Inflação nos 2%. E os juros da casa vão subir?
Os preços estão a aumentar. A inflação está já na meta do BCE. Chegou aos 2%, mas será suficiente para que os juros comecem a subir? Dificilmente.
Em janeiro subiu para 1,8%. Em fevereiro, a taxa de inflação nos países do euro voltou a acelerar chegando aos 2% — há quatro anos que não atingia este nível. Alcançou a meta do Banco Central Europeu (BCE), mas será suficiente para abrir a porta à inversão da política monetária expansionista de Mario Draghi? Apesar de todas as pressões para que os juros comecem a subir, dificilmente o presidente do BCE cederá. As famílias portuguesas podem, para já, respirar de alívio.
Com a subida da taxa para os 2% “há uma maior pressão da Alemanha a esse respeito [a inversão da política do BCE], cujos aforradores não querem continuar a perder com as taxas reais das poupanças, mas também em resultado dos receios de que a inflação possa ficar fora de controlo”, nota Filipe Garcia. Mas o “BCE deverá considerar prematuro retirar os estímulos monetários“, diz o economista da Informação de Mercados Financeiros (IMF) ao ECO.
"BCE deverá considerar prematuro retirar os estímulos monetários.”
Este aumento de preços é expressivo, alcançando o objetivo do BCE de uma taxa de inflação próxima, mas abaixo, dos 2%, sendo que a explicação para esta evolução está, essencialmente, nos custos com a energia. Registaram a maior subida homóloga em fevereiro (9,2%, face a 8,1% em janeiro), seguindo-se os da alimentação, álcool e tabaco (2,5%, face a 1,8% de janeiro), de acordo com o Eurostat. Um efeito que poderá esbater-se em breve.
Inflação sobe. Mas a “core” não
“O efeito dos preços da energia deve esbater-se no segundo semestre se o petróleo continuar estável em torno dos 50 dólares”, nota Paula Gonçalves Carvalho. “Mas até lá, a taxa de inflação homóloga deve manter-se nos 2% ou mesmo acima disso. Posteriormente pode regressar para valores ligeiramente inferiores a 2%”, nota. “Se o petróleo e o euro se mantiverem estáveis, não há grandes motivos para a inflação acelerar mais para já”, destaca Filipe Garcia.
Se os preços, no geral, estão a subir a um ritmo acelerado, sem a energia, alimentação, álcool e tabaco, ou seja, a taxa de inflação “core”, o aumento não é tão rápido. A taxa nem se mexeu face ao primeiro mês do ano. Manteve-se em 0,9%. “O BCE, por enquanto, ainda tem argumentos para não subir juros”, diz a economista-chefe do BPI. “A taxa de inflação subjacente, excluindo alimentação e energia, ainda se encontra em níveis historicamente baixos, inferior a 1%”, diz.
Antes dos juros, as compras de dívida
E ainda que o BCE tenha em conta o aumento global dos preços, é para esta taxa específica que olha. E para as suas perspetivas. “Nos próximos meses, sobretudo a partir de abril, a taxa de inflação ‘core’ poderá superar essa fasquia [de 2%], o que implicaria maior pressão sob o BCE relativamente a alteração do atual enquadramento de política monetária”, refere a economista-chefe do BPI ao ECO. Mas “passaria, antes de aumentar os juros, pela redução e finalização dos estímulos”, nota.
O BCE, por enquanto, ainda tem argumentos para não subir juros. A taxa de inflação subjacente, excluindo alimentação e energia, ainda se encontra em níveis historicamente baixos, inferior a 1%.
O BCE tem a taxa de referência em 0,05% (e a taxa de depósitos em -0,4%, o que tem mantido as Euribor em terreno negativo). Ao mesmo tempo, tem em curso um programa de compra de ativos no valor de 80 mil milhões de euros mensais até abril, descendo para 60 mil milhões de euros mensais a partir daí e até ao final deste ano. “Dado o caráter excecional da política monetária, o processo de saída terá de ser gradual, sob pena de gerar grande volatilidade nos mercados monetários e de obrigações”, remata Filipe Garcia.
Taxas baixas no crédito? Garantidas, para já
“As previsões de inflação para este ano pela generalidade das entidades serão revistas em alta: a média das previsões aponta para valores na casa de 1,5% que deverão deslocar-se gradualmente para 1,7% a 1,8% ou mesmo mais elevados. Ora, esta é uma alteração que, a concretizar-se, o BCE não pode ignorar”, diz Paula Gonçalves Carvalho. E os mercados também não. Mas, para já, o impacto nos juros de mercado, as Euribor, será limitado.
“O cenário atual de taxas muito baixas beneficia os devedores e penaliza os aforradores. Uma eventual subida dos juros teria impacto no crédito à habitação, mas não é isso que o mercado espera”, diz Filipe Garcia. “Olhando para os futuros da Euribor, só se esperam Euribor a três meses positivas a partir de dezembro de 2019”, salienta. A taxa a três meses, que muitos portugueses têm como indexante das prestações do crédito à habitação, está em -0,329%, permitindo-lhes mensalidades mínimas históricas.
Juros negativos até 2019. Abaixo de 1% até 2022
“Em janeiro, a taxa de juro implícita no crédito à habitação [que considera o indexante e o spread praticado pelos bancos] registou um decréscimo de 0,003 pontos percentuais face ao observado no mês anterior, fixando-se em 1,025%”, de acordo com os dados mais recentes do INE. Assim, a prestação média vencida manteve-se pelo quinto mês seguido nos 237 euros. Revisão a revisão, as mensalidades vão, assim, tocando valores nunca antes vistos.
Estado tem de se preparar para pagar mais
Para já, as prestações do crédito deverão manter-se estáveis. Mas isso não quer dizer que os portugueses não sejam penalizados perante uma eventual inversão da tendência dos juros. “Se a subida dos juros acontecer, o principal prejudicado será o Tesouro e, por essa via, todos os portugueses”, diz Filipe Garcia. Atualmente, com os juros em mínimos históricos, mas também com as compras de dívida do BCE, Portugal conta com taxas de 4% a dez anos.
Juros da dívida aliviam, mas estão perto dos 4%
“Num cenário mais pessimista, [os portugueses poderão ser penalizados] através da necessidade de implementação de uma política fiscal com cariz mais neutral, ou mesmo restritivo, de forma a contrariar eventual aumento de pressão sob os ativos soberanos de Portugal no mercado internacional”, alerta Paula Gonçalves Carvalho. “Repare-se que o prémio de risco médio de dívida soberana situou-se em torno de 370 pontos base acima das Bunds em fevereiro, que compara com um nível médio de 300 pontos no ano passado”, diz.
"Num cenário mais pessimista, [os portugueses poderão ser penalizados] através da necessidade de implementação de uma política fiscal com cariz mais neutral, ou mesmo restritivo, de forma a contrariar eventual aumento de pressão sob os ativos soberanos de Portugal no mercado internacional.”
Esta evolução “significa que Portugal está a pagar mais para se financiar, tendência que será passada às famílias e empresas caso o movimento não inverta”, remata. Ou seja, pode haver um travão à devolução de rendimentos, ou mesmo um aumento da fiscalidade, o que levaria a um travão no consumo, logo haveria um travão no crescimento económico. Portugal cresceu 1,4% em 2016, com o PIB a acelerar 2% no quarto trimestre de 2016.
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