Análise: A saída de Portugal do PDE
A saída de Portugal do PDE (Procedimento dos Défices Excessivos) merece alguma reflexão, apesar de esta decisão da Comissão Europeia estar já prevista há algum tempo.
O que é o PDE e a entrada de Portugal em 2009
Primeiro, porque entrou Portugal na vertente corretiva do PDE? Em 2009, Portugal violou, pela terceira vez, o limite imposto no Pacto de Estabilidade e Crescimento, de o défice orçamental não ser superior a 3%. Nesse ano de 2009, o défice orçamental rondou os 11%, fruto por um lado do efeito da crise financeira mundial (a recessão de 2009 levou a um quebra significativa das receitas fiscais, em especial do IVA, que se reduziu em 13%) mas também das políticas expansionistas, nomeadamente através do investimento publico (autoestradas, barragens, parque escolar, etc.) e do aumento do consumo publico (por exemplo, o aumento de salários dos funcionários públicos em véspera das eleições).
Mas foi a 3ª vez que Portugal entrava na vertente corretiva do PDE. Contudo, a aplicação do PDE ficou suspensa entre 2011 e 2014 (durante o programa da troika), tendo voltado a ser aberto em 2015. Em 2002 tinha entrado, sendo o primeiro pais a violar o limite dos 3%, com o défice de 2001, que atingiu os 4,5%. Mais tarde, voltaria a entrar, em 2005, quando o défice atingiu os 6%.
O Regulamento do Conselho nº 479/2009, de 25 de maio, revisto pelo Regulamento do Conselho nº 679/2010, de 26 de julho, requer que cada estado membro reporte um Procedimento dos Défices Excessivos ao Eurostat, duas vezes por ano (março e setembro). A vertente corretiva do Pacto visa reverter as situações em que o défice público e/ou a dívida excedem os valores de referência fixados no Tratado. Neste âmbito, os estados membros ficam sujeitos a um procedimento por défices excessivos, mecanismo que obriga a supervisão e condições mais estritas.
Note-se contudo que o carácter excessivo do défice orçamental (3% do PIB) em relação ao valor de referência é considerado excecional e temporário, quando resulte de uma circunstância excecional não controlável pelo estado membro em causa e que tenha um impacto significativo na situação das finanças públicas ou quando resulte de uma recessão económica grave (se se verificar uma redução anual do PIB real de, pelo menos, 2%).
O PDE procura, assim, assegurar uma supervisão orçamental relativa ao défice e à dívida pública dos países da União Europeia. A Figura 1 demonstra o funcionamento do Procedimento dos Défices Excessivos no caso de um estado membro apresentar um défice excessivo. O Pacto de Estabilidade e Crescimento veio abrir a possibilidade ao Conselho de sancionar um estado membro participante que não adote as medidas necessárias para corrigir uma situação de défice excessivo. Numa fase inicial, a sanção tomará a forma de depósito sem juros junto da Comunidade, mas poderá ser convertida em coima, se o défice excessivo não for corrigido nos dois anos seguintes. A aplicação das sanções não é, contudo, automática e depende de uma avaliação das circunstâncias pelo Conselho.
Note-se que o Procedimento dos Défices Excessivos tem um regime de aplicação que se baseia nos tratados da União, pelo art.º 126 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Isto implica, que não pode haver processos no Tribunal de Justiça da União Europeia, movidos por um Estado membro sobre o levantamento de sanções no âmbito do PDE. Veja-se a esse propósito o que a própria Comissão já referiu: “´A further way of strengthening the EU’s legitimacy would also be to extend the competences of the Court of Justice, i.e. by deleting Art. 126 paragraph 10 TFEU and thus admitting infringement proceedings for Member States or by creating new, special competences and procedures, although one should not forget that some of the issues do not lend themselves to full judicial review.´ Brussels, 30.11.2012. COM(2012) 777 final/2, p. 39”. Isso determina que a decisão do Conselho Europeu é soberana (após a pronuncia da Comissão Europeia) e iminentemente política, não havendo consequências legais nem margem para litigância jurídica.
Como Portugal saiu do PDE
Para que tenha ocorrido a revogação do PDE foi necessário que a correção do défice fosse considerada duradoura, o que requer que o défice de 2016 não tivesse ultrapassado o limite dos 3% do PIB (foi de 2%, e de 2,5% se excluirmos as medidas one-off) e que as previsões da Comissão Europeia para os anos de 2017 e 2018 indiquem que este não excederá o limite de 3% do PIB.
O défice apurado para 2016, em contas nacionais, foi de 2,1% do PIB, sendo que em 2015 o défice tinha sido de 4,4%. Contudo, há que, em ambos os anos, expurgar as medidas one-off. No caso de 2015, a operação do BANIF, que piorou o défice. Sem esta operação, o défice de 2015 teria sido de 2,9%. No caso de 2016, as operações one-off melhoraram o défice. Referimo-nos ao regime de recuperação de dívidas fiscais (PERES), num valor em torno dos 600 M€, a reavaliação de ativos das empresas (com impacto fiscal positivo em 2016 de cerca de 100 M€, mas negativo nos anos seguintes), à venda dos F-16 (que em contas nacionais terão tido um impacto na redução da despesa de capital de cerca de 100 M€), à recuperação de uma garantia de um dos empréstimos dos mecanismos Europeus (cerca de 250 M€). Tudo somado, as medidas one-off valeram em 2016 cerca de mil M€, ou seja, 0,5% do PIB. O que significa um défice de 2,5%.
Essa melhoria foi possível graças a dois efeitos: por um lado uma redução muito significativa no investimento público (com menos 1,4 mil M€ face a 2015, tendo passado de 4,3 mil M€ para 2,9 mil M€) de 0.8 p.p. do PIB. Por outro lado, uma redução de 200 M€ nos juros da dívida pública, menos 0.1 p.p. Refira-se que relativamente aos juros, as taxas de juro das emissões de 2016 subiram face a 2015. Em 2016, a taxa de juro média das novas emissões foi de 3.2%, quando tinha sido de 2.5% em 2015. A estes dois efeitos soma-se ainda 0.3 p.p. do PIB de cativações adicionais. Parte destas poupanças foram gastas em despesas com pessoal, que aumentou 700 M€, 0.4 p.p. do PIB.
Contudo, importa sobretudo realçar que foi feito um esforço muito grande de redução do défice a partir de 2011. Conforme é visível no gráfico abaixo, o défice nominal sem medidas one-off reduziu-se cerca de 8 p.p.. Mas mais impressionante é a redução do défice estrutural até 2014: menos 7 p.p. Infelizmente, em 2015 a tendência inverteu-se. Mas verifica-se também no 2º gráfico como a consolidação estrutural foi bastante acentuada entre 2011 e 2014, sobretudo em 2012.
E agora, o que ainda falta fazer?
Portugal tem ainda de reduzir o seu défice estrutural de um valor em torno de -2% do PIB para um superavit de 0.25%, nos próximos 3-4 anos. Isso implica medidas de aumento de impostos e redução da despesa em torno dos 4 mil M€. Aqui, o crescimento económico não tem impacto. Por outro lado, há que reduzir a dívida pública em pelo menos 3-4 p.p./ano; não deixar a despesa corrente primária crescer acima do crescimento nominal da economia (3-4%/ano). Além da dívida pública muito elevada, a vigilância do Tratado Orçamental, do two-pack e do six-pack manter-se-á, condicionando fortemente as opções futuras, como bem mostra aqui a Margarida Peixoto. E os desequilíbrios macroeconómicos como o desemprego, o setor financeiro e o endividamento (publico e privado) permanecem uma ameaça. Mas ganha-se alguma margem de confiança e os investimentos públicos via “plano Juncker” deixam de contar para o défice, em termos do PDE (continuarão a contar para efeitos do Eurostat).
A saída do PDE é um passo importantíssimo na recuperação da credibilidade junto dos mercados e dos investidores. Mas o esforço orçamental tem de continuar, é importante reduzir o défice, mas de forma estrutural.
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