Venezuela: Desvalorização do bolívar afunda as remessas dos emigrantes
O bolívar venezuelano passou os últimos 16 anos a desvalorizar face ao euro, consequência do declínio da economia na Venezuela, o que tem prejudicado as remessas dos emigrantes portugueses.
A desvalorização cambial do bolívar venezuelano face ao euro tem sido um dos principais fatores a penalizar as remessas que os emigrantes portugueses na Venezuela enviam para Portugal. Em 2016 um bolívar venezuelano valia cerca de nove cêntimos. A tendência este ano, com a instabilidade do país que foi a eleições no domingo, é a mesma dado que já desceu para os oito cêntimos. Esta relação cambial tem prejudicado os portugueses emigrados na Venezuela que têm conseguido enviar cada vez menos euros para Portugal.
Taxa de câmbio entre o bolívar venezuelano e o euro
Fonte: Bloomberg. Atualmente um bolívar venezuelano corresponde a nove cêntimos.
Nos primeiros anos do novo século, os portugueses emigrados na Venezuela enviavam para Portugal mais de 90 milhões de euros, o que correspondia na altura a cerca de 60 milhões de bolívares venezuelanos. 16 anos depois, em 2016, os portugueses enviaram 90 milhões de bolívares venezuelanos, mas que correspondiam a apenas 8,7 milhões de euros por causa da perda de valor da moeda local.
A primeira grande desvalorização da moeda, face ao euro, ocorreu em 2002 com uma queda de 56,62%. Foi nesse ano que um bolívar venezuelano começou a valer menos do que um euro. A tendência negativa continuou e, em 2010, ocorreu mais um tombo de 46,53%.
Remessas enviadas da Venezuela para Portugal (em euros)
Fonte: Banco de Portugal
Em 2013 registou-se mais uma queda de 34,48% e, depois de dois anos de recuperação tímida, 2016 foi mais um ano de desvalorização em 34,97%. Foi no ano passado que um bolívar venezuelano passou a corresponder a menos de 10 cêntimos. Ou, dito de outra forma, que um euro passou a corresponder a mais de 10 bolívares venezuelanos.
Os dados mostram que tem sido exatamente nos anos em que a divisa mais desvaloriza que os emigrantes portugueses na Venezuela enviam mais bolívares venezuelanos para Portugal, para compensar esse efeito. Nos últimos 16 anos, o ano passado foi o que registou o maior valor de bolívares venezuelanos enviados para Portugal, cerca de 91,35 milhões. Em 2010 tinha sido 90,57 milhões de bolívares venezuelanos.
Remessas enviadas da Venezuela para Portugal (em bolívares venezuelanos)
Contas do ECO segundo o câmbio no último dia de cada ano.
Praticamente toda a economia venezuelana é dependente do petróleo. Há décadas que é assim e o Orçamento do Estado do próprio país traduz isso: o cenário macroeconómico do orçamento previa um preço de 121,1 dólares por barril para que as finanças públicas fossem sustentáveis.
Contudo, desde 2013 que o petróleo está longe desse valor nos mercados internacionais, o que tem levado a um forte desequilíbrio da economia da Venezuela. O barril está hoje a rondar os 50 dólares. Em declarações ao ECO, o analista especializado no país, Raul Gallegos, é direto: “O que quer que aconteça com o petróleo tem um impacto no consumo e na capacidade para manter o valor da moeda”.
O petróleo tem, por isso, um efeito também na política monetária. “O valor da moeda foi muito afetado pelos controlos monetários que o Governo impôs em 2003 e foi ajustando ao longo do tempo”, explica Raul Gallegos, diretor associado da Control Risks, com sede em Bogotá, na Colômbia. Em 2003, o petróleo estava nos 30 dólares. Atualmente é transacionado perto dos 50 dólares, ainda assim bastante aquém do valor necessário para a Venezuela.
Preço do barril em dólares
Fonte: Bloomberg
Ao ECO, o analista considera que estes controlos capitais foram impostos para prevenir que a moeda desvalorizasse mais, mas esses esforços não foram suficientes. “O próprio Governo gasta muito dinheiro e imprime muita moeda para satisfazer o seu eleitorado”, assinala o analista, referindo que essa impressão de moeda continuará a fazer aumentar a inflação. “A inflação é sustentável porque este Governo continuará a imprimir moeda e gastar dinheiro para manter os seus eleitores contentes”, considera. Ainda que isso tenha um efeito negativo para quem tem de enviar dinheiro para fora, como é o caso dos emigrantes portugueses.
A economia venezuelana deverá ter diminuído, nos últimos anos, um terço do seu tamanho, senão mais.
Mas os problemas principais estão relacionados com condições básicas de vida. Raul Gallegos considera que irá haver dois efeitos por causa da inflação e a pressão do Governo: as empresas vão diminuir a sua produção por haver limites estatais ao aumento dos preços e, por outro lado, a maior parte da população não vai conseguir comprar bens essenciais. “Verá um efeito duplo de menos produtos no mercado e os que estiverem no mercado serão muito caros e as pessoas não vão conseguir comprar“, prevê.
Acresce que a economia venezuelana não tem conseguido sair da recessão. Em 2016 a economia retrocedeu 18,6%. A contração da economia este ano será de 7,4%, segundo o FMI. “A economia venezuelana deverá ter diminuído, nos últimos anos, um terço do seu tamanho, senão mais”, assinala o analista, ressalvando que os números estatísticos do Governo “são obscuros, nada transparentes”, dado que o PIB, a inflação e o próprio desemprego deixou de ser reportado pelo banco central. “O desemprego é um indicador muito enganador porque existem muitas pessoas que tecnicamente estão com subemprego e há muitas são empregadas pelo Estado”, exemplifica.
Evolução da economia venezuelana
Fonte: Banco Mundial.
E esta eleição vai mudar alguma coisa? Raul Gallegos considera que não: “Esta eleição de uma Assembleia Constituinte só será usada como um mecanismo para o Governo manter o controlo do país ainda que tenha níveis de impopularidade elevados“. O analista prevê que a Venezuela se transforme num país parecido a Cuba e receia que esta “nova Assembleia poderosa permitirá ao Governo adiar eleições, mudar leis quando quiser, mudar a Constituição…”
Gallegos considera que o Governo “ficará mais radicalizado” e pretenderá “dominar mais a economia para além do que já tem feito”, diminuindo os direitos à propriedade privada.
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