Novo Banco. Vitória numa prova de obstáculos
Do anúncio da resolução à venda, viveram-se 1.172 dias de intensas negociações. Batalhas negociais, mas também jurídicas, que culminaram na passagem do banco de transição para o Lone Star.
“Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo (BES) uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco.” A frase, proferida num domingo ao final da noite por um Carlos Costa visivelmente exausto, marcou a primeira resolução de uma instituição financeira nacional. Foi uma “experiência” complexa que deu o tiro de partida para uma prova de obstáculos negociais, mas principalmente jurídicos, que culminou com a venda do Novo Banco ao Lone Star.
No BES, o chamado banco “mau”, ficaram os ativos problemáticos, que implicaram perdas avultadas para acionistas e detentores de dívida subordinada. Para o Novo Banco, o banco que nasceu desta resolução, passaram os outros ativos. A instituição financeira de transição, que recebeu uma injeção de 4.900 milhões de euros, ficou nas mãos do Fundo de Resolução e na esfera do Banco de Portugal (BdP) e do Ministério das Finanças. O objetivo era a venda, o mais rapidamente possível. E ao melhor preço.
Foi o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que deu ao Banco de Portugal as armas necessárias para resolver um banco, procurando com essa medida extrema evitar consequências graves para a estabilidade financeira. Era, segundo o RGICSF, o banco central que determinava “as medidas de resolução que melhor permitam atingir as finalidades (…), cuja relevância deve ser apreciada à luz da natureza e circunstâncias do caso concreto”. Portanto, fiscalizava, resolvia e supervisionava o Fundo de Resolução, o que podia levantar dúvidas. Era uma situação “intrinsecamente problemática” e de “potencial conflito de interesses”, salienta um especialista à Advocatus.
O RGICSF nunca tinha sido posto à prova até à resolução do BES. Mas assim que o foi, foram necessárias alterações ao regime. Não por causa do banco mau, mas por causa do banco de transição. O Conselho de Ministros alterou no dia após o anúncio do BdP o regime aplicável aos bancos de transição para promover uma gestão “eficiente” e facilitar “a procura de soluções de mercado”. Apesar disso, foram vários os obstáculos à venda. “Tudo o que rodeou o processo da resolução do BES envolveu uma grande complexidade” em termos jurídicos, nota o mesmo especialista. Isto num processo que contou com o advogado Jorge Bleck, da Vieira de Almeida & Associados, do lado do Fundo de Resolução e BdP.
Mais tarde, falhada a primeira tentativa de venda, e já numa segunda fase do processo de alienação do banco, o Lone Star acabou por ser o comprador indicado pelo BdP. O fundo norte-americano contou com a assessoria da sociedade de advogados Weil, Gotshal & Manges. “O processo de venda foi juridicamente menos problemático do que a resolução”, explica um especialista à Advocatus, notando que os obstáculos mais significativos foram as aprovações necessárias, nomeadamente do BdP, Banco Central Europeu e Direção-Geral da Concorrência.
A venda foi assinada a 18 de outubro. O aperto de mão entre Carlos Costa e Donald Quintin, senior managing director do Lone Star, pôs fim a 1.172 dias de um banco de transição que acabou por ser vendido à luz de uma lei que já não existe. A resolução foi a 3 de agosto de 2014. Menos de meio ano depois, em janeiro de 2015, entrou em vigor uma nova diretiva europeia, conhecida como Diretiva Recuperação e Resolução Bancárias (DRRB) que tornou muito mais ágil todo o processo de resolução bancária na Zona Euro. As grandes alterações não foram tanto a nível das ferramentas para fazer frente a situações críticas ou do quadro legislativo. O que mudou foi a “armadura institucional”.
A resolução deixou de estar focada numa entidade nacional e passou a ser um decisor europeu, facto que não só afastou dos supervisores nacionais dúvidas quanto a potenciais conflitos de interesses, como passou para as autoridades europeias o peso da decisão. Isso mesmo foi posto à prova no Banco Popular, resolvido e vendido ao Santander de forma automática, com todos os processos levantados pelos investidores a terem de ser dirigidos ao Mecanismo Único de Supervisão (MUS) e não ao Banco de Espanha, ou ao Governo espanhol. “A forma como as autoridades europeias olham para a resolução é menos local e mais transversal”, procurando garantir a estabilidade do sistema financeiro nos países do euro como um todo, explica outro especialista.
E também evitar situações de distorção do mercado. Como? O MUS vê de forma essencialmente “negativa” a intervenção do Estado num banco, diz o mesmo advogado. No caso do Novo Banco, resultado de uma resolução prévia à nova lei, o Estado mantém 25% do capital mesmo depois da venda ao Lone Star. “O caso do Novo Banco é uma situação de ajudas de Estado que vem de 2013, e enquanto tal, é anterior da diretiva DRRB, [sobre resoluções bancárias]”, esclareceu Valdis Dombrovskis, comissário europeu para o Euro, quando questionado sobre o facto de o Estado português manter uma participação no capital do banco, uma das condições para que esta venda se concretizasse, além da garantia de 3,89 mil milhões de euros para acautelar o risco do chamado side bank. Uma operação em que o fundo norte-americano injeta mil milhões de euros para ficar com 75% da instituição, sendo que para obter o aval de Bruxelas terá ainda de reforçar os rácios de capital com a emissão de 400 milhões de euros em dívida de elevada subordinação.
Para além de todas estas condições impostas ao comprador, bem como ao vendedor, por parte das autoridades europeias, houve um último obstáculo. Para que a alienação se concretizasse foi necessária uma almofada de capital de 500 milhões de euros. E essa “almofada” foi obtida através de uma oferta de troca de dívida sénior, através do LME (Liability Management Exercise, em inglês), bem-vista em Bruxelas, porque envolvia uma lógica de burden sharing no esforço de capitalização do Novo Banco. Foi um processo juridicamente “complexo” por envolver modelos diferentes de troca de dívida. Foi, por isso, uma negociação “intensa e difícil”, refere um especialista envolvido numa operação que foi assessorada pela Garrigues, através do apoio prestado aos bancos internacionais contratos pelo Novo Banco. A equipa foi coordenada pelos sócios Diogo Leónidas Rocha e Marta Graça Rodrigues, tendo envolvido também a participação de Gonçalo Castro Ribeiro, Isabel Coelho dos Santos e Carolina Barrueca.
Chegou a considerar-se a hipótese de aplicar o chamado scheme of arrangement, ou seja, um acordo aprovado em tribunal entre uma empresa e os seus acionistas, mas esta possibilidade caiu. O LME avançou. A operação de troca, que arrancou a 24 de julho, foi decidida, voluntariamente, em duas assembleias-gerais (AG) de obrigacionistas, sendo que os grandes investidores, como a Pimco, acabaram por colocar vários entraves. Primeiro, consideraram que o preço oferecido era baixo, depois o facto de estarem a trocar obrigações seniores por depósitos não agradou aos investidores. O autointitulado Comité de Credores, que controlava mais de 30% das obrigações que o Novo Banco quis recomprar a desconto, afirmou que os depósitos oferecidos não garantiam acesso à liquidez gerada pela entrega dos títulos de dívida, transacionados em mercado.
Depois de várias negociações, e com o apoio de vários advogados, como foi o caso de André Figueiredo, da PMLJ, que assessorou a Pimco, os investidores acabaram por aceitar esta troca, mas apenas na segunda AG. E aceitaram porque o Morgan Stanley encontrou a solução. O banco de investimento criou um veículo financeiro especial, chamado Emerald Bay, em que os depósitos no Novo Banco são titularizados, convertendo-se em ativos transacionáveis. Foi esta solução que permitiu a “luz verde” dos obrigacionistas à troca. E, assim, desbloqueou-se a venda do Novo Banco ao Lone Star.
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