Falta flexibilidade no trabalho em Portugal. Colaboradores valorizam, mas preferem outros benefícios

  • Ricardo Vieira
  • 7 Maio 2019

Licenciados, jovens e mulheres são os trabalhadores que menos flexibilidade têm no mercado laboral português.

Um estudo sobre a flexibilidade no trabalho em Portugal revela que 61,1% dos inquiridos são obrigados a trabalhar nas instalações dos empregadores, 48,9% têm horários fixos de entrada e de saída, e 33,9% diz ser difícil alterar ligeiramente o horário de trabalho por motivos pessoais.

A grande maioria das pessoas (97,4%) valoriza a flexibilidade no trabalho. Estar com a família, explorar interesses pessoais, realizar outros projetos pessoais, sentir-se mais saudável e cuidar de si são as principais razões. No entanto, quando questionados sobre se abdicariam de outras condições de trabalho em virtude de maior flexibilidade, os trabalhadores assumem preferir remuneração mais alta, seguro de saúde ou bónus, trabalhar menos horas e realizar tarefas motivadoras e interessantes.

A análise da Polar Insight, em parceria com o Centro de Estudos em Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica Portuguesa, quis explorar o grau de flexibilidade do mercado de trabalho português e percebeu que as mulheres beneficiam de menor flexibilidade no trabalho do que os homens (com exceção para quem declara ter outras pessoas a cargo) e que os trabalhadores mais velhos têm mais facilidade em trabalhar fora das instalações da empresa do que os mais jovens.

Embora haja mais flexibilidade para quem tem habilitações mais elevadas, são sobretudo os licenciados aqueles que estão obrigados a cumprir funções dentro da empresa.

Assim, o perfil do “trabalhador flexível” é maioritariamente do género masculino, com idade acima dos 46 anos, rendimentos elevados, a trabalhar em grandes empresas, com responsabilidades de coordenação de pessoas.

Tendências que quebram o status quo

Este estudo quis também mapear os elementos que influenciam este ecossistema e identificar de que forma as relações laborais afetam, na prática, a sua adoção. “Ainda que, no momento atual, apenas poucos possam beneficiar do trabalho flexível, algumas tendências estão a quebrar lentamente o status quo”, lê-se no relatório. O ganho de confiança na economia portuguesa, que promove sensação de estabilidade e aumento na autoestima do trabalhador, o intercâmbio cultural, que dissemina novas práticas e rotinas laborais, e tem ajudado a instalar uma nova cultura de trabalho, bem como a nova geração de trabalhadores, jovens portugueses que já só conhece o trabalho em contexto de flexibilidade laboral, vêm alterar as regras do mercado.

Mas há ainda os desafios

“Em Portugal, assim como em muitos outros países, ainda prevalece uma cultura de presentismo — fazer-se presente, mesmo que as horas de trabalho não se traduzam em produtividade”, afirma o estudo que partilha o testemunho de um colaborador que afirma que “existe o estigma de que quem trabalha a partir de casa não está, na verdade, a trabalhar”.

“Quando crianças, somos educados para fazer o que nos dizem. Se não nos dizem, não fazemos”, partilha outro dos inquiridos. Uma ideia que sublinha a cultura da subserviência, presente no mundo laboral nacional.

Outras pessoas referem o medo do isolamento. Além disso, “do ponto de vista organizacional, o contacto presencial ainda é sentido como o elemento mais eficiente para a construção de vínculos que facilitam a comunicação e a troca de informação. A ausência física faz com que os trabalhadores se sintam, aos poucos, esquecidos”.

Por outro lado, há a “burocratização da flexibilidade”, em que as empresas criam regras acabando por ignorar as preferências pessoais de cada colaborador. Outro dos desafios, encontrados neste estudo, está nas sequelas da crise económica.

Percebeu-se que a exclusão social, a emigração da força de trabalho, a criação de novos postos de trabalho mal remunerados e o aumento da vinculação precária são algumas das consequências da crise de 2009 da zona euro que contribuíram para o desequilíbrio das relações laborais entre profissionais e organizações.

O reflexo nas condições laborais é claro. Quase metade das pessoas (46,8%) afirmou trabalhar mais de 40 horas por semana e, por norma, o mercado não recompensa quem trabalha horas suplementares, só 21,8% são recompensados. Apesar de elevados quando comparados com o salário mínimo nacional, os rendimentos da maioria dos entrevistados continuam longe da média da UE (67,7% ganha entre 1001 e 1500 euros). Em alguns setores, como a área de Tecnologias de Informação, estarem a mudar as regras do jogo, “na última década, mais do que discutir as relações laborais, o trabalhador português esteve preocupado em assegurar o seu emprego”, conclui o relatório.

Num país em que as empresas estão agora obrigadas a corrigir a desigualdade de género, o gap entre homens e mulheres é também evidente. As mulheres têm, em geral, habilitações mais elevadas do que os homens, contudo, apresentam rendimentos inferiores: 75,5% das pessoas com rendimentos mensais inferiores a 500 euros são mulheres e 78,9% das pessoas com rendimentos mensais superiores a 3500 euros são homens.

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