Covid-19 e Interrupção de negócios: Milhares de empresas serão indemnizadas no R. Unido
A disputa legal entre seguradoras e milhares de empresas britânicas sobre indemnizações por interrupção de atividade por conta da pandemia chegou ao fim com decisão do Supremo favorável aos tomadores.
O Tribunal Supremo do Reino Unido deu o seu veredicto no processo (test case) que, a pedido da Financial Conduct Authority (FCA), procurava clarificação para dirimir o litígio entre diversas seguradoras e milhares de empresas seguradas quanto à interpretação de cláusulas contratuais (reunidas em 21 apólices comerciais tipificadas) na base da disputa legal envolvendo indemnizações reclamadas por conta das perdas de exploração resultantes da interrupção de atividade (BI – Business Interruption) no contexto da pandemia de Covid-19.
A FCA tomou a iniciativa de lançar o test case em nome dos titulares das apólices, levando o caso às instâncias judiciais. No final do processo, o Supremo britânico acabou por rejeitar os recursos interpostos pelas seguradoras (em dois dos quatro casos por falta de fundamentação legal) e a decisão que resulta do julgamento “é positiva para os segurados”, conclui-se das comunicações divulgadas por representantes das partes (FCA e ABI).
O Supremo julgou as querelas emergentes de 13 das 21 apólices (contendo as formulações tipificadas e preparadas em consenso com as seguradoras para o referido test case), analisando sobretudo o articulado e interpretação de quatro tipos de cláusulas consideradas “relevantes” relativamente aos termos “doença”, “inacessibilidade” e outros “conceitos híbridos” e, por outro lado, rejeitando aceitar (como jurisprudência) a decisão de um tribunal comercial – tida como peça fundamental da argumentação apresentada pela defesa das seguradoras – sobre um caso julgado em 2010, opondo a Generali SpA e a empresa Orient-Express Hotels Ltd, e que o Supremo considerou agora ter sido mal decidido.
No final do julgamento, o Supremo reconheceu, em termos práticos, que a materialidade do evento (pandemia de covid-19) se verifica e que, efetivamente, à luz do articulado contratual existe causa e factualidade para ativar as coberturas reclamadas.
O acórdão do Supremo Tribunal – que julgou com caráter de urgência (ao fim de apenas quatro sessões de audiências repartidas pelos dias 16, 17, 18 e 19 de novembro) e em tramitação direta (sem passagem pela apelação – Court of Appeal), com base e no seguimento da decisão vinda do High Court, proferida em setembro de 2020, após a qual algumas seguradoras desistiram de continuar a litigar – “traz orientações definitivas sobre o bom funcionamento das coberturas sob certas extensões de seguros de interrupção de negócio sem danos e com clareza tanto para os segurados como para as seguradoras”, considera nota divulgada pela Herbert Smith Freehills, sociedade de advogados que participou no processo em nome da FCA.
A decisão vincula oito seguradoras que acordaram ser parte (voluntária) no julgamento, na qualidade de acusadas/respondentes: Arch Insurance (UK) Ltd; Argenta Syndicate Management Ltd; Ecclesiastical Insurance Office Plc; MS Amlin Underwriting Ltd; Hiscox Insurance Company Ltd; QBE UK Ltd; Royal & Sun Alliance Insurance Plc; Zurich Insurance Plc, lista a FCA, após decisão do Supremo, na página em que atualiza o andamento do que ficou conhecido como “BI/Covid-19 test case“. O Supremo divulgou ainda sumários individuais dos julgamentos feitos a cada um dos processos apresentados pelos diferentes participantes no test case.
Face à decisão final do colégio de cinco juízes do Supremo que se debruçaram sobre o caso, a associação britânica de seguradores (ABI) reagiu através de Huw Evans, diretor geral da setorial: “As seguradoras apoiaram o processo judicial acelerado em todas as suas fases e congratulamo-nos com a clareza que o julgamento trará a uma série de questões complexas. O julgamento de hoje representa a etapa final no processo de recurso”.
“A indústria seguradora espera pagar mais de 1,8 mil milhões de libras esterlinas em reclamações relacionadas com a Covid-19 através de uma gama de produtos, incluindo apólices de interrupção de negócios. Os clientes que apresentaram reclamações que estejam abrangidas pelo resultado do test case serão contactados pela sua seguradora para discutir o significado do acórdão relativamente à respetiva reclamação. Todas as reclamações válidas serão resolvidas o mais cedo possível e, em muitos casos, o processo de regularização de sinistros já começou”, garantiu o representante da indústria.
“Reconhecemos que este tem sido um período particularmente difícil para muitas pequenas empresas e lamentamos naturalmente que as restrições Covid-19 tenham conduzido a disputas com alguns clientes”, afirma Evans no comunicado da Association of British Insurers.
Segundo recorda o documento de 114 páginas onde é vertido o sumário da decisão do Supremo, “a FCA instaurou o processo em benefício dos tomadores de seguros, muitos das quais são pequenas e médias empresas (PME)”. Os arguidos são oito grupos seguradores considerados os principais subscritores das apólices BI (interrupção de negócios) no Reino Unido. “Conforme estabelecido num acordo-quadro entre as partes, o objetivo do processo (test case) visou alcançar a máxima clareza possível para o número máximo de tomadores de seguros e as suas seguradoras”, refere o mesmo documento.
A abordagem adotada no julgamento “foi a de considerar uma amostra representativa das formulações tipo validadas para as apólices de interrupção de negócios à luz de factos acordados e presumidos”. Estima-se que que, para além das apólices específicas que integraram o test case, “cerca de 700 tipos de apólices, mais de 60 seguradoras diferentes e 370.000 segurados poderiam ser potencialmente afetados pelo resultado do litígio”.
Após a decisão de última instância, que deverá facilitar o pagamento de reclamações de milhares de pequenos empresários, a imprensa britânica especializada em seguros estima o potencial de indemnizações num montante que poderá exceder 7000 milhões de libras esterlinas.
No seguimento da decisão judicial, que poderá constituir referência jurisprudencial, sobretudo no espaço da Commonwealth, a FCA e as seguradoras arguidas “estão a trabalhar o mais rapidamente possível com o Supremo Tribunal para permitir que o mesmo tribunal lavre as certidões de homologação da decisão”, referiu a Autoridade de Supervisão.
A FCA adiantou que publicará, na página dedicada ao processo Business Interruption, um conjunto de perguntas e respostas (Q&A) para os ajudar, aos segurados e aos seus conselheiros, na compreensão do que foi o test case, e promete publicar também uma lista de tipos de apólices de BI que potencialmente respondem à pandemia, com base em dados que irá recolher junto das seguradoras.
Ainda, a FCA lançou um projeto de orientação para segurados (cuja consulta pública termina a 22 de janeiro) para ajudá-los a provar a presença do coronavírus, que é uma condição em certos tipos de apólices.
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