão para outro e vão para outro e isso é um esforço muito grande porque acabam por estar sempre com grau de disponibilidade para estar fora e com pouco apoio para as famílias”, disse.
O almirante CEMA revelou que “há uma redução significativa no interesse dos jovens em concorrer para a categoria de Praças da Marinha”, um fenómeno que disse ser transversal a todos os ramos e que está a ser estudado a nível superior.
Dados relativos a 2016 indicam que no curso de formação básica de Praças houve 118 incorporações em 420 vagas. No curso de formação de praças dos Fuzileiros ficaram incorporados 109 militares em 500 vagas. Até ao final do ano decorre um concurso para tentar incorporar mais 240 Praças. Apenas no curso de mergulhador na categoria de Praças foram preenchidas todas as vagas – cinco.
Na Marinha, já há muito tempo que a formação técnico-profissional obtida “é reconhecida pelos critérios da formação civil” no catálogo das qualificações, disse, admitindo ser necessário mais esforço de divulgação.
Defensor do modelo atual da Autoridade Marítima Nacional, que está na dependência da Marinha para o cumprimento das suas atribuições, Macieira Fragoso considerou que se houvesse uma separação total seria rapidamente criada “outra Marinha”. O modelo atual “permite poupar muitos recursos” e evitar “duplicações de meios”, frisou.
Aos que alegam que o atual modelo é inconstitucional, invocando uma alegada mistura das esferas de segurança interna e de defesa nacional, Macieira Fragoso respondeu que nunca algum tribunal levantou a questão e que nem o Presidente da República, constitucionalista, mostrou alguma vez preocupar-se com isso.
“O que não pode ser admissível e nunca transigiria com isso é que essas ideias tenham a ver mais com interesses pessoais, sejam eles de poder sejam eles interesses de carreira. Isso não é aceitável, devemos olhar ao interesse coletivo”, afirmou.
Chefe da Armada gostaria de ter sido “avisado mais cedo” de substituição
O chefe do Estado-Maior da Armada, Macieira Fragoso, admitiu que gostaria de ter sido “avisado mais cedo” de que não seria reconduzido no cargo, para que a transição se fizesse com “mais serenidade”.
“Não posso dizer que tenha sido surpreendido. Que gostaria de ter sido avisado mais cedo, isso posso dizê-lo”, afirmou Macieira Fragoso, em entrevista à Lusa, a propósito do final do mandato, que iniciou em 9 de dezembro de 2013.
Sem esconder algum desagrado pela forma como o processo de substituição está a decorrer, o chefe do Estado-Maior da Armada defendeu que teria sido “mais vantajoso” haver tranquilidade no processo de transição.
“Claro que é sempre vantajoso que estes processos se façam com mais tranquilidade para que a transição se faça com mais serenidade e também seria bom saber quem é o meu substituto com mais antecedência porque isso cria especulações, não é? É muito negativo para a Marinha, e julgo que para qualquer ramo das Forças Armadas, ver sistematicamente nos jornais notícias especulativas sobre quem vai ser, quem vai deixar de ser, o que se repercute de alguma maneira nas pessoas mas sobretudo nas instituições, o que não é nada vantajoso”, afirmou.
Segundo avançou na terça-feira o DN, o Governo irá indicar o vice-almirante Silva Ribeiro, atual diretor-geral da Autoridade Marítima Nacional, para suceder a Macieira Fragoso. Contactado pela Lusa, o ministério da Defesa não confirmou mas também não desmentiu a notícia.
Questionado se este processo de substituição gerou alguma instabilidade na Marinha, Macieira Fragoso afirmou: “Não posso dizer isso, mas é negativo para as Forças Armadas manter um ambiente que possa ser especulativo”.
O CEMA, que “foi avisado” de que não seria reconduzido no passado dia 22 de novembro numa reunião no Ministério da Defesa Nacional, disse que não recebeu a decisão com surpresa pelo facto de, em termos legais, a substituição ser sempre uma possibilidade, interpretando a decisão “do poder político” como “uma avaliação política em relação a uma situação que poderia ter outros desenvolvimentos”.
Macieira Fragoso disse que nenhuma explicação foi avançada pelo Governo e que também desconhece os critérios mas frisou que nem teria de ser dada: “O poder político legítimo assume e não tem que ser dada uma explicação. Foi naturalmente uma ponderação feita. Os fatores tidos em conta, não sei quais são, mas [a ponderação] foi certamente aquela que foi considerada a melhor”.
Questionado sobre se espera que seja entregue à Marinha a chefia do Estado-Maior das Forças Armadas quando o general Pina Monteiro [Exército] terminar o mandato, em fevereiro, Macieira Fragoso considerou “muito importante” o princípio da rotatividade dos ramos na chefia do EMGFA.
“Obviamente que é muito importante que haja rotatividade, agora ‘o como e o quando’ isso é um julgamento que já não me compete”, disse, considerando que a rotatividade dos ramos militares na chefia do Estado-Maior General é uma garantia de isenção face aos ramos.
“Por muito isento que seja o CEMGFA, em relação aos outros ramos que não os seus de origem, tem a sua matriz. Se fosse CEMGFA não deixava de pensar como Marinha, como oficial de Marinha e portanto é muito vantajoso que haja essa rotatividade. Já estive num cargo conjunto, fui diretor do Instituto de Estudos Superiores Militares [atual Instituto Universitário Militar] e senti essa importância de haver gente a pensar de forma um pouco diferente e que permita colorir o pensamento e as decisões de uma forma um bocadinho diferente”, considerou.
Há três anos, segundo o princípio da rotatividade, a chefia do EMGFA deveria ter sido entregue à Marinha, mas o Governo optou por escolher o general Pina Monteiro, oriundo do Exército.
O processo de designação dos chefes militares está regulado na Lei de Bases de Organização das Forças Armadas, prevendo que são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo.
Os chefes do Estado-Maior dos ramos são nomeados por um período de três anos, prorrogável por dois anos, sem prejuízo da faculdade de exoneração a todo o tempo e da exoneração por limite de idade.
A lei prevê que “sempre que possível, deve o Governo iniciar o processo de nomeação dos Chefes de Estado-Maior dos ramos pelo menos um mês antes da vacatura do cargo, por forma a permitir neste momento a substituição imediata do respetivo titular”.
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