Dos comboios às barragens, tudo o que já se sabe do Plano de Recuperação

O plano que vai determinar a chegada de cerca de 13 mil milhões a Portugal será apresentado esta terça-feira. Mas ainda há muito caminho a percorrer até o plano entrar em ação.

A pandemia de Covid-19 veio trocar as voltas à sociedade, aos Governos e às empresas. Para fazer face ao impacto do vírus, a União Europeia (UE) desenhou um fundo, do qual Portugal vai receber uma soma avultada. A parte difícil agora é dividir esse dinheiro, uma tarefa na qual os partidos e parceiros estão também envolvidos, mas existem já regras europeias apertadas para seguir. Afinal, o que já se sabe do Plano de Recuperação e Resiliência que Portugal vai ter de entregar a Bruxelas para ter acesso aos fundos?

Primeiro, o bolo total da UE é de 312,5 mil milhões de euros de subvenções e 360 mil milhões de euros de empréstimos. Portugal candidata-se a receber uma fatia de cerca de 12,9 mil milhões de euros em subvenções (a fundo perdido), através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, e poderá ainda obter um valor máximo de 15,7 mil milhões de euros de empréstimos.

Com estes montantes, Portugal será o quarto país da UE mais beneficiado por este fundo de recuperação, segundo as contas do Banco Central Europeu. Fica apenas atrás da Grécia, Bulgária e Croácia, que será o Estado-membro mais beneficiado.

1 plano, 3 gavetas

Apesar de cada país desenhar o seu plano, delineando onde quer gastar as verbas europeias, existem algumas restrições definidas pela Comissão, a partir dos objetivos comuns dos países. Desta forma, 37% do plano tem de se dedicar à transição climática, enquanto 20% deverão focar-se na transição digital.

No plano português, construído a partir da Visão Estratégica de António Costa e Silva, são postos de parte 2,7 mil milhões de euros para a transição climática, repartidos entre Mobilidade Sustentável, Descarbonização e Economia Circular e Eficiência Energética e Renováveis. A primeira prevê ações como a renovação do material circulante dos suburbanos e regionais e a descarbonização dos transportes públicos rodoviários, enquanto a segunda prevê, por exemplo, o programa de apoio à descarbonização e aumento da eficiência energética das empresas. Já a terceira contempla a Estratégia Nacional para o Hidrogénio e Gases renováveis.

Este montante apenas representa 21% das verbas totais, fugindo assim às divisões exigidas. No entanto, o primeiro-ministro garante que há medidas dos outros blocos que também são “elegíveis” para serem classificadas como promotoras da transição climática.

Quanto à transição digital, o montante definido foi de 3 mil milhões de euros, cuja percentagem acaba por ser superior à exigida por Bruxelas. Esta vai dividir-se por três eixos: a Escola Digital, as Empresas 4.0 e a Administração Pública, que irá absorver a maior parte do valor desta área. Será utilizada, por exemplo, para a capacitação digital da Justiça, o Portal Único de serviços públicos e a capacitação e qualificação da Administração Pública.

Esta aposta na Administração Pública acabou por receber elogios de uma parte inesperada. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal apontou, após reunião do Conselho Económico e Social onde se discutiu o plano, que “uma melhor Administração Pública, mais moderna, traz seguramente desburocratização” e isso, por sua vez, representa uma maior “facilidade” para a envolvente empresarial.

O restante dedica-se à “resiliência”, que vai obter a maior fatia. São 7,2 mil milhões de euros, divididos entre vulnerabilidades sociais, o potencial produtivo e a competitividade e coesão territorial. A primeira dedica-se principalmente à saúde e habitação, prevendo equipamento para hospitais, mas também a reestruturação da habitação social, com um investimento de 3.200 milhões de euros.

Já o potencial produtivo contempla o investimento e inovação com qualificações profissionais, mas também a “capitalização de empresas e resiliência financeira/Banco de Fomento”, com um montante de 2.500 milhões de euros. Esta fatia dedicada às empresas recebeu críticas de vários quadrantes, nomeadamente dos partidos à direita e dos patrões.

António Saraiva, apesar de reconhecer o papel da Administração Pública, salientou também a importância das empresas ficarem mais “robustas”, sendo nesta perspetiva “fundamental promover fusões e concentrações, a capitalização e recapitalização das empresas, formação, qualificação e requalificação dos recursos humanos”.

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal também expressou preocupação com o “diminuto montante financeiro a afetar a projetos empresariais”, que surge apenas contemplada neste campo e na transição digital. Estes comentários juntaram-se às opiniões já expressadas pelos partidos de direita, que apelavam a uma maior aposta nas empresas, com Rui Rio a dizer que o “grosso do objetivo” deveria ser dedicado às companhias.

Em resposta a estas críticas, o ministro do Planeamento apontou que esta é uma apreciação “muito limitada e redutora, apenas sustentada na contabilidade do quinhão de financiamento diretamente atribuído às empresas”, no debate no Parlamento sobre o plano. Nelson de Souza defendeu a opção, sublinhado que “o setor privado não está na atual conjuntura nas melhores circunstâncias para investir e que só o Estado pode desempenhar essa função de imediato na economia em escala mais alargada”.

Quanto à rubrica da competitividade e coesão territorial, que tem previstas verbas de 1.500 milhões de euros, os principais investimentos contemplados são os meios aéreos para incêndios rurais, mas também o Plano de eficiência hídrica do Algarve, além da Barragem do Pisão.

Esta segunda, o jornal Público revelou já algumas medidas concretas, nomeadamente a intenção do Governo de construir duas novas pontes para Espanha. Outras das medidas que vão constar no esboço do plano são mais de 8.000 camas de cuidados integrados e paliativos, 1.250 milhões de euros para garantir a habitação a 26 mil famílias, um elétrico rápido em Loures, um autocarro autónomo no Porto, onze novas estações de tratamentos de lamas, meios aéreos próprios e 9.100 quilómetros de faixas de gestão combustível.

O primeiro-ministro explicou, no debate sobre o plano no Parlamento, que a primeira prioridade a assumir é “responder às vulnerabilidades sociais que a crise sanitária mais evidenciou”, ou seja, continuar a reforçar o Serviço Nacional de Saúde, melhorar as respostas sociais aos mais idosos, responder às variadas carências habitacionais e “integrar os territórios de exclusão que fraturam as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”.

A segunda prioridade é, para o Governo, “aumentar o nosso potencial produtivo”, investir nas qualificações e no aumento do número de estudantes que frequentam o ensino superior. A essa prioridade segue-se imediatamente a de “assegurar um território mais competitivo externamente e mais coeso internamente”, nomeadamente através do reforço das ligações transfronteiriças.

Esboços entregues à Comissão até 15 de outubro. Portugal quer ser dos primeiros

Depois de várias reuniões com os partidos e parceiros sociais, António Costa vai apresentar esta terça-feira, em conjunto com Ursula Von der Leyen, os planos de recuperação português e da União Europeia, na Fundação Champalimaud. O documento terá de passar pelo Conselho de Ministros para ser aprovado, o que poderá acontecer esta semana.

A apresentação da primeira versão do Plano de Recuperação e Resiliência no Parlamento acontece no dia 14 de outubro. O documento deverá então seguir para a primeira análise da Comissão Europeia no dia seguinte. O Governo já sinalizou que quer que o plano nacional seja “dos primeiros a ser apresentado, discutido e aprovado”, segundo adiantou o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Depois do parecer europeu, que poderá requerer mudanças no documento entregue pelo Governo, a versão final do plano de investimentos e reformas para 2021/2026 tem de ser entregue até 30 de abril do próximo ano, tendo aí que receber a aprovação final. De salientar que o plano tem um calendário próprio, sendo que se perdem os fundos se não forem contratados até 2023 e executados até 2026.

Quanto à chegada do dinheiro, haverá um pré-financiamento do Instrumento de Recuperação e Resiliência, cerca de 10% do valor total, já no próximo ano e deverá ser permitida retroatividade aos Estados-membros, de forma a alocarem despesas que já fizeram desde que a pandemia atingiu a Europa.

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