Os obstáculos no caminho de Elisa para chegar à pasta mais desejada
Portugal pediu uma pasta económica e Elisa Ferreira foi a escolhida. Mas para aceder às pastas mais importantes, a socialista tem obstáculos e candidatos que podem complicar estas contas.
Elisa Ferreira foi o nome escolhido por Portugal para integrar a próxima Comissão Europeia e, com quase todos os países a indicarem as suas escolhas, começará um processo oficial de entrevistas para a escolha das pastas. Esta última dança das cadeiras ainda pode fazer cair alguns dos nomes apontados pelos países. A vice-governadora do Banco de Portugal está na lista para uma das pastas económicas da próxima Comissão, mas não está sozinha na corrida e a escolha pode enfrentar dificuldades, que vão da presidência do Eurogrupo estar nas mãos de Mário Centeno, a candidatos de última hora, como o italiano Pier-Carlo Padoan.
Tal como a escolha da estrutura de topo das principais instituições europeias, a escolha das pastas a atribuir a cada um dos países também vai envolver uma ginástica complexa, que tem de ter em conta cores partidárias, nacionalidades, equilíbrios regionais e acordos já feitos.
Elisa Ferreira chega à Comissão Europeia com um longo currículo em alguns dos principais dossiês económicos. Para além da sua experiência governativa e como vice-governadora do Banco de Portugal, a socialista foi eurodeputada e aí lidou na sua origem com alguns dos principais temas que os comissários com as pastas mais económicas terão que lidar, como é o caso da União Bancária, a União dos Mercados de Capitais e as regras do Semestre Europeu.
Essa experiência abre-lhe várias portas, mas a portuense não é a única a querer entrar e tem a concorrência de peso de alguns futuros comissários com experiência, mas, acima de tudo, outras questões políticas e de organização que podem influenciar a escolha da pasta a atribuir.
Comissária dos Assuntos Económicos
É a pasta mais apetecível dentro da Comissão Europeia. Quem a assumir terá um dos cargos com mais poder e destaque na Comissão Europeia, será o elo de ligação com o Eurogrupo, para além de ter a seu cargo temas como a análise dos orçamentos nacionais e a aplicação das regras orçamentais europeias, e ainda, se nada mudar, a pasta relativa às matérias fiscais. O comissário dos Assuntos Europeus tem ainda sob a sua alçada uma das mais poderosas direções-gerais da União Europeia, a Direção-Geral para os Assuntos Económicos e Financeiros.
Para já, Elisa Ferreira enfrenta um grande obstáculo para poder chegar a esta pasta: Mário Centeno. O ministro das Finanças português é o atual presidente do Eurogrupo, como tal muito dificilmente poderá ser escolhido outro português para assumir o cargo que faz a ligação com a Comissão Europeia.
Esta é o principal obstáculo, mas pode não ser fatal. Tudo depende da permanência de Mário Centeno no próximo Governo e, consequentemente, na presidência do Eurogrupo. Mas a continuação de Mário Centeno na próxima legislatura não é um dado adquirido. Em Bruxelas não há, nesta altura, vontade de renovar o mandato de Mário Centeno à frente do Eurogrupo quando este terminar o mandato, em meados de 2020. Se deixar de ser ministro das Finanças, Mário Centeno terá também de abandonar a presidência do Eurogrupo.
Já a favor da escolha de Elisa Ferreira para esta pasta concorrem pelo menos dois fatores importantes. O primeiro deles é que um dos acordos celebrados para fechar as nomeações para os cargos de topo da União Europeia em julho foi de que o próximo comissário dos Assuntos Europeus será um socialista. Neste leque, de países do euro e socialistas, só há dois candidatos com experiência para assumir esta pasta: Elisa Ferreira e a finlandesa Jutta Urpilainen.
A finlandesa tem a seu favor ter sido ministra das Finanças do seu país, de a Finlândia ter tentado concorrer a vários cargos, como a presidência do Banco Central Europeu e a direção-geral do FMI, falhando em todos. Mas Jutta Urpilainen enfrenta as suas próprias dificuldades. Em primeiro lugar, esta pasta já foi da Finlândia na última Comissão de Durão Barroso (cargo era de Olli Rehn).
Em segundo lugar, e não menos importante, tanto na campanha eleitoral como enquanto foi ministra das Finanças em 2011, Jutta Urpilainen foi uma das vozes mais públicas contra os resgates em países como o de Portugal, exigindo mais garantias para que o seu país participasse numa fase em que era pedida solidariedade aos países do euro. Chegou mesmo a levar um ‘puxão de orelhas’ do seu compatriota, na altura comissário dos Assuntos Económicos, Olli Rehn em relação ao bloqueio que estava a exercer numa altura crítica para a economia europeia.
Outras pastas mais económicas
Portugal transmitiu a Ursula von der Leyen que queria uma pasta económica e esta hipótese não se esgota na pasta dos Assuntos Económicas. Uma das alternativas é assumir a pasta dos Serviços Financeiros, uma pasta importante e que estava a cargo dos britânicos até ao referendo do Brexit, e que passou para as mãos do letão Valdis Dombrovskis em 2016.
Esta é uma pasta essencialmente financeira, com dossiês importantes como a União Bancária, a União dos Mercados de Capitais e muito do que é o futuro dos instrumentos financeiros que a Comissão Europeia tem vindo a tentar desenvolver no âmbito da reforma do euro, todos eles temas nos quais Elisa Ferreira tem experiência, tanto no Parlamento Europeu como no Banco de Portugal. Aliás, Elisa Ferreira era a escolha dos países para assumir a direção do Mecanismo Único de Supervisão do BCE, mas optou por não se candidatar.
Além desta pasta, há ainda a primeira pasta de Valdis Dombrovskis, a pasta do Euro. Neste caso, teria a seu cargo o semestre europeu e seria superior ao comissário dos Assuntos Económicos, podendo ter uma voz mais forte na decisão do lado da Comissão relativamente à abertura ou encerramento de Procedimentos dos Défices Excessivos, e nas negociações dos orçamentos com os diferentes países, tal como aconteceu com Portugal logo no início de 2016.
O próprio ministro das Finanças, Mário Centeno, disse esta terça-feira que “as suas qualificações na área financeira e economia são óbvias” e que espera “que sejam aproveitadas”.
Oito repetentes e a ameaça italiana
O elenco está quase fechado, faltando apenas a França apresentar o seu escolhido e a Itália formar um governo que seja capaz de fazer essa escolha. No caso de França, será difícil que aceda a uma das pastas mais importantes dentro da Comissão Europeia, considerando que conseguiu escolher a nova presidente do Banco Central Europeu e ainda liderou o processo de escolha do candidato europeu à liderança do FMI, mas nunca deixará de ter um papel relevante dentro da Comissão Europeia.
No entanto, se Emmanuel Macron escolher Sylvie Goulard, vice-governadora do Banco de França, para ser a próxima comissária, a questão pode complicar-se para Elisa Ferreira. É verdade que o cargo está negociado para os socialistas europeus, mas o presidente francês tem feito força pelos seus candidatos em todos os processos negociais nos últimos meses e tem tido resultados positivos.
Já Itália encontra-se num cenário bastante mais complexo. O Governo italiano tinha exigido uma pasta económica importante, tal como os Assuntos Económicos ou a Concorrência, mas a orientação ideológica e os conflitos permanentes com a Comissão Europeia — relativamente ao seu próprio orçamento e à política de imigração — e com os líderes europeus durante o processo de escolha do presidente da Comissão Europeia, deixam a terceira maior economia da zona euro numa posição complicada.
Muito vai depender do equilíbrio de forças do próximo Governo italiano, ainda a ser negociado, mas que pode incluir o Partido Democrático em vez da Liga do Norte de Matteo Salvini, para além do Movimento 5 Estrelas, o partido com mais lugares no Senado italiano.
Dentro dos nomes que se falam de possíveis comissários italianos, há um que pode limitar as opções de Elisa Ferreira. É o caso de Pier-Carlo Padoan. O independente ligado aos socialistas italianos foi ministro das Finanças até às últimas eleições em Itália e era o nome mais forte para assumir o cargo de presidente do Eurogrupo em 2018, quando Mário Centeno foi eleito. No entanto, quando percebeu que as eleições não iriam permitir que continuasse como ministro, aquele que era o escolhido dos socialistas europeus para o cargo saiu da corrida e abriu espaço a Mário Centeno.
A única dúvida que resta além destes dois, é qual dos dois nomes apontados pelo Governo romeno será escolhido pela presidente eleita da Comissão Europeia. O resto do elenco já está fechado e inclui oito comissários que vão voltar — Áustria, Holanda, Dinamarca, Letónia, Bulgária, Eslováquia, República Checa e Irlanda — e ainda o porta-voz da Comissão de Jean-Claude Juncker, Margaritis Schinas, que foi nomeado por Atenas para ser o seu próximo comissário.
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