Quem fica mal na “fotografia” do Luanda Leaks?

A fuga do Luanda Leaks não põe só em causa a família Dos Santos. PwC, Boston Consulting Group, BdP e CMVM também podem ficar mal na "fotografia", além, claro, do EuroBic.

Isabel dos Santos foi “apanhada” nas malhas do Luanda Leaks, um conjunto de mais de 715 mil documentos que expuseram como a empresária angolana terá lucrado às expensas do erário publico de Angola, país que foi chefiado pelo pai, José Eduardo dos Santos, ao longo de quase quatro décadas.

Para além da própria gestora e do marido, Sindika Dokolo, uma série de outras personalidades e empresas ficam mal nesta “fotografia”. Isabel dos Santos, de resto, tem negado todas as acusações de irregularidades, garantindo que os negócios que protagonizou respeitaram a lei.

PricewaterhouseCoopers

A PwC tratava da contabilidade dos negócios de Isabel dos Santos, prestando ainda serviços de consultoria e aconselhamento fiscal. A consultora trabalhou com, pelo menos, duas dezenas de empresas ligadas à filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos.

O The New York Times, um dos jornais que trabalhou nos Luanda Leaks com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), conta que Isabel dos Santos tem um longo passado com a PwC. Desde logo, após ter-se graduado no King’s College em Londres, Isabel dos Santos foi trabalhar para a Coopers & Lybrand, uma das empresas que resultou na atual PwC após uma fusão.

O principal gestor financeiro da empresária, Mário Leite da Silva, ex-chairman da joalheira De Grisogono, outra das empresas no portefólio da família Dos Santos, também foi “aluno” da PwC. E o jornal norte-americano escreve que, quando assumiu a liderança da Sonangol, o homem escolhido por Isabel dos Santos para o cargo de administrador com o pelouro financeiro da Sonangol foi Sarju Raikundalia, então partner da PwC.

A PwC auditou relatórios financeiros de empresas de Isabel dos Santos, deu consultoria ao marido da gestora e também à Sonangol. Entre os documentos do Luanda Leaks está um email que mostra como os contabilistas da PwC, em 2014, aceitaram ocultar num relatório financeiro que Dokolo e o Governo angolano eram os beneficiários efetivos de uma empresa maltesa que controla a joalharia De Grisonoro.

Em suma, apesar dos indícios, os auditores da PwC optaram por não reportar eventuais suspeitas na relação com a família Dos Santos. E, esta segunda-feira, o ECO teve acesso a um comunicado interno no qual a consultora pede aos colaboradores para que se mantenham em silêncio no que toca à crise Luanda Leaks.

Boston Consulting Group

Os documentos do Luanda Leaks mostram como a joalharia De Grisogono, adquirida por Sindika Dokolo em parceria com a empresa estatal de diamantes Sodiam, acabou por ser gerida por uma equipa contratada ao Boston Consulting Group. John Leitão, trabalhador da empresa de consultoria, chegou a ser presidente executivo da De Grisogono.

Oficialmente, o Boston Consulting Group garante que só trabalhou com a De Grisogono em três projetos, cessando o envolvimento em 2013. No entanto, esse foi o ano em que alguns trabalhadores começaram a deixar a empresa para ingressarem na joalharia, ocupando cargos como chairman, administrador financeiro e administrador de operações, lado a lado com John Leitão.

A De Grisogono é um dos cinco negócios suspeitos do universo de Isabel dos Santos, envolvendo uma operação que terá lesado em milhões os cofres públicos de Angola e que contou com a ajuda de decretos presidenciais de José Eduardo dos Santos e um financiamento do EuroBic com garantia estatal e juros de 9%.

Não há indícios de que o marido de Isabel dos Santos tenha, efetivamente, investido capitais próprios na compra da joalharia, apesar de a aquisição ter partido de uma suposta parceria entre Dokolo e a Sodiam.

Além disso, quando o Boston Consulting Group e a McKinsey, outra consultora, aceitaram um contrato para ajudarem na reestruturação da Sonangol, concordaram em ser pagos não pelo governo angolano, mas através de uma empresa com sede em Malta, controlada por Isabel dos Santos. Depois, Eduardo dos Santos colocou a filha à frente da petrolífera e foi aí que os pagamentos da Sonangol dispararam, chegando a totalizar mais de 100 milhões de dólares, em poucos meses, a uma empresa no Dubai, detida por uma amiga da empresária.

Para o jornal norte-americano, o Boston Consulting Group está no grupo das empresas que facilitaram Isabel dos Santos e a família a lesarem o Estado de Angola, prejudicando os cidadãos de um país empobrecido.

Banco de Portugal

Segundo o Expresso, a 15 de novembro de 2017, a conta da Sonangol no EuroBic tinha 57,4 milhões de dólares, dia em que Isabel dos Santos foi demitida da liderança da petrolífera pública angolana pelo novo presidente, João Lourenço. Terminou o dia seguinte com 308 dólares, após vários pagamentos suspeitos alegadamente autorizados por Isabel dos Santos a uma empresa no Dubai, controlada por uma amiga da empresária.

Não é de agora: o Banco de Portugal, supervisor da banca portuguesa, já era criticado por não ter detetado ou travado estas transferências suspeitas. Veja-se o caso dos tweets da ex-eurodeputada Ana Gomes, que motivaram uma queixa-crime por parte de Isabel dos Santos, através da qual a justiça acabou por dar razão a Ana Gomes.

Em outubro, a socialista disse que “Isabel dos Santos endivida-se muito porque, ao liquidar as dívidas, ‘lava’ que se farta […] e o Banco de Portugal não quer ver”. E pressupôs que daria “jeito” a Isabel dos Santos ter uma conta no EuroBic por este estar na rede SWIFT e na Zona Euro, pelo que o dinheiro “passa por lá para liquidar as dividas junto de outros bancos”. A suspeita levantada por Ana Gomes era a de branqueamento de capitais.

As críticas à alegada inércia do Banco de Portugal subiram de tom esta segunda-feira, depois da divulgação dos Luanda Leaks. Pouco depois das primeiras notícias, o supervisor veio anunciar que pediu mais informações ao EuroBic sobre as práticas seguidas na prevenção de branqueamento de capitais, admitindo penalizações em caso de ilegalidades. E Carlos Costa reiterou que estas informações serão utilizadas na avaliação feita à gestão do banco.

Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

Tal como o BdP, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tem sido igualmente criticada por, alegadamente, ter pecado por omissão, ao não ter feito as devidas diligências em relação às posições financeiras de Isabel dos Santos em múltiplas empresas portuguesas: Galp Energia, EuroBic, Nos, Efacec…

Esta segunda-feira, Ana Gomes também fez mira à CMVM, acusando este regulador de ser “conivente” com os esquemas alegadamente fraudulentos de Isabel dos Santos, a par do BdP e da Procuradoria-Geral da República.

“Obviamente que as autoridades não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o BdP e a CMVM, autoridades políticas e judiciais deveriam ter atuado. Muita desta informação já se sabia, além das minhas denúncias concretas”, disse a antiga eurodeputada socialista.

Jorge Brito Pereira (Uría Menéndez)

O Expresso, membro do consórcio que expôs os Luanda Leaks, noticiou como Isabel dos Santos terá esvaziado a conta da Sonangol ao longo de poucos meses, mas, sobretudo, no último dia à frente da empresa.

No centro do esquema estará uma empresa offshore no Dubai, com o nome de Matter Business Consulting, para a qual foram transferidos quase 58 milhões de euros em várias transferências num único dia.

De acordo com o jornal, essa empresa offshore é “controlada por Jorge Brito Pereira”, advogado de Isabel dos Santos, partner da Uría Menéndez, a sociedade de Daniel Proença de Carvalho, e chairman da operadora Nos.

Esta segunda-feira, Jorge Brito Pereira veio negar ter “qualquer intervenção” na Matter, para a qual terão sido desviados um total de 115 milhões de dólares de dinheiros públicos, a não ser a constituição da sociedade.

“Não tenho, nem nunca tive, qualquer ação nessa sociedade, nunca ocupei qualquer cargo nos órgãos sociais, nunca movimentei qualquer conta bancária e, em suma, nunca tive qualquer intervenção que não a de constituir formalmente a sociedade, com os poderes que me foram conferidos pela sua acionista única, no exercício da minha profissão de advogado”, disse, citado pelo Observador.

No entanto, o advogado não nega a existência de uma “procuração” em seu nome, que justifica como sendo “um documento geral e estandardizado”. Na reação, reconhece que, “efetivamente”, essa procuração lhe conferiu “um conjunto de poderes latos e abrangentes”, mas garantiu que os mesmos “nunca foram” exercidos.

EuroBic

As ligações de Isabel dos Santos ao EuroBic já tinham feito incidir os holofotes sobre o banco liderado por Teixeira dos Santos. As acusações de Ana Gomes eram as de que a instituição, da qual a empresária é acionista, seria usada por Isabel dos Santos para lavagem de dinheiro.

Mais: o EuroBic terá permitido a transferência de milhões de euros da conta da Sonangol para o offshore associado a Isabel dos Santos no Dubai.

O EuroBic já estava na mira das autoridades, nomeadamente do BdP. No início deste mês, foi conhecido que o BdP iniciou uma inspeção ao EuroBic que incide sobre os mecanismos de controlo do branqueamento de capitais. Esta inspeção surgiu na sequência de outra, em 2015, que resultou numa série de medidas a implementar pelo banco.

O BdP solicitou, entretanto, ao EuroBic informações sobre as práticas seguidas na prevenção de branqueamento de capitais, admitindo penalizações em caso de ilegalidades. Isto já depois de o banco liderado por Teixeira dos Santos ter anunciado o fim das relações comerciais com a sua principal acionista, Isabel dos Santos, bem como a realização de uma auditoria às transferências da Sonangol para o Dubai.

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