“Light” no Banif e “displicente” na CGD. Há 7 anos que as comissões de inquérito atacam o Banco de Portugal

Mais uma comissão de inquérito à banca, mais um rol de críticas ao Banco de Portugal. Parlamento voltou a carregar a fundo na adjetivação para reprovar supervisão na Caixa. Mas não é novidade.

“Burocrática”. “Displicente”. “Acrítica”. “Medo de confronto”. O Parlamento não foi meigo nas críticas à forma como o Banco de Portugal exerceu as funções de supervisão em relação à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Muitas destas falhas apontadas ao supervisor não são propriamente novidade nos inquéritos parlamentares aos bancos. São mesmo um déjà-vu em alguns casos.

Chegou esta semana ao fim mais uma comissão de inquérito à banca. Desta vez o alvo foi a CGD, que nos últimos meses mereceu a atenção dos deputados depois de o relatório da EY ter identificado perdas de 1.200 milhões de euros nos financiamentos mais ruinosos entre 2000 e 2015: Berardo, Vale do Lobo, Artlant incluídos. Onde estava o supervisor? Foi o que questionou o Parlamento. No final, sobraram as conclusões pouco abonatórias para o Banco de Portugal:

  • Foi exercida uma supervisão do sistema financeiro de forma burocrática e displicente, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez, de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações.
  • A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do Banco de Portugal, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes.
  • O Banco de Portugal tinha elementos, em particular o Relatório de Controlo Interno de 2008 e os resultados da Inspeção de 2011, que lhe teriam permitido uma intervenção mais atempada na CGD, com a consequente avaliação das práticas de gestão, concessão e acompanhamento de crédito, bem como da idoneidade dos administradores responsáveis.
  • O Banco de Portugal teve uma confiança extrema nas linhas internas de defesa das instituições — direção de risco, auditoria, administração — e externas — revisores e auditores –, tanto que nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas, atuou com celeridade, colocando assim em causa a utilidade da sua supervisão.
  • O Banco de Portugal, então liderado pelo Dr. Vítor Constâncio, não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia.
  • Verificou-se uma dualidade de critérios no tratamento dos casos semelhantes pelo Banco de Portugal.
Carlos Costa e Vítor Constâncio: Banco de Portugal voltou a ser o alvo da comissão de inquérito à banca.

Banco de Portugal chegou tarde e foi lento

Foi assim na Caixa, como já tinha sido no BES e no Banif, segundo os deputados: Banco de Portugal chegou tarde aos problemas nos bancos; e quando chegou não foi tão célere na resposta que deveria ser.

“Nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas, [o Banco de Portugal] atuou com celeridade”, escreveu João Almeida no relatório do inquérito ao banco público. Acrescentou de seguida que isto pôs em causa a “utilidade da sua supervisão”.

A mesma crítica em relação à lentidão da atuação do supervisor tinha sido apontada por anteriores comissões de inquérito, nomeadamente a que investigou o colapso do BES e das empresas Espírito Santo (vigorou de setembro de 2014 a abril de 2015) e a que se debruçou sobre a resolução do Banif e a venda do Santander (de fevereiro de 2016 a outubro de 2016).

Escreveu o relator Pedro Saraiva (PSD) nas conclusões do inquérito à falência do BES: “Mesmo com a presença de equipas permanentes de acompanhamento e inspeção do BES, indicadas pelo Banco de Portugal, existe uma clara dependência reativa da informação disponibilizada pelo BES, que torna especialmente difícil uma intervenção atempada, de índole preventiva ou proativa”.

No relatório do inquérito ao Banif, que foi resolvido em dezembro 2015, Eurico Brilhante Dias (PS) referia-se à “supervisão light exercida pelo Banco de Portugal e que se foi tornando mais intrusiva ao longo do tempo, mas tarde de mais. “A intrusividade tardia, ou a light supervision, não antecipou os graves problemas do modelo de negócio do Banif”, salientou o deputado relator. No final, ficou a triste constatação: “Infelizmente para o Banif, esta intrusividade foi tardia“.

Supervisão burocrática, formal…

O caráter “burocrático” da supervisão e a atuação “displicente” foram outras falhas apontadas por João Almeida à atuação do Banco de Portugal no caso da CGD. Mais: “a supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do Banco de Portugal, não exigindo mais informação do que aquela fornecida”. O supervisor demonstrou “mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraude”, concluiu o deputado centrista.

O receio de confronto legal com os bancos é uma crítica “original” ao Banco de Portugal. Mas não constitui tanta novidade o facto de se assumir que o Banco de Portugal podia ter feito mais na sua ação em pautada por um maior “formalismo”, ou seja, burocracia a mais. Esta crítica está evidenciada no relatório do inquérito ao BES/GES. “De forma transversal e comum nas diferentes vertentes de intervenção do Banco de Portugal é de destacar a adoção de uma postura essencialmente formal, nas suas posições (…)”, sublinhou o relator Pedro Saraiva.

Constâncio foi duas vezes à comissão de inquérito à CGD.Hugo Amaral/ECO

… e pouco eficaz

No relatório final do inquérito ao BES, o deputado social-democrata partiu do “formalismo” da supervisão para chegar a outra falha que também é geralmente apontada ao Banco de Portugal: a falta de assertividade. “Uma atitude porventura mais assertiva da parte do Banco de Portugal, ainda que com outro tipo de riscos envolvidos, poderia ter conduzido a uma antecipação e eventual diminuição dos impactos decorrentes da situação vivida no GES e no BES, bem como do modo como esta se desenvolveu, particularmente ao longo do ano de 2014″.

No caso do Banif, Eurico Brilhante Dias referiu que o sistema de informação de gestão do banco “tinha fortes debilidades” e não assegurava ao supervisor, “em tempo útil, os dados que permitissem uma supervisão mais eficaz, o que em grande medida também devia ter conduzido a uma ação mais diligente por parte do Banco de Portugal”.

"O Banco de Portugal, então liderado pelo Dr. Vítor Constâncio, não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia.”

João Almeida

Relator da comissão de inquérito à Caixa

Antes, num dos primeiros inquéritos feitos à banca (neste caso, o segundo inquérito ao BPN, nacionalizado em 2008 e que já custou 4.000 milhões aos contribuintes), o Parlamento concluiu que o “paradigma da supervisão prudencial exercida pelo Banco de Portugal permitiu o desenvolvimento dos atos ilícitos identificados no BPN”, quando podia ter exercido uma supervisão mais intrusiva.

Agora, sobre a atuação do supervisor em relação à Caixa, João Almeida chegou à conclusão de que “o Banco de Portugal, então liderado pelo Dr. Vítor Constâncio, não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia”.

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, também deu explicações no Parlamento por causa da Caixa.Paula Nunes / ECO

Inquérito à Caixa traz novas críticas

Faz sentido que muitas das críticas que são agora apontadas ao Banco de Portugal no caso da Caixa já tenha sido referenciadas em anteriores comissões de inquérito, na medida em que os problemas nos outros bancos (nomeadamente no BES e no Banif) foram contemporâneos em largo período de tempo.

Ainda assim, o último dos três inquéritos já feitos ao banco público acrescenta novos capital no que correu mal em termos de supervisão. Diz-se, por exemplo, que o Banco de Portugal teve mais medo de confrontar juridicamente o banco público do que os eventuais erros ou fraudes que poderia encontrar.

Outra falha que nunca tinha sido apontada ao supervisor: que tratou de forma diferente casos que eram aparentemente semelhantes. João Almeida refere-se à dualidade de critérios de Vítor Constâncio no caso do afastamento de Filipe Pinhal do BCP no final de 2007, no famoso “assalto” ao banco. “A invocação da impossibilidade legal de vetar ou afastar administradores, invocada amiúde pelo Banco de Portugal – designadamente nos casos de Francisco Bandeira ou Armando Vara — é desmentida pela forma como o mesmo Banco de Portugal usou de moral persuasion para afastar Filipe Pinhal, por razões que aliás se vieram a revelar justificadas pela sua posterior condenação criminal”, concluiu o deputado do CDS.

Na passada quarta-feira, depois da maratona de oito horas que aprovou o relatório final da CGD, ouviu-se a piada: até à próxima comissão de inquérito. Será caso para perguntar: também se vão repetir as críticas ao Banco de Portugal?

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