Brent vai pressionar exportadoras portuguesas em 2017

A competitividade das exportadoras nacionais inverteu o sentido positivo no segundo semestre de 2016. A culpa é do petróleo. Subida de preço do ouro negro vai obrigá-las a fazer ajustamentos.

“O aumento do preço dos combustíveis está a ser suportado por nós. Temos 500 camiões e estas subidas têm um grande impacto na nossa empresa”, reconhece o diretor-geral da Laso Transportes ao ECO. Rui Miguel Silva admite que pode haver um “pequeno ajustamento junto de alguns novos clientes”, mas na maior parte dos casos não o vai fazer. Porquê? “Primeiro, porque muitos não tem capacidade para o suportar e, segundo, porque em muitos casos estamos a falar de contratos assinados e que não preveem estas alterações”, explica o responsável desta empresa de transportes especiais.

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Este é apenas um exemplo das muitas exportadoras nacionais cuja vantagem competitiva está a ser posta em causa devido à evolução dos preços do brent. Ou seja, os preços das exportações portuguesas estão a ficar menos competitivos face à evolução dos preços das importações de Portugal. Mas a culpa não é só do petróleo.

Coloque a política monetária, o euro, o dólar, o petróleo e a inflação numa liquidificadora e, voilá, tem como resultado a evolução dos preços dos bens. Não é assim tão simples, mas a metáfora pode ajudá-lo a perceber a interação que o INE passou a traduzir nos termos de troca no Índices de Valor Unitário do comércio internacional de bens. Excluiu-se, portanto, o comércio internacional de serviços.

O objetivo é avaliar a performance de vantagem ou desvantagem em Portugal face ao exterior relativamente às trocas comerciais. “Quando os termos de troca são positivos, significa que o preço dos bens exportados é superior ao dos importados e quando são negativos, o preço dos bens importados é superior ao dos bens exportados”, esclarece o INE ao ECO. Os índices calculados traduzem variações relativamente ao mesmo trimestre do ano anterior. Além disso, o INE acrescenta que “é importante referir que, tratando-se de índices de valores unitários e não de índices de preços efetivos, a sua variação reflete, além da variação de preços, efeitos da alteração da composição e de qualidade dos bens considerados”.

O aumento do preço dos combustíveis está a ser suportado por nós. Temos 500 camiões e estas subidas têm um grande impacto na nossa empresa.

Rui Miguel Silva

Diretor-geral da Laso Transportes

“Se há uma evolução positiva dos termos de troca isso quer dizer que o comportamento do preço das exportações foi relativamente melhor do que o comportamento do preço das importações”, exemplifica Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, ao ECO. No fim de contas, é o “contributo para a formação de riqueza” no país e, por isso, aquilo que é distribuído pela economia portuguesa.

De forma simplificada, esta é a taxa de variação do preço relativo das exportações em termos das importações. “Nos últimos dois anos, desde 2014, o impacto da queda do preço do petróleo teve um efeito muito positivo na melhoria dos termos de troca”, recorda a economista. No terceiro trimestre de 2016 a tendência mudou: pela primeira vez em mais de dois anos, os preços das exportações estão a cair mais, em comparação homóloga, do que os preços das importações.

Termos de troca deixam de ser positivos

“Os resultados apurados mostram (ver gráfico em baixo) que, após um período relativamente prolongado de ganhos de termos de troca, se poderá estar a alterar esta tendência, verificando-se que, do segundo para o terceiro trimestre se passou de ganhos para perda de termos de troca”, lê-se no primeiro destaque onde estes indicadores foram divulgados pelo INE. A informação consta das Estatísticas do Comércio Internacional relativas a outubro e também nas de novembro. A taxa de variação total das exportações no terceiro trimestre é de -3,9% e a das importações -3,4%.

Fonte: INE
Fonte: INE

A diferença ainda é ligeira e os seus efeitos na economia real podem demorar a fazer-se sentir, mas prevê-se que a tendência continue. “O petróleo vai pesar negativamente nos termos de troca de Portugal porque continua-se muito dependente das importações do petróleo”, prevê Paula Carvalho. A principal mudança verificou-se exatamente na variação homóloga do lado das importações, com uma subida repentina. A que se deve? A diminuição do preço do petróleo bruto e gás natural, face ao preço homólogo, perdeu força: passou de -38,3% no segundo trimestre para -16,8% no terceiro trimestre (no trimestre homólogo foi de -38,3%).

Além disso, Paula Carvalho alerta que esta evolução “não significa que os termos de troca sejam negativos no futuro”. Porquê? “Isso depende de todo um conjunto de fatores tal como a capacidade dos exportadores portugueses de aumentarem o valor das suas exportações (aumento dos preços dos bens exportados)”, explica, referindo ainda a evolução da inflação e a influência cambial.

No entanto, será crucial observar quais vão ser os resultados dos termos de troca no quarto trimestre de 2016 para perceber se a tendência vai manter-se. Ao confirmar-se que a inversão da tendência é para ficar, as exportadoras portuguesas vão deixar de ter essa vantagem competitiva, o que é desfavorável para os seus lucros e, por isso, também para a criação de riqueza, ou seja, em última análise, para o PIB nacional.

O petróleo vai pesar negativamente nos termos de troca de Portugal porque continua-se muito dependente das importações do petróleo.

Paula Carvalho

Economista-chefe do BPI

Além disso, a balança comercial pode vir a ser afetada negativamente, não sendo certo apenas porque dependerá da evolução do volume de exportações e importações em 2017. Como exemplo é relevante dizer-se que a correção da balança comercial que levou ao maior excedente comercial de sempre em Portugal aconteceu por causa da diminuição drástica do preço do petróleo desde o início de 2014.

As exportadoras já sentiram a tendência nos termos de troca?

A resposta é não. As empresas consultadas pelo ECO ainda não sofreram o impacto imediato, mas algumas preveem ajustamentos no futuro. Em causa está essencialmente a evolução do preço do barril de brent em 2017. Além disso, a política monetária dos dois lados do Atlântico pode mexer nas divisas. Caso o euro chegue à paridade com o dólar, isso vai refletir-se na generalidade de forma positiva, consoante a empresa, na fatura das exportadoras portuguesas.

Além disso, o crescimento económico dentro da União Europeia tem vindo a acelerar e, tendo em conta que o mercado intra-UE é o mais importante para as exportações de Portugal, prevê-se um efeito positivo desta variável. Por fim, uma incógnita: a inflação. Será que vai chegar perto dos 2% mais rápido do que o BCE prevê? Há quem alerte para as bolhas que o quantatitive easing está a criar e anunciam uma subida em flecha da inflação na Europa como um dos perigos, o que afetaria certamente o comércio internacional de bens em todo o lado.

Estes efeitos também não são imediatos. Por exemplo, a subida do brent “ainda é relativamente recente” para ter impactos rápidos nas contas das empresas, tal como acontece na Arch Valadares. Ao ECO, o diretor-geral da empresa explica que “o petróleo tem impacto no índice de custo da energia que calcula o preço do gás e eletricidade da ARCH” uma vez que aderiram “a um contrato que ajusta preços por tarifa variável”.

Arch Valadares
Arch Valadares

Por isso, Henrique Barros prevê que só em abril e maio haja esse acerto. “A manter-se a cotação atual, tal terá de refletir um aumento entre os dois e 4% nos preços dos nossos artigos”, adianta ao ECO. Um efeito mais direto acontece na petrolífera nacional. Em resposta ao ECO, a Galp esclarece que reflete de imediato no preço dos combustíveis as variações que se verificam no preço do brent.

Já a metalomecânica Frezite explica que o impacto da subida do petróleo tem sido amenizado dado o “ajustamento do euro face ao dólar”. “O que constatamos é que as exportações estão com um comportamento positivo e nota-se cada vez maior procura sobretudo naqueles países que trabalham com o dólar”, adianta o presidente da empresa, ao ECO. José Manuel Fernandes acrescenta até que é na Alemanha que o comportamento positivo das exportações “é bem evidente, em linha com os indicadores daquele país nos últimos dois meses”.

Vai ser o fim das viagens low cost?

Um dos negócios mais afetados diretamente pela evolução do petróleo é o da aviação. “A festa das passagens aéreas baratas está prestes a acabar” – era este o título de uma reportagem da Bloomberg, publicada em outubro de 2016. Nessa altura já estava tudo a alinhar-se para que os preços fossem crescer (ou a margem de lucro descer) num futuro próximo assim que a torneira do combustível barato fechasse. E essa tendência materializou-se com o acordo da OPEP para o corte da produção do petróleo, alargado a países fora do cartel, e a subida em flecha do preço do barril.

A mesma ideia já tinha sido explorada em junho pela agência de notícias, refletindo uma pressão global nas empresas de aviação em 2017. “Aproveite as passagens aéreas baratas de verão. Terá de pagar mais no próximo ano”, anunciava o artigo, que relata que as empresas norte-americanas estão a sofrer com as descidas sucessivas dos lucros. O efeito do petróleo, anuncia, será o corte de rotas e o ajuste agressivo da oferta à procura para que os preços subam. Apesar disso, o presidente da Delta Airlines, Glen Hauenstein, referiu à Bloomberg que o impacto da subida do petróleo nos preços costuma demorar nove meses a sentir-se.

Contudo, as notícias recentes das estratégias das empresas de aviação mostram o contrário. A TAP criou uma versão low cost, a Fly Tap, em 2016, e vai lançar seis rotas este ano. Já a irlandesa Ryanair vai lançar 13 novas rotas no verão e a britânica Easyjet é menos megalómana nos planos, mas também vai reforçar rotas. E continuam a haver promoções atrás de promoções, para encher os aviões, tal como esta última: a companhia aérea islandesa WOW Air vai voar por menos de 70 euros da Europa para os EUA já este mês.

O último relatório da IATA (The International Air Transport Association) sobre as perspetivas de lucros para o próximo ano, publicado a 8 de dezembro de 2016, é otimista: “Mesmo que as condições de 2017 sejam mais difíceis, com o aumento dos preços do petróleo, prevemos receitas de 29,8 mil milhões de dólares para a indústria. Isso é um pouso bastante macio e seguro no território dos lucros. Esses três anos tiveram o melhor desempenho na história da indústria, independentemente das muitas incertezas que enfrentamos”.

No entanto, os analistas da IATA admitem que “os riscos são abundantes – políticos, económicos, e de ordem de segurança, entre outros. E o controlo dos custos ainda é uma batalha constante em nossa indústria hipercompetitiva”, disse Alexandre de Juniac, diretor-geral e CEO da IATA. “A previsão de preços do petróleo mais altos terá o maior impacto sobre nas previsões de 2017”, lê-se no documento.

Em 2016, os preços do petróleo foram em média 44,6 dólares por barril (Brent) e isso é previsto para aumentar até 55 dólares em 2017″, prevê o relatório. Assim, a IATA prevê que “os preços do combustível (jet fuel) subam de 52,10 dólares por barril (2016) para 64.90 dólares por barril (2017). O combustível deve representar 18,7% da estrutura de custos da indústria em 2017, o que está significativamente abaixo do pico recente de 33,2% em 2012-2013″, esclarece o documento.

A IATA prevê ainda que haja uma desaceleração do crescimento do tráfego. A Europa será dos continentes mais afetados, uma vez que a “região é sujeita à concorrência intensa e prejudicada por custos altos, regulamentos onerosos e impostos pesados. E as ameaças do terrorismo continuam como risco real, mesmo que a confiança comece a voltar, depois dos eventos trágicos dos últimos tempos”. A previsão é que os lucros líquidos baixem de 2016 para 2017.

O traço do petróleo em 2017

100 dólares por barril? Sim, mas depende do xisto. Esse valor foi atingido em setembro de 2014, mas desde então perdeu valor, recuperando na reta final de 2016. O barril está, neste momento, a negociar acima dos 50 dólares, mas chegou a negociar pouco acima dos 20 dólares. Ao ECO, o presidente da petrolífera portuguesa Partex referiu que “o regresso do petróleo aos 100 dólares será muito difícil nos próximos tempos, diria na próxima década”. Em causa está a produção de petróleo de xisto nos EUA que manterá sempre uma maior produção no mercado, face ao que existia anteriormente.

O contrato de futuros de 100 dólares para dezembro de 2018, ou seja, um contrato que permite comprar um barril da matéria-prima a esse valor dentro de dois anos, tem sido muito transacionado no mercado. Não quer dizer que esse valor seja efetivamente alcançado, mas é revelador do otimismo dos investidores numa escalada dos preços da matéria-prima. Além disso, a média da Bloomberg para o preço do brent até 2020 mantém-se sempre acima dos 55 dólares.

Quando o euro for igual ao dólar

Nos Estados Unidos da América a taxa de juro já subiu, em dezembro de 2016, e a previsão é de pelo menos mais três subidas em 2017. Na Europa, o Banco Central Europeu (BCE) está gradualmente a retirar a injeção de estímulos, nomeadamente o programa de compra de dívida soberana, mas nada que pare o euro de continuar a tocar em mínimos. Já o dólar tem valorizado com a mudança da política monetária da Fed e a previsão da intensificação do protecionismo de Donald Trump.

A paridade já não é, por isso, uma miragem. Mas também não é uma certeza. A “possibilidade de o euro atingir a paridade com o dólar é mais remota do que parece, devido ao excedente de balança comercial da zona euro, que se deve, em larga medida, à Alemanha”, afirmou Steven Santos, gestor do BiG, ao ECO. Ainda que alguns dos maiores bancos de investimentos internacionais preveja um euro abaixo do dólar, o consenso também aponta para que a moeda única continue acima da paridade.

Se isso acontecer, há quem perca, mas na generalidade as exportadoras portuguesas ficam a ganhar, principalmente nos mercados fora da União Europeia. É o caso da Galp Energia que pode beneficiar deste movimento cambial pela componente de exportação. A petrolífera envia para o exterior uma parte dos produtos refinados em Sines. No entanto, essa vantagem pode ser descompensada por um impacto negativo na sua rentabilidade: a Galp produz petróleo noutros continentes com contratos denominados em dólares americanos e vende os seus produtos refinados na Europa.

Exportadoras portuguesas de bens mais otimistas com 2017 do que 2016

Apesar dos constrangimentos externos e a incerteza política e económica, as empresas portuguesas estão otimistas relativamente à evolução das exportações de bens em 2017: estimam que o crescimento nominal (não desconta o efeito da evolução dos preços) será de 5,3%, segundo os dados divulgados pelo INE esta terça-feira. Estas perspetivas referem-se a variações nominais, ou seja, traduzem o efeito combinado das variações esperadas de preços e de quantidades.

É de referir que a perspetiva de crescimento anual das exportações de bens, excluindo os combustíveis, é inferior: 4,5%. Ou seja, as exportadoras em Portugal contam com um efeito mais positivo dos combustíveis nas suas exportações de bens em 2017, dada a previsão do aumento do preço do petróleo. O mercado fora da UE será onde os empresários esperam maior crescimento.

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