Like & Dislike: uma mentira em papel timbrado
A semana não correu bem ao Presidente da República. Colou-se excessivamente ao Governo. Na Caixa, nos juros e no défice.
Para um presidente da República é fácil e politicamente confortável colar-se a um Governo apoiado por um partido que está bem nas sondagens como é o caso do PS. Foi assim no passado, e será assim no futuro. Ainda todos se lembram como começou a “cooperação estratégica” entre José Sócrates e Cavaco Silva. E todos se lembram como terminou.
Tal como o próprio Marcelo já disse no passado, “o poder é passageiro, relativo e contingente”. E se o diabo der à costa, o país vai precisar de um Presidente suficientemente descolado do Governo para exorcizar o demónio político que anda a ser propalado por Pedro Passos Coelho. E para isso precisa manter uma relação franca e honesta com o PSD, porque Marcelo sabe que no dia que a geringonça falhar, terá de ser a direita a dar a mão a António Costa.
Ao longo da semana Marcelo Rebelo de Sousa entrou em euforia com os sucessos do Governo, e fez uma defesa acérrima e desnecessária quando as coisas correram mal a António Costa.
Percebe-se que os deputados do PSD tiveram ordem para não afrontar e conter as criticas a Marcelo Rebelo de Sousa; é politicamente suicida comprar uma guerra com um presidente com os níveis de popularidade nos píncaros. Mas os excessos de Marcelo hoje poderão ser a sua debilidade amanhã se tiver de lidar com uma situação de instabilidade política.
1. Redução do défice “é em larga medida obra deste Governo”
A semana começa com Marcelo Rebelo de Sousa a comentar os dados da OCDE. Disse que a redução do défice “é obra, há que reconhecer, do Governo anterior, mas é em larga medida obra deste Governo”. Não se percebe e era desnecessária a adjetivação da frase, porque passa a ideia de que a direita “fez qualquer coisinha”, mas que foi a esquerda a fazer realmente o que importa.
Se Marcelo Rebelo de Sousa se referia à redução do défice deste ano, a obra nem sequer é em “larga medida deste Governo”. É mesmo 100%. E com mérito, diga-se. Mas para que o PS conseguisse levar o défice de 3% para 2,3%, foi preciso que antes alguém o tivesse levado dos 11% para os 3%. Provavelmente a intenção do Presidente não foi má, mas a frase foi “em larga medida” infeliz.
2. “Tudo o que seja embaratecer a dívida mais longa nos mercados secundários é bom”
A meio da semana, Portugal foi ao mercado emitir dívida a cinco e a sete anos. Não correu particularmente bem. O país pagou um juro de 3,668% por dívida a sete anos, praticamente o dobro do que tinha aceite pagar há apenas oito meses.
E que comentário mereceu esta colocação de Marcelo Rebelo de Sousa? “Tudo o que seja embaratecer a dívida mais longa nos mercados secundários é bom”.
O presidente até parecia um técnico do IGCP a falar. Elogiou a estratégia de colocar mais dívida a sete anos no mercado primário, emitindo menos do que se espera, o que terá provocado um efeito de arrastamento nos juros a dez anos no mercado secundário. Esta tese de física quântica do mercado da dívida, além de ser questionável, pelos vistos foi sol de pouca dura. Hoje os juros estão a subir novamente. E não é por culpa do Governo, tal como a correção dos juros na quarta-feira não foi nenhuma façanha de António Costa.
3. “Não há nada assinado pelo primeiro-ministro ou pelo ministro das Finanças”
A semana termina mal para o Governo e sobretudo para Mário Centeno, que transformou uma sucessão de omissões, mal-entendidos, e meias-verdades numa grande trapalhada que leva a oposição a pedir a cabeça do ministro e a dizer que “mentiu”.
Nesta troca de acusações entre Governo e oposição, Marcelo Rebelo de Sousa achou novamente que tinha de sair em defesa de António Costa e de Mário Centeno.
“Até encontrar alguma coisa assinada pelo ministro das Finanças que diga uma coisa diferente, para mim o ministro das Finanças tinha a mesma opinião do primeiro-ministro”, disse o Presidente da República.
Esta frase de Marcelo é infeliz e arriscada porque a pronunciou numa altura em que ainda não se conhecem todos os elementos desta história – ainda ontem o seu conselheiro Lobo Xavier avisou na SIC Notícias que ainda poderiam aparecer mais coisas.
Além disso, Marcelo toma as dores do Mário Centeno e praticamente coloca António Domingues, se calhar de uma forma muito injusta, numa espécie de degredo moral.
E quando Marcelo diz que “para mim o ministro das Finanças tinha a mesma opinião do primeiro-ministro”, está a cometer um equívoco. Tanto Mário Centeno, numa entrevista ao DN, como o gabinete do ministério das Finanças, num comunicado enviado ao Público, e as próprias palavras do seu secretário de Estado Mourinho Félix mostram que Centeno não tem (ou pelo menos não tinha) a mesma opinião de António Costa. A não ser que opinião de António Costa seja a de que os gestores da Caixa não tinham de entregar as suas declarações de rendimento e património junto do Tribunal Constitucional.
Mas para Marcelo pelos vistos a mentira ou a verdade têm de ser assinadas, timbradas e reconhecidas em notário. A semana não correu bem a Marcelo e por isso merece um “dislike”.
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