Regras do 5G são conhecidas hoje. O que pode mudar no regulamento?

Anacom vai apresentar esta quinta-feira o regulamento final do 5G. Só se conhece a versão preliminar, de fevereiro. Setor estará atento: sem mudanças face ao proposto, operadoras partem para tribunal.

Esta quinta-feira, pelas 10h30, o setor das telecomunicações português conhecerá finalmente o documento mais aguardado dos últimos meses: o regulamento final com as regras para o leilão do 5G. A Anacom tem uma conferência de imprensa marcada em Lisboa para essa hora, esperando-se que ponha fim à incógnita sobre as regras que definirão a atribuição de frequências às empresas interessadas em explorar a tecnologia no país.

As expectativas são altas. Apesar de uma versão preliminar do regulamento ter sido sujeito a consulta pública este ano, que a Anacom diz ter sido bastante “participada”, o projeto de regulamento data de fevereiro, uma altura em que ninguém antecipava a crise sanitária e económica que se viria a instalar em março em todo o mundo, incluindo em Portugal, por causa da pandemia da Covid-19.

Subitamente, o tabuleiro de jogo mudou, suscitando grande ansiedade nas operadoras de telecomunicações. Já reticentes perante os investimentos avultados que teriam de fazer na quinta geração, as novas prioridades decretadas pela pandemia passaram a exigir mais cautela e contenção nas despesas. Por isso, nas últimas semanas, Meo, Nos e Vodafone subiram o tom das críticas ao regulador, apelando a alterações de fundo nas regras do leilão.

Coloca-se, por isso, a questão: quão diferente da versão preliminar será o regulamento final do leilão do 5G aprovado pela Anacom, e que será conhecido esta quinta-feira? Outra pergunta: terá o regulador cedido aos apelos do setor — que, no que à adaptação à pandemia diz respeito, mereceram também a concordância do próprio Governo?

As “ajudas” aos novos entrantes

O projeto de regulamento do leilão do 5G, apresentado em fevereiro, “contempla uma reserva de espetro para novos entrantes”.

E quem são estes novos entrantes? O conceito aplica-se a qualquer entidade que não detenha outros direitos de utilização de frequências para serviços de telecomunicações. Resumindo, qualquer outra empresa ou operadora estrangeira que possa aproveitar este procedimento para se lançar no mercado português.

Mas não foi apenas a reserva de espetro que a Anacom contemplou nas regras preliminares do leilão. No projeto apresentado há quase nove meses, o regulador pretende também incentivar o surgimento de um quarto operador no mercado, mediante a atribuição de “um desconto de 25% sobre o preço do espetro que adquirirem nas faixas” reservadas.

Ao verem estas condições mais benéficas para empresas externas ao setor, as três principais operadoras portuguesas irromperam em críticas à Anacom. Tanto a Meo como a Nos e a Vodafone têm-se mostrado fortemente contra o que consideram ser condições “injustas”, porque beneficiam empresas externas com reserva de espetro e um desconto, mas não impõem obrigações de cobertura apertadas, como aquelas a que estarão sujeitas qualquer operadora já estabelecida em Portugal que adquira frequências no leilão.

Uma operadora, além das críticas, partiu para a ação. O presidente executivo da Nos, Miguel Almeida, disse no Parlamento que, com estas condições mais benéficas para novos entrantes, a Anacom está efetivamente “a oferecer um auxílio de Estado de 800 milhões de euros” a um eventual quarto operador, que pode nem ser uma empresa do setor (a Nos admite que um hedge fund possa aproveitar a operação para gerar mais-valias de curto prazo, em prejuízo do setor como um todo). Por isso, apresentou uma queixa à Comissão Europeia, que está a ser analisada.

Os preços de reserva

À luz da informação atualmente disponível, não são de esperar alterações significativas nas faixas de frequências e números de lotes a concurso. O que pode haver é mudanças nos preços de reserva, nomeadamente uma redução, para ter em conta o impacto da pandemia na economia do país.

Pelo menos é isso que empresas, como a Altice Portugal, apelaram mal foram conhecidas as regras preliminares do leilão, um pedido que reforçaram nas últimas semanas.

Mediante os termos do projeto de regulamento, a operação renderá pelo menos 238 milhões de euros ao Estado. E, já nessa altura, a diferença de expectativas era elevada, na ordem dos 50 milhões de euros, como noticiou o ECO com base numa carta dos líderes da Meo, Nos e Vodafone enviada ao primeiro-ministro, António Costa.

Esse fosso será agora maior por causa do impacto da Covid-19 e os preços poderão ser determinantes na estratégia que cada operadora vai seguir. Para já, está definido que o leilão não será “cash cow” do Estado, como temia em 2018 o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca. Pelo menos, não diretamente. Toda a receita angariada será afeta a um novo Fundo para a Transição Digital, que investirá na digitalização da economia portuguesa.

O roaming nacional

É outro ponto sensível e que já provou discórdia até dentro do próprio Governo. O presidente da Anacom, João Cadete de Matos, é um fervoroso adepto do roaming nacional.

A avançar, como está previsto no projeto de regulamento, significará que um cliente não ficará “preso” à cobertura da operadora que contratou. Assim, à medida que se vai deslocando no território, um smartphone ou outro aparelho pode ir-se ligando à rede da operadora que tiver melhor cobertura na região em que se está.

Para a Anacom, esta é uma forma de assegurar a máxima cobertura de 5G no país, chegando a mais zonas. O regulador argumenta ainda que um cliente estrangeiro que se desloque a Portugal já pode ligar-se a qualquer rede, independentemente da operadora, beneficiando de melhor cobertura do que um cliente nacional.

Mas, para o setor, é uma forma de canibalizar investimento e até uma falácia: numa primeira fase, o 5G funcionará por cima da atual rede 4G — ou seja, uma zona sem cobertura, que não tenha 4G, não passará a ter cobertura só porque há roaming nacional. As operadoras temem que este seja um fator de desleixo no investimento dos concorrentes: “Nenhuma empresa vai investir se, ao o fazer, em vez de melhorar a qualidade de serviço aos seus clientes, está a melhorar o serviço aos seus concorrentes”, argumentou recentemente o presidente executivo da Nos.

Sabe-se que, para além da Anacom, também o ministro da tutela, Pedro Nuno Santos é a favor do roaming nacional. O mesmo foi transmitido há semanas pelo novo secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Hugo Santos Mendes. Já o anterior secretário de Estado, Alberto Souto de Miranda, era fortemente contra.

É improvável que o regulamento do leilão do 5G conhecido esta quinta-feira dê baixa da exigência de roaming nacional para as empresas do setor, que terão, assim, de partilhar rede 5G e infraestruturas. Eventualmente, também manterá as obrigações de acesso à rede para os chamados operadores móveis virtuais — empresas que, não tendo espetro, poderão fornecer serviços de 5G em cima das redes das operadoras que compraram direitos de utilização de frequência neste leilão.

De qualquer forma, Nos e Vodafone estão já a partilhar infraestruturas. Em outubro, as duas operadoras fecharam acordos nesse sentido, abrangendo todo o país e as tecnologias 2G, 3G e 4G. No 5G, afirmaram que dependerá do resultado do leilão.

As licenças da Dense Air

A Dense Air é uma empresa do grupo japonês Soft Bank que, apesar de ainda não ter começado o leilão, já é detentora de licenças de 5G.

Para entender como, é necessário recuar no tempo. Estas licenças na faixa dos 3,6 GHz remontam a 2010, altura em que foram atribuídas a uma empresa chamada Bravesensor por um prazo de 15 anos. Nessa altura, não se sabia que, mais tarde, valeriam “ouro” por poderem ser usadas para o fornecimento de serviços de 5G (a definição do padrão só foi estabelecida pela Comissão Europeia em 2018).

Ora, essa empresa mudou entretanto de nome para Zappwimax e, em dezembro de 2016, a Anacom autorizou que as referidas licenças fossem transferidas para uma outra empresa, chamada Broadband Portugal. Como recorda o Público, em março de 2018, a Broadband foi vendida à Airspan Spectrum Holdings, do grupo SoftBank, passando a chamar-se Dense Air.

As licenças que acabaram na posse da Dense Air previam que fossem prestados serviços no prazo de dois anos após a atribuição, o que não aconteceu. Ora, a Anacom decidiu, no entanto, reconfigurar o espetro da Dense Air, não expropriando as referidas licenças quando começou a alinhavar o 5G. A decisão cai bastante mal junto do setor.

O projeto de regulamento do leilão do 5G prevê que as frequências que se mantiveram na posse da Dense Air sejam incluídas no leilão, mas com restrições, sendo disponibilizadas apenas a partir de 5 de agosto de 2025, quando expirarem as licenças da Dense Air. Assim, se esta empresa quiser ir a jogo, terá de as renovar no leilão. A Dense Air tem mostrado intenção de vir a ser um operador grossista no mercado do 5G, prestando serviços às operadoras de retalho.

Mas Meo, Nos e Vodafone não se deixam convencer. Concretamente, a Nos tem em curso dois processos em tribunal, um para reverter a decisão da Anacom sobre a reconfiguração do espetro e outra, mais recente, em que exige à Anacom uma indemnização de 42 milhões de euros pelo mesmo motivo, noticiou o Público em outubro.

E se nada mudar?

O pior cenário, na ótica das operadoras, é um em que o regulamento final tenha poucas ou nenhumas alterações face à versão preliminar divulgada em fevereiro. Nesse caso, Meo, Nos e Vodafone já ameaçaram avançar para tribunal contra a Anacom, ou até mesmo de boicotarem o leilão por completo.

É pouco provável que o regulamento que será conhecido esta manhã seja tal e qual como o que foi divulgado no início do ano. Até porque o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, neste mês de outubro, avisou, num evento promovido pelo próprio regulador, que o regulamento final deve “ter em conta” o impacto da Covid-19 no país.

Porém, se a Anacom entender que as regras que foram a consulta pública são as corretas e promovem a concorrência no mercado, tal pode inaugurar uma nova página no processo, com a forte litigância a atrasar mais uma vez o lançamento do 5G em Portugal — pela avaliação inicial do Governo e da Comissão Europeia, feitas antes da pandemia, era suposto as primeiras ofertas comerciais arrancarem até ao fim deste ano, algo que já só acontecerá, provavelmente, no primeiro semestre de 2021.

Concretamente, a Vodafone Portugal ameaça que, se as regras não forem satisfatórias, desistirá de instalar no país um novo centro de investigação e desenvolvimento na área do 5G, com capacidade para criar 400 postos de trabalho qualificados.

Mário Vaz, presidente executivo da operadora, considerou mesmo que a intenção inicial da Anacom “hipoteca o futuro do país”, e citou um estudo da consultora Roland Berger, feito a pedido de um cliente não identificado, em que se conclui que regras “injustas” no leilão do 5G poderão arrasar com 2.000 empregos no setor das telecomunicações português.

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