Os motores da economia mundial estão a gripar
Com as economias da Alemanha, Reino Unido e Brasil a encolherem, a China a crescer ao ritmo mais baixo dos últimos 27 anos e os EUA a abrandarem, as nuvens negras estão a cobrir a economia mundial.
Os principais motores da economia mundial estão a ‘gripar’ e fazem antever um final de ano mais complicado do que se pensava. Depois de Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo, verem as suas economias crescerem menos, agora foi a vez de a Alemanha apresentar uma contração no segundo trimestre do ano. O agravamento das tensões comerciais entre os maiores blocos económicos do mundo, a incerteza quanto ao Brexit e ao futuro político de países como Itália, Espanha, Bélgica e Brasil, assim como a instabilidade na China prometem complicações.
Christine Lagarde avisou no início de abril que 70% da economia mundial estava a abrandar. O Fundo Monetário Internacional cortou as previsões para a economia mundial para 3,5% este ano, Mario Draghi prometeu novos estímulos do BCE e a Reserva Federal já cortou as taxas de juro. Mas o cenário é cada vez mais negro e abrangente. Entre as 20 maiores economias do mundo, só o Japão e Taiwan estão a bater as expectativas. A China teve o seu pior crescimento em 26 anos e a Índia dos últimos cinco.
Europa: Tensões comerciais, Brexit e cada vez maior incerteza política
Depois de o Reino Unido ver a sua economia encolher pela primeira vez em sete anos, esta quarta-feira foi a vez de a Alemanha seguir o mesmo caminho. A contração da maior economia da União Europeia (e quarta maior economia do mundo) no segundo trimestre é um mau sinal, mas pior ainda é o abrandamento do crescimento nos últimos doze meses para 0,4%, o pior desde pelo menos 2014.
A justificação dada é a queda das exportações, o principal motor da economia alemã. Mas a Alemanha e o Reino Unido não estão sozinhos neste barco. Em França, a sexta maior economia do mundo, o crescimento económico abrandou pelo segundo trimestre consecutivo, de valores já de si anémicos. Itália, que tinha saído da recessão no início deste ano, voltou a estagnar. Espanha, que apresentava valores de crescimento mais robustos, viu a economia abrandar para o pior registo do último ano, e a Bélgica foi no mesmo sentido.
O crescimento económico no segundo trimestre já reflete parte da incerteza que está a afetar as decisões de investimento das famílias e das empresas, e também a queda nas exportações motivadas pelas crescentes tensões comerciais com os Estados Unidos e a China. No entanto, há um fator de risco acrescido que tem sido constantemente apontado pelas principais organizações internacionais que pode pesar ainda mais na segunda metade do ano: a incerteza política.
Em Itália, Matteo Salvini saiu da coligação governamental e apresentou uma moção de censura ao Governo italiano, abrindo espaço para a extrema-direita na liderança do país e a uma nova batalha com a Comissão Europeia devido ao orçamento italiano. Em Espanha, a força europeia de Pedro Sanchéz não lhe valeu de muito na formação do Governo e a incerteza sobre o futuro mantém-se, tal como na Bélgica onde não há sequer uma solução à vista. Mas o maior risco poderá ser mesmo o do Brexit. Com data marcada para o final de outubro, Boris Johnson assumiu a liderança do Governo britânico no segundo trimestre a exigir negociações que a União Europeia não está disposta a fazer, e o novo primeiro-ministro britânico já ameaçou uma saída sem acordo.
O Dragão constipou-se e a Ásia sofreu
Há muito que o crescimento da economia chinesa tem vindo a abrandar de taxas significativamente elevadas e o próprio presidente chinês, Xi Jinping, apresentou um plano económico para transformar a economia chinesa, reorientando-a para um modelo mais apoiado na procura interna. Esses novos planos não reduziram a ambição chinesa, que continua a investir pelo mundo fora para criar condições para a sua nova Rota da Seda.
No entanto, a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e a guerra comercial que se seguiu está a colocar problemas à economia chinesa, que no segundo trimestre deste ano cresceu 6,2%. Comparando com a maior parte das economias é uma taxa de crescimento robusta, mas para a China é o pior dos últimos 27 anos. E com as tensões comerciais longe do fim e a ameaça contínua dos EUA de aplicarem mais taxas aduaneiras sobre as importações chinesas, o cenário não é de melhoria.
A China enfrenta outro problema que pode colocar mais problemas à sua economia. Os confrontos em Hong Kong, que começaram como um protesto contra uma lei que permitia a extradição de suspeitos de crimes, tornou-se num confronto quase permanente entre a população da região especial económica e está a causar receios aos investidores daquela que é uma das zonas económicas mais importantes para os investidores estrangeiros na continente asiático, numa ilha cuja economia isoladamente é a 35.ª maior do mundo, substancialmente maior que a economia portuguesa, por exemplo.
Mas China não é um caso único a Oriente. A economia da Coreia do Sul (11.ª maior do mundo) também está a ser castigada severamente pelas tensões comerciais e contraiu 0,4% no início do ano, afetada pela diminuição na procura pelos semicondutores produzidos no país, ficando muito aquém das expetativas dos analistas. A economia da Indonésia (16.ª maior do mundo) também está a crescer menos, e Singapura, um dos principais hubs financeiros da região, contraiu 3,4% no início do ano. Só mesmo o Japão conseguiu contrair a tendência, com o investimento a puxar pelo crescimento económico.
Outra região que está a ser afetada pelo desempenho da economia chinesa é a Austrália, cuja economia acabou por crescer apenas 0,26% no primeiro trimestre do ano, o pior registo desde 2009.
A guerra comercial de Trump provoca danos colaterais
Os Estados Unidos têm vindo a gozar um período de crescimento económico mais robusto desde a administração de Barack Obama. A crise chegou mais rápido e bateu mais forte na maior economia do mundo, mas a recuperação também. No entanto, a guerra comercial que Donald Trump iniciou com a China, também afetou outros países, com a imposição de taxas aduaneiras e o fim de acordos comerciais com décadas.
Nos EUA, o crescimento económico já está a abrandar e no segundo trimestre caiu de 3,1% para 2,1%, levando mesmo a Reserva Federal a avançar com um corte nas taxas de juro, algo que não fazia desde dezembro de 2008, pouco depois da falência do Lehman Brothers e dos resgates a gigantes como a AIG. O presidente da Reserva Federal sinalizou que este corte era mais preventivo (outra novidade) e que iriam continuar a acompanhar a evolução da atividade económica.
No entanto, os sinais vindos da Europa e da Ásia, assim como a continuação das tensões comerciais, enviaram mais um sinal aos decisores políticos. Tradicionalmente os investidores exigem um juro mais elevado por dívida a mais longo prazo, como compensação de assumirem um risco maior de não serem pagos. No caso norte-americano, os juros exigidos pelos investidores para comprar dívida pública a muito curto prazo estão perto de ultrapassar os da divida a 10 anos, indicando que sentem mais receio pelos eventos no futuro próximo.
Este indicador tem as suas limitações, até porque os juros da dívida a longo prazo ainda estão afetados pelo quantitative easing posto em prática pela Reserva Federal — que retirou muitos destes títulos do mercado –, mas nos últimos 50 anos sempre que a economia dos EUA entrou em recessão esta curva inverteu sempre. Só por uma vez a curva inverteu sem que a economia norte-americana entrasse em recessão.
Mas não são só os EUA que estão a ser afetados. O fim do NAFTA e as novas restrições impostas pela administração norte-americana também fizeram danos nas economias mais próximas, como é o caso do Canadá que está a crescer apenas 0,1%, e do México que escapou por pouco a uma recessão no segundo trimestre, mas não conseguiu crescer mais que 0,1%.
A maior economia da América do Sul, o Brasil, também sofreu uma contração de 0,2% no início do ano e vê a atividade económica e o investimento a caírem, e o consumo privado e as exportações a abrandarem, numa altura em que o presidente brasileiro tenta fazer passar reformas difíceis, como a nova legislação sobre as pensões — que levou a protestos nas principais cidades brasileiras –, um vasto programa de privatizações e uma reforma fiscal abrangente. A conjuntura económica motivou o Governo a apresentar um programa de estímulos à economia avaliado em 11,2 mil milhões de dólares.
Se a situação não é fácil no Brasil, na Argentina, a segunda maior economia da região, é ainda mais complicada. O presidente Mauricio Macri perdeu as eleições primárias por uma larga margem para o centro esquerda, liderado por Cristina Kirchner, e não se entende com o líder da oposição para aprovar as reformas com que se comprometeu com o FMI. No primeiro trimestre, a economia argentina encolheu 5,8%, mas só na segunda-feira, um dia após as primárias, o peso argentina desvalorizou 30% face ao dólar, atingindo o valor mais baixo de sempre. E o impasse pode manter-se até dezembro, altura em que um novo Governo deve tomar posse.
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