Tudo em aberto: quem vai para o Eliseu?
Cinco candidatos e uma eleição que não para de baralhar para voltar a dar. Com Fillon enfraquecido, Macron a ganhar terreno e Le Pen sempre intimidadora, quem vai ser o novo Presidente francês?
As presidenciais francesas aproximam-se e parece que as surpresas não estão prestes a acabar. A 23 de abril os franceses vão às urnas pela primeira vez e, a 7 de maio, na segunda volta, escolhem quem vai viver para o Eliseu, em Paris. Se a eleição já teve momentos em que parecia decidida, volta a estar tudo em aberto, com François Fillon, o candidato da direita, a sangrar apoiantes por estar envolvido num escândalo de corrupção, o candidato do PS, Benoît Hamon, a cair com cada nova sondagem, e o independente Emmanuel Macron a avançar a olhos vistos. Do lado da extrema-direita, Marine Le Pen mantém a sua base sólida e as hipóteses firmes de passar à segunda volta.
Mas quem são os candidatos à presidência, quais as suas hipóteses, e o que propõem para França?
Jean-Luc Mélenchon: Encostado à esquerda
Já pertenceu ao Partido Socialista (PS) francês, fundou depois o Partido de Esquerda (PG) com o qual se candidatou às presidenciais de 2012 para ficar em quarto lugar, e agora volta a lançar-se à corrida ao Eliseu. Desta feita, Jean-Luc Mélenchon avança “fora do enquadramento partidário”, com um movimento fundado por si há cerca de um ano: o França Insubmissa (FI).
Qual é o projeto do eurodeputado, que se considera socialista republicano, e do seu FI? Como outros candidatos da esquerda, propõe limitar o livre comércio internacional, rejeitando acordos como o CETA, entre a União Europeia e o Canadá, e o TTIP, entre a União Europeia e os Estados Unidos. Pró-europeu, defende porém mudanças profundas na UE, nomeadamente através de alterações nos tratados fundadores que transfiram mais poder para os cidadãos.
Dentro das fronteiras francesas, as propostas de Mélenchon incluem uma maior atenção às energias verdes através da implementação de um projeto de transição energética, para deixar para trás os combustíveis fósseis e o nuclear. Também na agenda? Subida do salário mínimo e uma democracia mais participativa, com recurso mais frequente ao referendo para resolver impasses no Parlamento e a possibilidade de deputados serem retirados da Assembleia se os seus eleitores assim decidirem.
Neste momento, Mélenchon surge nas sondagens próximo da posição que ocupou nas presidenciais de 2012: entre 11% e 12% das intenções de voto. No entanto, pode ainda tornar-se uma peça chave por já ter afirmado estar disposto a aliar-se ao candidato do PS caso haja a possibilidade de uma solução governativa. “Mas há uma condição: a honestidade”, disse ao Le Parisien.
Benoît Hamon: Solução à portuguesa?
Ganhou as primárias do Partido Socialista, após ter passado à segunda volta com o primeiro-ministro de François Hollande, Manuel Valls. Benoît Hamon sempre esteve no PS, começando na juventude, chegando depois a eurodeputado e mais parte da porta-voz do partido. Também foi ministro da Educação e do Ensino Superior sob Hollande. Agora, concorre ao lugar dele, mas tem um grande desafio pela frente: a queda drástica do PS nas sondagens comparativamente às últimas presidenciais.
Hamon surge nas últimas sondagens, como a da última segunda-feira divulgada pela Opinionway-Orpy, muito mais perto de Mélenchon do que de Fillon, o candidato da direita: com 14% das intenções de voto, ainda se mantém no quarto lugar, mas não por uma grande diferença em relação ao quinto classificado. O que pode Hamon fazer para se chegar à frente?
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A plataforma do candidato do PS não é muito distante da de Mélenchon mais à esquerda, embora o último seja mais radical. Ambos procuram uma União Europeia reforçada com mais poder para os cidadãos, embora Mélenchon queira sair da NATO e Hamon não tenha intenções disso. Na questão ecológica estão totalmente de acordo, ambos são a favor da legalização da eutanásia e da canábis, e querem reformas nas leis eleitorais que passem a reconhecer o voto em branco e que tornem a democracia mais participativa. É uma proximidade que arrisca diluí-los um no outro.
Uma “solução portuguesa” que juntaria os socialistas aos partidos mais à esquerda parece estar em cima da mesa: Hamon já estendeu a mão. “Proponho a todos os candidatos destas primárias [do PS] mas também os que se reveem na ecologia política, em especial Jean-Luc Mélenchon e Yannic Jadot [dos Verdes], que pensem apenas nos interesses dos franceses”, afirmou o candidato num discurso perante os apoiantes, citado pelo Le Figaro. “Proporia que constituíssemos juntos uma maioria governamental coerente e durável, para o progresso social, ecológico e democrático”. Mas o caminho ainda é longo: os 11% e 14% do FI e do PS não chegam para vencer.
Emmanuel Macron: Favorito inesperado
Deixou para trás o PS e criou um movimento com as mesmas iniciais do seu nome, o En Marche (EM). É com este movimento que Emmanuel Macron se torna, em várias sondagens, um dos favoritos a ocupar o Eliseu a partir das eleições presidenciais, cuja segunda volta terá lugar a 7 de maio. Os escândalos em que tem estado envolto François Fillon favoreceram o candidato centrista, que numa das últimas sondagens surge com 23% das intenções de voto, à frente de Fillon e pouco atrás de Marine Le Pen. Passando à segunda volta com Le Pen, Macron é tido como o quase certo Presidente francês, podendo mais facilmente do que Fillon, mais conservador, juntar em si os votos da esquerda e da direita que rejeitam Marine Le Pen.
Quais as propostas do jovem candidato? Para a edição francesa da Forbes, são uma conjunção das de François Hollande, “que seria mais audacioso”, e das de François Fillon, “que seria menos brutal”. O candidato tem feito um grande esforço de se posicionar bem no centro, nem um centímetro para a esquerda ou para a direita.
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Sobre a Europa, tem uma visão federalista, com um orçamento europeu comum e um ministro das Finanças da zona euro. Para recuperar o poder de compra dos cidadãos antecipa cortar as taxas sociais suportadas pelos contribuintes, e é contra o rendimento universal. Muitas das reformas que propõe passam pelo aumento da competitividade de França no panorama internacional: aumentar o investimento, incentivar o investimento privado e promete ainda estabilidade fiscal, comprometendo-se a não mudar nenhum imposto mais do que uma vez no mandato de cinco anos.
François Fillon: Dentro ou fora?
Ainda não foi renegado pelo partido: os social-democratas do Les Républicains (LR) mantêm o seu apoio a François Fillon apesar do escândalo que o tem feito cair nas sondagens, embora mantenha um núcleo duro de apoiantes. Com a posição de favorito ao Eliseu em risco, o candidato vê-se a braços com as acusações de que remunerou durante dez anos a mulher por uma posição fictícia de assistente parlamentar. O ECO já esclareceu mais a fundo as acusações que enfrenta Fillon, mas o seu futuro político ainda é turvo: o que se sabe é que sai se for constituído arguido, e que o LR, para já, não dá mostras de o querer fazer sair.
O programa de Fillon é encostado à direita, e o antigo primeiro-ministro tem um projeto de liberalização “intensiva da economia”, que apelida de “radical”: desde logo, pretende baixar o imposto sobre as sociedades de 33,3% para 23%.
Fillon pretende adiar a idade de reforma para os 65 anos, e tem como um dos seus principais projetos a redução do número de funcionários públicos, que garante serem demasiados para as necessidades de França: promete deixar cair 500 mil funcionários públicos no seu primeiro mandato. Quer ainda cortar o subsídio de desemprego em 75% após seis meses e aumentar o IVA.
Falta saber se o programa vai fazer diferença. Em poucas semanas, desde o rebentar das dúvidas à volta dos pagamentos à sua mulher, Penelope Fillon, o candidato caiu vários pontos nas sondagens de intenções de voto, e encontra-se agora em terceiro lugar, atrás de Le Pen e de Macron. Nenhum dos dois principais partidos franceses chegar à segunda volta das eleições presidenciais seria uma demonstração (ainda mais) clara de que os franceses procuram alternativas.
Marine Le Pen: Primeira nas sondagens
A candidata eurocética que co-preside o grupo Europa das Nações e das Liberdades no Parlamento Europeu está lançada para sair vencedora da primeira volta das eleições presidenciais de 23 de abril, embora as sondagens prevejam que seja derrotada na segunda volta, quer contra Fillon, quer contra Macron. Marine Le Pen é a favorita de cerca de 23% dos franceses, que tencionam votar na líder da Frente Nacional para a presidência.
Quais as propostas da candidata da extrema-direita? A plataforma de Le Pen é, acima de tudo, nacionalista, como se torna claro pelo seu material de campanha como o vídeo abaixo. Uma das suas principais propostas é a de referendar, ao estilo do Brexit, a permanência da França na União Europeia.
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A candidata apresentou não menos que 144 compromissos para a França, entre eles a saída do euro, aumento generalizado dos salários mais baixos, “acabar com a imigração descontrolada”, e “instaurar um patriotismo económico” — com o fim das restrições impostas pela União Europeia e restrições nas importações.
Os 144 compromissos têm uma particularidade: uma linguagem cuidada para ser o mais consensual possível, mudando a forma como exprime algumas das propostas mais fraturantes, como o fim do casamento entre pessoas do mesmo sexo e as restrições rígidas que tenciona impor à imigração e à entrada de refugiados no país. A Frente Nacional também deixou de propor o regresso da pena de morte — algo que sugerira para fazer face ao terrorismo. Esta aproximação aos eleitores indecisos envia uma mensagem clara: a Frente Nacional quer sair do seu núcleo duro e conquistar mais franceses. E a queda de Fillon, o único outro candidato firmemente colado à direita, deixa o partido ainda mais confiante.
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