O dia em que Lacerda enviou carta com profit warning dos CTT
Enviam-se cada vez menos cartas. Mas a queda foi subestimada pelos CTT, que se viram obrigados a cortar as expectativas em relação aos resultados para este ano.
Terça-feira, 31 de outubro. O dia em que os Correios apresentaram mais uma leva de resultados pouco satisfatórios. Com eles, um alerta aos investidores: os lucros em 2017 vão ficar muito abaixo do esperado, porque enviam-se cada vez menos cartas… e a velocidade da queda do tráfego postal está a ser mais rápida do que o antecipado. A culpa é da massificação da internet, fator que pode ser, ao mesmo tempo, a perdição e a salvação dos CTT CTT 0,99% .
Comecemos pelo princípio. Naquele dia, a empresa de Francisco de Lacerda comunicou ao mercado um lucro de 19,5 milhões de euros nos primeiros nove meses de 2017. Trata-se de uma queda de 57% face ao mesmo período do ano anterior. E porquê? Sobretudo, porque os Correios fizeram apenas 555,4 milhões de entregas entre janeiro e setembro, número que corresponde a uma quebra de 6,1% no tráfego do correio. As receitas ficaram-se pelos 518 milhões de euros.
Ora, numa atualização à guidance para 2017, a empresa foi pragmática: “Um declínio pior do que o esperado nos volumes de correio endereçado vai impactar de forma negativa o EBITDA (resultado antes de lucros, impostos, depreciações e amortizações) recorrente em 2017. Depois das quedas superiores a 7% no tráfego do correio no segundo e terceiro trimestres, é percetível uma tendência de aceleração que vai ter um impacto material nos resultados em 2017″, lê-se no documento da apresentação de resultados.
O resultado? Em apenas 13 dias, as ações dos CTT afundaram quase 40%, de 5,56 euros a 31 de outubro para um mínimo de 3,043 euros a 13 de novembro, valor muito abaixo do preço com que as ações foram admitidas a negociação na bolsa de valores de Lisboa, a 5 de dezembro de 2013: o preço da oferta pública inicial foi de 5,52 euros. Por outras palavras, quem comprou títulos nessa altura e ainda os mantém, regista perdas potenciais.
Ações dos CTT afundam depois do profit warning
Fonte: Bloomberg
Mas a empresa não revelou apenas uma queda nos lucros. Apressou-se a talhar o dividendo, considerado um dos fatores de maior atratividade nas ações dos CTT. O corte anunciado foi de 20%, de 48 para 38 cêntimos por ação — valor que, mesmo assim, coloca os CTT como os correios mais generosos da Europa para com os acionistas. E anunciou também “uma reestruturação considerável dos custos, para ajustar a escala de operações às atuais necessidades”.
Não muito depois, Francisco de Lacerda revelou finalmente os ajustes a realizar na empresa, com “um ou dois trimestres” de antecipação: um corte de 25% no seu próprio salário e no do presidente do Conselho de Administração. Os restantes membros da comissão executiva e do board foram cortados em 15%. A empresa acabou também com os prémios de gestão em 2017 e 2018 e anunciou uma redução no recurso a fornecedores e serviços externos, com vista a uma poupança anual de seis a sete milhões de euros até ao final da década.
No plano consta ainda um processo de rescisões com 200 trabalhadores, para já, mais 800 em 2018, mas que não se trata “de um despedimento coletivo”, segundo o presidente executivo. Planeia ainda a venda de três dezenas de imóveis, considerados ativos não estratégicos. O plano prevê uma poupança total de 45 milhões de euros até 2020 e parece ter convencido os investidores. Depois do mínimo de 3,043 euros, os títulos já recuperaram pouco mais de 16%, para perto dos 3,50 euros. Será que, depois da tempestade, vem mesmo a bonança para os acionistas dos CTT?
Depois das quedas superiores a 7% no tráfego do correio no segundo e terceiro trimestres, é percetível uma tendência de aceleração que vai ter um impacto material nos resultados em 2017.
Reinventar um negócio centenário
A internet veio pressionar o negócio core dos Correios e obrigar a uma reinvenção da empresa, que entretanto lançou um banco e voltou o foco para um novo segmento: o das compras online. O comércio eletrónico está a crescer e vai ser sempre preciso quem leve as encomendas a casa dos clientes. Nos CTT, este negócio cresceu 21,1% nos primeiros nove meses do ano, face ao mesmo período de 2016, com a empresa a fazer 23,5 milhões de entregas.
E Francisco de Lacerda reconhece isso mesmo. Em novembro, afirmou: “Estou certo que o setor vai crescer em termos de velocidade e de relevância. A razão que faz as pessoas enviar menos cartas, o digital, é a mesma razão que faz este negócio [de “Expresso e Encomendas”] crescer.” Classificou-o até como uma “oportunidade de grande crescimento para os CTT”, uma empresa que há mais de 100 anos entrega cartas. Quanto ao Banco CTT, já atingiu os 540,4 milhões de euros em depósitos, embora o projeto ainda pese nas contas da companhia sob a forma de despesas.
Para somar às dores dos CTT, a empresa prepara-se para enfrentar pressão política, uma vez que detém a concessão do serviço postal universal no país, um contrato que ainda vem do tempo em que a empresa pertencia ao setor público. A Anacom concluiu que 2,3 em cada 1.000 cartas não foram entregues até um prazo de 15 dias e obrigou a companhia a baixar os preços do correio em 0,03 pontos percentuais.
Seguiram-se quatro propostas da esquerda: uma do PS para a criação de um grupo de trabalho para reavaliar essa concessão e três, chumbadas no Parlamento, que exigiam a nacionalização da empresa. O Governo decidiu, assim, avançar com a criação de um “programa de trabalho” para fazer essa reavaliação da qualidade do serviço prestado e os trabalhos deverão arrancar nos primeiros meses de 2018. O programa contará com a colaboração da empresa, embora Lacerda já tenha posto os argumentos em cima da mesa na entrevista ao programa ECO24, do ECO e da TVI24: “O Estado não paga nada aos CTT por serem o concessionário do serviço universal.”
Cotação dos títulos dos CTT na bolsa de Lisboa
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