O que vai mudar na CGD com as recomendações dos deputados
Sete recomendações, duas chumbadas e cinco aprovadas. Mas apenas quatro fazem referência direta à CGD nas conclusões da CPI. Mas qual será o impacto que estas recomendações podem ter na vida da Caixa?
Chegou ao fim a primeira comissão parlamentar de inquérito (CPI) à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Foi criada para tentar perceber o que aconteceu na gestão do banco público que levou ao registo de imparidades recorde, forçando uma injeção de capital de cinco mil milhões. Mas, mais de 55 horas de audições e quase 400 páginas de relatório depois, e de o Ministério Público ter afirmado suspeitar de gestão danosa no banco, a comissão terminou sem que o documento fosse aprovado. Porquê? Por ausência de deputados do PS na sala.
Deste relatório, cujo relator foi o deputado socialista Carlos Pereira, os únicos pontos aprovados foram as recomendações. E não todas. Das sete, apenas cinco receberam luz verde. E, destas cinco, apenas quatro são dirigidas à Caixa: o banco estatal tem de continuar “nas mãos do Estado”, mas também tem de haver uma melhoria da comunicação entre a CGD e o acionista Estado.
Entre as parcas recomendações, destacam-se as de que o sigilo bancário deve cair para a Inspeção Geral de Finanças e a de que, tendo em conta os negócios ruinosos do passado, muitos deles contados no livro “Caixa Negra”, a Caixa, agora comandada por Paulo Macedo, deve adotar práticas mais conservadoras nos projetos em que se envolve.
As quatro recomendações destinadas à Caixa
A Caixa tem de continuar “nas mãos do Estado”
A primeira recomendação que o relator, o deputado socialista Carlos Pereira, faz é que a CGD continue pública — uma recomendação que foi chumbada pelo PSD na votação. “Ao longo dos últimos anos observou-se uma evolução da banca portuguesa, designadamente após 2008, que conduziu a um processo de entrada de capital estrangeiro nos principais bancos do país”, lê-se no documento. Daí a relevância de haver um banco estatal.
“É neste contexto que a CGD tem um papel determinante de âncora do sistema financeiro português e, sobretudo, porque se a CGD não estivesse nas mãos do Estado já tinha, provavelmente, sido vendida a capital estrangeiro”, acrescenta o deputado socialista.
Melhorar comunicação entre a CGD e o acionista Estado
“Não existe nenhuma regra que estabeleça o diálogo do acionista com a CGD”, nota o relator. O deputado explica que se “verificou, por isso, que o diálogo, em regra, ocorria de forma reativa, sempre que surgissem problemas que afetassem o acionista”.
Neste contexto, Carlos Pereira sugere que o “Estado, dono da CGD, deve, por isso, se envolver com transparência na visão e missão” do banco estatal. O diálogo entre a tutela e a Caixa não deve ser “um debate pontual e casuístico”. Neste ponto todos os partidos concordaram.
Sigilo bancário deve cair para a Inspeção Geral de Finanças
No relatório preliminar, o deputado fez esta recomendação. Mas não com o detalhe com que surge no documento final. Carlos Pereira afirma que deve haver uma alteração do quadro legal que permita que a Inspeção Geral das Finanças tenha acesso a informação relevante dos bancos, nomeadamente a dados que estão protegidos por sigilo bancário.
Esta questão foi levantada pelo Inspetor-Geral das Finanças, como relembra o deputado socialista. “Parece-nos adequado seguir a opinião do IGF de modo a reforçar os níveis de fiscalização e auditoria do banco público”.
Tornar a Caixa mais conservadora no crédito
No documento preliminar, esta recomendação não existia. No seu lugar, estava uma outra: reforçar a capitalização das empresas para ajudar a resolver o problema do crédito malparado. O relator Carlos Pereira acrescentou-a no relatório final, mas não a detalhou. O deputado socialista refere apenas que a “banca pública deve ser conservadora”, uma vez que no passado, “em algumas operações, a CGD envolveu-se em certos projetos por entender que este trariam maior rendibilidade. No entanto, pode ter levado o banco público a registar prejuízos”.
A Caixa teve de registar mais de três mil milhões em imparidades. Um montante recorde que levou o banco público a precisar de um aumento de capital de cinco mil milhões de euros. “Como foi referido, em sede de comissão de inquérito, e a título de exemplo, 80% das perdas registadas em Espanha estavam relacionadas com a banca de investimento“, acrescenta o deputado socialista.
Como foi referido, em sede de comissão de inquérito, e a título de exemplo, 80% das perdas registadas em Espanha estavam relacionadas com a banca de investimento; foram perdas demonstradas.
O que vai mudar na vida do banco?
Das quatro recomendações dirigidas à Caixa, apenas duas poderiam ter algum peso na vida do banco, nomeadamente a possibilidade de o sigilo bancário cair para a IGF. “Sabe-se hoje que os relatórios trimestrais da comissão de auditoria alertavam, pelo menos desde o terceiro trimestre de 2014, para factos e matérias relevantes que deveriam ter merecido maior atenção, acompanhamento e intervenção por parte do acionista Estado“, lê-se no relatório final.
“O relatório de auditoria do Tribunal de Contas refere o relatório da comissão de auditoria do quarto trimestre de 2015, nomeadamente a existência de imparidades no valor de 1,5 mil milhões de euros e a exposição da CGD em 4,5 mil milhões de euros. Ainda assim, não há evidências de que esta empresa [CGD] tenha sido objeto de qualquer ação inspetiva da IGF solicitada pelo acionista”, acrescenta o deputado Carlos Pereira.
O relatório de auditoria do Tribunal de Contas refere o relatório da comissão de auditoria referente ao quarto trimestre de 2015, nomeadamente a existência de imparidades no valor de 1,5 mil milhões de euros e a exposição da CGD em 4,5 mil milhões de euros. Ainda assim, não há evidências de que esta empresa tenha sido objeto de qualquer ação inspetiva da IGF solicitada pelo acionista.
Outra das recomendações é a adoção de uma abordagem mais conservadora por parte da Caixa, nomeadamente no que se refere à concessão de financiamento numa altura em que todo o sistema financeiro está a abrir a torneira do crédito para tentar obter mais rentabilidade.
Esta recomendação surge, no entanto, depois de o banco se ter envolvido em vários investimentos ruinosos que a levaram a registar imparidades recorde. Perdas avultadas em resultado de muitos investimentos ruinosos tanto em Portugal, como foi o caso de Vale do Lobo, de acordo com o livro “Caixa Negra”, de Diogo Cavaleiro, mas também em Espanha, com empresas como a La Seda e Artlant.
“É difícil medir o conservadorismo”, diz João Duque, que questiona, no fundo, o impacto destas recomendações na vida da CGD. “É zero”, refere o economista, ao contrário do custo deste relatório que acabou por ser chumbado. “Quanto é que custou o relatório?”, questiona em declarações ao ECO, apontando para todo o tempo e recursos perdidos para se chegar ao fim sem uma conclusão validada pelos deputados.
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