Grande alvo do fundo de recuperação é evitar maior divergência
O comissário europeu defende que "as subvenções são fundamentais no quadro das pequenas e médias empresas em setores atingidos de forma mais forte" pela pandemia.
O comissário europeu da Economia garantiu hoje que o grande alvo do fundo de recuperação que Bruxelas está a preparar é “evitar ou reduzir ao mínimo o risco de maior divergência económica” entre os Estados-membros.
Em entrevista à Lusa e a três outras publicações europeias, Paolo Gentiloni escusou-se a revelar detalhes da proposta que a Comissão, mandatada pelo Conselho, apresentará em breve, até porque o trabalho ainda está em curso e restam decisões em aberto, mas adiantou que os dois grandes critérios no apoio a ser prestado será o impacto da pandemia da covid-19 nos países e nas regiões, mas também nos setores da economia.
No dia em que apresentou as Previsões Económicas da Primavera – que antecipam uma contração recorde de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano na zona euro –, o comissário italiano apontou que “a mensagem principal é que é preciso agir para evitar ou pelo menos reduzir o risco de que uma crise comum, que não tem origem relacionada com decisões singulares de países, possa ter consequências económicas muito distintas”.
“Este é o ponto de partida de uma resposta comum europeia. Devemos evitar ou pelo menos reduzir ao mínimo que, de uma crise comum, saiamos com consequências económicas muito diferenciadas, e elas já estão presentes nas nossas previsões”, sublinhou, reportando-se ao facto de, apesar de a crise ser simétrica, a Comissão já antecipar graus muito distintos de contração e de retoma das economias dos Estados-membros.
Gentiloni argumentou que “os países não estão nas mesmas condições”, e um dos aspetos que é necessário ter em conta é “a importância em diferentes países dos setores da economia mais afetados, e, neste momento, isso significa sobretudo o turismo, e as indústrias de viagens e alojamento e ‘catering’”.
O comissário assinalou a propósito que países como Itália e Espanha não só foram dois dos mais atingidos pela covid-19, e consequentemente forçados a confinamentos muito rígidos, com também são países “onde o turismo é fundamental”, tal como acontece em Portugal.
“O critério que orientará as prioridades na nossa ação de recuperação deve estar sobretudo relacionado com os países e regiões mais afetados pelo surto, primeiro critério, e em segundo lugar os setores mais afetados”, disse, recordando que essa ideia já está “bem expressa nas conclusões do Conselho Europeu de há duas semanas”.
“Estes são os critérios. Quanto ao montante, os meios deste plano de recuperação, o ‘mix’ entre empréstimos e subvenções e o calendário, ainda está em discussão. Mas o alvo é claro: os setores e os países e regiões mais afetados, porque temos de utilizar este fundo comum para reduzir o risco de divergência económica, este é o alvo macroeconómico fundamental”, prosseguiu.
Quanto ao equilíbrio entre subvenções e empréstimos na forma do apoio que será prestado aos Estados-membros – uma das questões-chave do futuro fundo de recuperação e que poderá voltar a evidenciar divergências entre os países ‘frugais’ e os Estados do sul –, o comissário disse que “ainda não foi tomada uma decisão”, mas deixou já uma ‘pista’.
“Obviamente que as subvenções são fundamentais no quadro das pequenas e médias empresas em setores atingidos de forma mais forte pela crise e pelo confinamento, porque a liquidez e sistema de garantias para empréstimos é importante para os Estados-membros e para grandes empresas, se os prazos dos empréstimos forem longos, mas há um número grande de pequenos negócios, por exemplo no turismo, que estão a lutar pela sobrevivência, e não apenas por liquidez, e eles têm de ser ajudados”, disse.
Comissão será “guardiã dos Tratados” face a sentença de tribunal alemão
A Comissão Europeia atuará como guardiã dos Tratados, que definem claramente o primado das regras europeias e a independência do Banco Central Europeu (BCE), garantiu esta quarta-feira o comissário da Economia, referindo-se ao acórdão do Tribunal Constitucional alemão.
Em entrevista concedida esta quarta-feira à Lusa e a três outras publicações europeias, um dia depois de o tribunal alemão ter exigido ao BCE que no prazo de três meses justifique a conformidade do seu mandato para as vastas compras de dívida, numa sentença com implicações incertas, Paolo Gentiloni apontou que o tema foi discutido na reunião semanal de hoje de comissários, tendo todo o colégio partilhado a mesma ideia.
“Relativamente à decisão do Tribunal Constitucional alemão, nós tivemos esta manhã durante o colégio uma apresentação pelo responsável dos serviços jurídicos, e concordámos em absoluto com a primeira reação que foi emitida ontem [quarta-feira], e que basicamente diz duas coisas: por um lado, para nós a primazia das regras da UE e do Tribunal de Justiça da UE não está em causa, e em segundo lugar, mas da mesma importância, apoiamos em absoluto a independência do BCE, e a sua independência em definir a política monetária da União”, sublinhou.
Recordando que já no passado a Comissão Europeia teve de lidar com sentenças contraditórias, Gentiloni garantiu que o executivo comunitário, enquanto “Guardião dos Tratados”, vai seguir o mesmo caminho de sempre, de defender o primado do direito europeu.
“Vamos ser os guardiões dos Tratados, e isso significa duas coisas muito claras: a primazia no direito europeu é europeia, e não de tribunais nacionais, e, em segundo lugar, a independência do BCE é um pilar do nosso projeto europeu, pelo que não creio que haja consequências [desta sentença], pois estou confiante de que o Guardião dos Tratados, a Comissão, atuará nesta direção após esta decisão, tal como fizemos após outras decisões de outros tribunais constitucionais e outros tribunais de Estados-membros”, disse.
Questionado sobre se a sentença do tribunal alemão pode de alguma forma complicar o estabelecimento do fundo de recuperação, Gentiloni disse não acreditar que esse seja o caso, “até porque a decisão é dirigida a algumas políticas do BCE” que não as respostas à atual crise da covid-19, e afirmou até crer que incentivará uma resposta comum dos Estados-membros.
“Paradoxalmente, até pode ter um efeito contrário. Se houver uma discussão sobre o BCE, até pode constituir uma chamada de despertar para aquilo que frequentemente [o antigo presidente do BCE] Mario Draghi e [a atual presidente] Christine Lagarde pediram aos Estados-membros, para terem ferramentas comuns de política orçamental, não deixando apenas ao BCE o papel de enfrentar momentos difíceis e crises”, apontou.
Reforçando essa ideia, Gentiloni considerou que “paradoxalmente, [a posição do Tribunal Constitucional alemão] é mais um incentivo para um plano de recuperação, não é algo que enfraqueça o argumento” para o mesmo.
À luz da decisão do Tribunal Constitucional alemão, o banco central alemão (Bundesbank) será proibido de participar neste programa anticrise se “o Conselho do BCE” falhar em demonstrar, “de maneira compreensiva e substancial”, “que não excedeu os tratados europeus”.
Com esta sentença, o tribunal alemão declarou que o programa de compra de dívida do BCE, adotado em 2015, é parcialmente contrário à Constituição da Alemanha, mas sublinhou que “não foi capaz de estabelecer uma violação” pelo BCE da proibição de financiar diretamente os Estados europeus.
Em 2017, o Tribunal Constitucional assumiu ter dúvidas de que a compra de ativos fosse compatível com a proibição de financiamento monetário, reencaminhando a sentença para o Tribunal de Justiça Europeu (TJE), que considerou que o programa do BCE não viola o direito da União.
O programa de compra de ativos do BCE tem sido determinante para manter as taxas de juro da dívida dos países da zona euro mais endividados em níveis baixos.
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