Nelson Souza, o Sr. fundos comunitários que subiu a ministro

Nelson Souza é visto como uma pessoa "calma, tranquila, metódica". "É dos que mais se envolveu na experiência dos fundos estruturais em Portugal", conta ao ECO quem o conhece.

Trabalhador, competente, calmo, assertivo. E desde sempre ligado aos fundos comunitários. Estas são algumas das características mais vezes enunciadas para descrever o atual secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, que é agora o novo ministro do Planeamento. Nelson Souza é um dos novos ministros que resulta da remodelação governamental que António Costa preparou.

O atual ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, vai liderar a lista do Partido Socialista para as eleições europeias e a ministra da presidência e da Modernização Administrativa também deve sair para integrar a mesma lista.

A solução foi dividir o ministério do Planeamento e autonomizar a pasta dos fundos comunitários, num momento em que se negoceia com Bruxelas o próximo quadro comunitário de apoio, a vigorar entre 2021 e 2027. Nelson Souza sobe na hierarquia do Executivo, mas continua a fazer aquilo de que mais gosta — trabalhar com fundos comunitários. Tem sido assim a vida toda, ou quase.

Formado em Finanças pelo Instituto Superior de Economia, em 1975, integrou a Direção Geral da indústria, primeiro como técnico, anos mais tarde como diretor-geral. “Nelson Souza é uma típica pessoa que fez toda a sua vida na Administração Pública, tanto no Ministério da Indústria como no Ministério da Economia”, conta ao ECO Augusto Mateus. Amigos de uma vida, o economista e ex-secretário de Estado da Indústria e ex-ministro da Economia (entre 1995 e 1997) sublinha que Nelson Souza “é das pessoas que mais se envolveu na experiência dos fundos estruturais em Portugal”.

Nelson Souza é uma típica pessoa que fez toda a sua vida na Administração Pública. Tem uma cultura de política pública. Percebe que esta tem um objetivo.

Augusto Mateus

Economista

A primeira experiência foi mesmo com a Iniciativa de Modernização da Indústria Têxtil (IMIT), os primeiros fundos de que Portugal beneficiou, recorda a antiga presidente da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, Rosa Simões. Depois vieram o POE, o QCA I, II e III, o QREN, o atual Portugal 2020 e o futuro Portugal 2030. “Colega de 20 anos” de Nelson Souza, Rosa Simões lembra os tempos em que ambos disputaram os mesmos concursos, mas depois chegou o momento de aproximação ao mundo da política. Primeiro como diretor-geral da Indústria, depois como chefe de gabinete do então ministro da Economia Daniel Bessa (novembro de 1995 e Janeiro de 1996). Quatro anos depois, em setembro de 2000, assume o cargo de secretário de Estado das PME e do Comércio e Serviços no Governo de António Guterres. Era ministro da Economia, Joaquim Pina Moura. Volta a ocupar uma secretaria de Estado, em 2015, pela mão de António Costa. Desta vez fica com o Desenvolvimento e Coesão, ou seja, com os fundos comunitários.

Nesta legislatura foram estabelecidas várias metas para os fundos: “100 milhões em 100 dias” foi logo a primeira e mais tarde o “canalizar dois mil milhões de apoios para as empresas”. Todas foram cumpridas e até ultrapassadas, mas, no final de 2018, a execução do Portugal 2020 estava dez pontos percentuais atrás do QREN (numa base comparável). Além disso, foi concluída com sucesso a reprogramação do atual quadro comunitário, foi assinado um acordo com o PSD relativamente ao próximo quadro comunitário, foi criado um mecanismo inovador para que a banca financie a componente reembolsável dos projetos das empresas — uma inovação que teve Nelson Souza como um dos principais promotores — e está ainda na calha a definição de um novo plano Nacional de Investimentos para suceder ao Peti 3+.

Está muito habituado às negociações em Bruxelas e às suas dificuldades. Tornou-se num dos melhores negociadores nacionais em matéria de fundos comunitários.

Luís Filipe Costa

Presidente da Garval, Norgarante e Lisgarante

Nelson Souza “está muito habituado às negociações em Bruxelas e às suas dificuldades”, conta Luís Filipe Costa, presidente do conselho de administração das sociedades de garantia mútua Garval, Norgarante e Lisgarante. “Tornou-se num dos melhores negociadores nacionais em matéria de fundos comunitários”, acrescentou o antigo presidente do IAPMEI.

Quando Luís Filipe Costa dirigia o instituto público dedicado às PME — um cargo que também já foi do atual secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão — Nelson Souza era gestor do Compete, uma posição que ocupava desde 2005, primeiro com o PRIME e depois com o Compete, os programas operacionais que apoiam as empresas. Ele “é determinado no alcance dos objetivos e dá grande importância às questões de lealdade e de trabalho de equipa“, acrescenta ainda Luís Filipe Costa. “É exigente e muito zeloso“. Características apontadas pelas várias pessoas com quem o ECO falou. “É informal, mas muito forte na liderança, sabe ouvir e tem uma característica de proximidade. Gosta de meter a mão na massa”, conta Benvinda Catarino, diretora da comissão para a produtividade da Associação Industrial Portuguesa (AIP), um cargo que o próprio Nelson Souza ocupou.

Anos mais tarde, já com a troika em Portugal, Nelson Souza voltou à AIP, mas já como diretor-geral. “Ser diretor de área é muito diferente de ser diretor-geral, requer mais envolvimento, mas Nelson Souza conseguiu manter a sua proximidade e dar sempre valor acrescentado aos projetos desenvolvidos”, acrescenta Benvinda Catarino, garantindo que “foi um prazer trabalhar com ele”.

Conheço há muitos anos. É uma pessoa competente e que deu uma excelente ajuda e ideias para o Plano Tecnológico.

Carlos Zorrinho

Eurodeputado socialista

O mesmo prazer foi partilhado por Carlos Zorrinho. O agora eurodeputado socialista, antigo coordenador nacional do Plano Tecnológico e secretário de Estado da Energia e da Inovação, no Ministério da Economia tutelado por Vieira da Silva (Governo Sócrates), sublinha a “excelente ajuda” e as “ideias” com que o Nelson Souza contribuiu para o Plano Tecnológico. Em conjunto também desenvolveram medidas de eficiência coletiva, redes e pólos, clusters de inovação, medidas que traduzem “o grande sentido de serviço público e capacidade de trabalho”, acrescenta Zorrinho. Contributos que lhe valeram, em 1993, um reconhecimento por parte do então Presidente da República, Mário Soares, que o agraciou com o grau de Comendador da Ordem de Mérito da Indústria.

“É uma pessoa muito competente e disponível para se inteirar das questões que lhe são colocadas nos vários cargos que ocupou, desde a direção Geral da Indústria, passando pelo Prime, Compete, IAPMEI, ou pelo Governo”, defende João Costa, vice-presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). Nelson Souza também teve uma presença neste setor, foi presidente da comissão executiva do Movimento Têxtil e do Vestuário em 2001 e 2002.

É uma pessoa muito competente e disponível para se inteirar das questões que lhe são colocadas nos vários cargos que ocupou.

João Costa

Vice-presidente da ATP

Mas, na sua carreira também houve momentos difíceis, nomeadamente quando Portugal foi confrontado pela Comissão Europeia por desrespeito sistemático das regras de contratação pública. A pasta dos fundos estava com o ministro do Ambiente de então, Francisco Nunes Correia. Bruxelas ameaçava Portugal com a devolução de 250 milhões de euros e suspensão da transferência de verbas, que poderia levar mais de um ano a levantar. O Governo de José Sócrates conseguiu convencer a comissária europeia responsável pela Política Regional, Danuta Hübner, de que as autoridades nacionais conseguiriam corrigir a situação. Nelson Souza, apesar da resistência em aceitar as críticas comunitárias, teve a ingrata tarefa de exigir a devolução de verbas aos promotores que receberam apoios indevidamente (porque violaram as regras da contratação pública), nomeadamente às associações empresariais, as principais visadas pelas críticas europeias.

O novo ministro é visto como uma pessoa “calma, tranquila, metódica”, com um “grande foco na segurança do que faz”, diz Augusto Mateus. O economista percebe que isso possa estar na origem de quem o critica por não saber delegar. “Quem tem muitos anos de carreira como dirigente de topo tem uma característica centralizadora”, acrescenta.

Nelson Souza teve ainda uma passagem pela Câmara Municipal de Lisboa, quando o presidente era António Costa. Depis de sair de director-geral da AIP, onde foi substituir Duarte Oliveira, em fevereiro de 2014, o responsável exerceu as funções de diretor municipal de Finanças na Câmara e desempenhou também funções de assessoria do próprio António Costa, num sinal proximidade entre ambos. O salto seguinte foi integrar o Executivo como secretário de Estado. E agora como minsitro.

Numa nota mais pessoal, Nelson Souza tem 64 anos, nasceu em Goa, na Índia, mas veio para Portugal com a família aos sete anos. Começou a trabalhar ainda durante os anos de faculdade, nomeadamente no porto de Lisboa, onde no verão gosta de ir almoçar um bom peixe grelhado. O restaurante Clube do Peixe, na 5 de Outubro, é outro dos spots onde gosta de ir.

A mesa é um dos prazeres que tem, e inclusivamente, participa num almoço mensal que é organizado com amigos, colegas de faculdade e antigos membros do Ministério da Economia. Além da paixão pela comida, partilham outra — o Belenenses. Numa entrevista ao jornal T, Nelson Souza justifica a escolha de clube pelo facto de, em criança, ter morado na zona da Ajuda. É casado e tem um filho.

Um futuro cheio de desafios

Um dos grandes desafios do novo ministro é a negociação do novo quadro comunitário de apoio. Neste momento, está sobre a mesa um corte de 7% na política de coesão e de 15% no segundo pilar da Política Agrícola Comum, ou seja, o desenvolvimento rural.

Mas ainda há trabalho a fazer no Portugal 2020. Além de garantir a execução do mesmo e evitar que haja atrasos que possam implicar a devolução de dinheiro a Bruxelas, por via da aplicação da ‘regra da guilhotina’, Nelson Souza também pode decidir fazer um ajustamento da execução por força da reserva de eficiência. Há margem para isso. Ou seja, apesar da reprogramação do Portugal 2020, há margem para decisões políticas, nomeadamente fazendo transferências entre programas operacionais.

“Há sempre clientes que se posicionam que não foram atendidos na reprogramação” e esta “não será uma pasta neutra”. “Há margem para decisões políticas”, explicou ao ECO uma fonte conhecedora do processo.

(Artigo atualizado no dia 17 de fevereiro às 18:35 com a confirmação da nomeação de Nelson Souza como ministro do Planeamento)

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