Coronavírus ensombra maior feira de calçado do mundo. Portugal leva representação reduzida
Começa hoje a maior feira de calçado do mundo que reúne milhares de visitantes de mais de 30 países. Perante o perigo do coronavírus, os empresários estão preocupados e dizem que irá afetar a Micam.
Começa este domingo, em Milão, a maior feira de calçado a nível mundial, a Micam. Já vai na 89.ª edição, reúne cerca de 1.300 expositores e recebe mais de 43 mil visitantes profissionais, sendo 60% estrangeiros. No total, 69 empresas portuguesas estão representadas neste evento que decorre até quarta-feira, dia 19 de fevereiro. Portugal volta a destacar-se como a segunda maior delegação estrangeira, ao representar 12% dos expositores estrangeiros, sendo apenas superado por Espanha.
Este ano a feira é marcada pelo coronavírus que já levou ao cancelamento do Mobile World Congress em Barcelona. As empresas portuguesas que marcam presença em Milão consideram que o coronavírus vai ter um impacto negativo no evento e apontam o facto de haver muitas baixas, principalmente dos países asiáticos.
“O coranavírus está a afetar bastante até porque os nossos clientes da Ásia não vão aparecer e isso é uma baixa muito grande”, lamenta Pedro Abrantes, fundador da “As Portuguesas”. “Contarmos só com clientes europeus e americanos é muito pouco para uma feira internacional desta dimensão”, explica ao ECO.
O empresário acrescenta ainda que dois dias antes do início da Micam existiam “imensas ofertas de alojamento em Milão, o que noutras edições não aconteceria. A taxa de cancelamento foi brutal”, frisa.
“As Portuguesas”, joint venture entre a Fly London, que pertence ao grupo Kyaia, e a Corticeira Amorim, exporta 80% da sua produção e os principiais mercados são os EUA, Alemanha, Reino Unidos e países asiáticos, nomeadamente a China, Japão, Coreia, Singapura e Filipinas. “A última edição foi um sucesso para nós porque conseguimos angariar imensos clientes asiáticos e fazer bons negócios. Este ano não será assim. E para nós o impacto será brutal“, refere Pedro Abrantes.
“Dois dias antes do começo da feira recebemos um email de um cliente asiático a confirmar que não estará presente no evento porque Itália suspendeu os voos provenientes ou com destino à China”, conta, por seu turno, Hugo Ferreira, comercial da Centenário, empresa com 79 anos. Na sua avaliação o coronavírus vai afetar bastante a Micam.
A Centenário exporta 95% da produção e apesar do mercado asiático não ser o principal mercado da empresa, Hugo Ferreira sublinha que sempre tiveram muitos visitantes asiáticos no stand da Micam em anos anteriores e que este é um “mercado que tem vindo a crescer”.
Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (Apiccaps) tem uma opinião diferente e considera que o setor está a encarar com tranquilidade a questão do coronavírus e não foi isso que fez os empresários portugueses deixarem de marcar presença.
“Todas as empresas que estavam previstas estar na feira estão, não tivemos nenhuma desistência. Vamos ter cerca de 400 portugueses que viajam nos próximos dias para Milão e não tivemos nenhum expositor português que deixasse de viajar por esse motivo. É necessário ter cuidados e especial atenção, como tem alertado a Organização Mundial de Saúde e Direção Geral de Saúde, e esperar que tudo volte à normalidade num curto espaço de tempo”, explica ao ECO Paulo Gonçalves.
Só a comitiva portuguesa vai fazer cerca de 600 viagens de avião para estar presente neste evento internacional.
O coranavírus está a afetar bastante até porque os nossos clientes da Ásia não vão aparecer e isso é uma baixa muito grande.
Paulo Gonçalves destaca que a grande questão é o clima de instabilidade. “O que nos preocupa em particular é o clima de incerteza, porque este ambiente é sempre prejudicial aos setores”, refere.
A China é o principal player na indústria de calçado à escala internacional. No entanto, o peso da China na produção mundial de calçado está em queda. Mesmo antes do surgimento do coronavírus, a China já estava a perder terreno. Em 2018, o crescimento da produção chinesa foi de 7% enquanto o crescimento da Índia, por exemplo, ascendeu a 25,2%.
Em 2018, a China assegurou 55,8% da produção mundial de calçado. Uma quota consideravelmente inferior à registada em 2011, que ascendia a 62,4% do total, segundo dados do World Footwear Yearbook.
Empresas que pisam a Micam pela 1ª vez também estão preocupadas
A Original Life e a Nevoa são empresas recentes que vão estrear-se na maior feira mundial de calçado. Para Vítor Magalhães, um dos fundadores da Original Life, este surto está a provocar um abrandamento a nível mundial e “vai afetar bastante a Micam, porque existem muitos clientes que não vão aparecer”, refere. Apesar de o principal mercado da Original Life ser o europeu, a marca já conta com clientes no Japão e na Coreia do Sul.
Vítor Magalhães lembra ainda que caso alguém seja infetado, a consequência de “ficar de quarentena, em Itália, é um risco que muitos não estão dispostos a correr“.
A Nevoa também é uma marca recente, que acaba de desenvolver a primeira coleção para apresentar na Micam. A fundadora Beatriz Vasconcelos está convicta que o coronavírus vai ter um impacto negativo no evento. “É um bocado assustador porque devido ao coronavírus vai muito menos gente à Micam. O nosso público-alvo não é o mercado asiático, mas sim os países nórdicos. Por isso, não acredito que vá afetar muito a Nevoa, mas acredito que irá afetar a feira em si”, refere a fundadora da Nevoa.
Para além da Micam (calçado), decorrem no mesmo período mais duas feiras internacionais em Milão: a Mipel (artigos de pele marroquinaria) e a Lineapelle (componentes de calçado). Estes três eventos internacionais vão juntar mais de 80 empresas portuguesas, responsáveis por criar 8.500 empregos e 600 milhões de euros de exportações. Paulo Gonçalves, da Associação Portuguesa do Calçado destaca que as empresas nacionais fizeram um investimento cerca de 1,5 milhões de euros para estarem presentes nesta feira.
Mercado inglês está a perder terreno. A culpa será do brexit?
O Reino Unido deixou oficialmente a União Europeia, 47 anos depois de entrar. As negociações para definir a futura relação económica e política entre a Europa e o Reino Unido vão arrancar em março. As empresas estão mais tranquilas, mas ao mesmo tempo continuam expectantes.
“Vendemos bem para o Reino Unido, no entanto a indefinição causa intranquilidade. No Reino Unido vendemos em libras, e com a queda da moeda estamos a perder margem. Esta indefinição fez com que as pessoas não comprassem tantos produtos e tivessem mais medo e incertezas. Houve, efetivamente, uma quebra grande nas vendas para o Reino Unido”, destaca Pedro Abrantes, o fundador da “As Portuguesas”.
“O mercado inglês já foi mais relevante para as empresas portuguesas do que é hoje (…) o peso relativo ao mercado inglês tem diminuído substancialmente ao longo destes últimos anos. No ano 2000 as exportações para o Reino Unido significavam cerca de 30%, hoje não chega a 7% sequer”, explica Paulo Gonçalves.
O diretor de comunicação da Associação Portuguesa do Calçado refere ainda que, segundo as informações que têm, “o setor do calçado não será penalizado nos acordos que vão ser concluídos entre a CE e o próprio Governo britânico (…) e não está previsto que as empresas portuguesas tenham que pagar algum tipo de taxas para exportar para o Reino Unido”. Todavia, explica que “se os controlos alfandegários e afins forem demorados, isso pode ter consequências para as nossas empresas e esperamos que isso não venha a acontecer”, refere Paulo Gonçalves.
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