Liquidez para responder à crise é “abundante” mas “é preciso fazê-la chegar” à economia, alerta Centeno
O governador do Banco de Portugal defende que a Europa aprendeu as lições da última crise e aponta "um salto de integração na Europa extraordinário" com a emissão de dívida conjunta.
A crise de 2008 e de 2020 não são comparáveis devido à abundância de dinheiro disponível, segundo o Governador do Banco de Portugal. No podcast Atlantic Talks, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), Mário Centeno considera que as lições da última crise foram aprendidas e que, desta vez, há liquidez para travar o impacto económico. Mas avisa que é preciso fazê-la chegar aos agentes económicos.
“Aprendemos em duas dimensões”, começa por dizer Centeno sobre as duas crises, sublinhando que as instituições europeias eram ainda “muito incipientes” em 2008. “Reforçámos institucionalmente o euro, tínhamos mecanismos de proteção dos estados que não existiam em 2008 e aprendemos politicamente. Penso que a primavera de 2020 foi um salto de integração na Europa extraordinário“.
"2021 é herdeiro e vai ter de trabalhar muito para merecer essa herança destas decisões. Não podemos deixar cair essa onda. Quer do ponto de vista institucional ou político, é algo que não tem muito a ver com 2008.”
Esse salto foi principalmente a decisão de emitir dívida conjunta, pela Comissão Europeia, de longo prazo. “Vai ficar aqui durante muitas décadas connosco e ainda bem“, diz o economista. “Por isso é que também refiro que 2021 é herdeiro e vai ter de trabalhar muito para merecer essa herança destas decisões. Não podemos deixar cair essa onda. Quer do ponto de vista institucional ou político, é algo que não tem muito a ver com 2008″, explica.
A Comissão Europeia já emitiu 31 mil milhões de euros em social bonds (a vários prazo, sendo o mais longo 30 anos) com juros negativos, no ano passado. Este dinheiro é para o instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência (SURE) e, até final de 2021, a instituição europeia irá emitir até 100 mil milhões de euros.
A dívida emitida é emprestada aos Estados-membros (a muito baixos custos ou até com juros negativos) e permitir injetar apoios contra a crise económica causada pela pandemia de Covid-19. Além da integração europeia, Centeno sublinha que a disponibilidade de liquidez é também uma diferença fundamental entre a realidade atual e 2008. “Não havia [liquidez] na anterior crise e desta vez é abundante. E é só preciso fazê-la chegar aos agentes“.
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Moratórias no “conjunto de preocupações” do BdP
A conversa ao longo do podcast da FLAD foi pautada por comparações entre a Europa e os Estados Unidos, onde Centeno viveu enquanto fazia o doutoramento em Harvard. Entre as principais diferenças está a incompletude da união monetária — nomeadamente no que diz respeito à insistência do terceiro pilar da união bancária, o seguro de depósitos europeu — ou a menor interação entre academia e política. Admite que, devido a uma série de divergências, os EUA poderão recuperar mais rapidamente da crise pandémica.
O ex-ministro das Finanças considera que os mecanismos de proteção do emprego “muito mais potentes” na Europa do que nos EUA podem ser um fator de aceleração da retoma norte-americana, mas não um entrave europeu. “Aquilo que pode vir a constituir ao longo do tempo um problema é se não instituirmos ao mesmo tempo mecanismos de adaptação e se não houver liquidez e financiamento suficiente para que a economia se recomponha ao longo do tempo”, diz.
"O nosso desafio é conseguir, com as instituições que temos, melhorá-las de maneira a que seja possível progredir sem deixar muito capital afeto a atividades que já não são produtivas e muito emprego quase que numa armadilha de ineficiência e pouca produtividade.”
Entre as duas regiões há mecanismos de adaptação distintos, dos quais defende ser necessário tirar proveito, nomeadamente no que diz respeito à estabilidade do sistema financeiro. Questionado sobre o impacto das moratórias bancárias no crédito malparado, Centeno rejeitou que sejam a sua principal preocupação, dizendo apenas: “temos um conjunto de preocupações onde essa está incluída”. E focou-se nos desafios que admite existirem de ambos os lados do Atlântico.
“No curto prazo, se olharmos para os EUA, eles vão adaptar-se muito mais rapidamente. O nosso desafio é conseguir, com as instituições que temos, melhorá-las de maneira a que seja possível progredir sem deixar muito capital afeto a atividades que já não são produtivas e muito emprego quase que numa armadilha de ineficiência e pouca produtividade“, adiantou o governador do Banco de Portugal.
Acrescentou que, nos EUA, todas as leis de insolvência — quer pessoais quer empresariais — têm um grau de eficácia e rapidez maior do que em qualquer local da Europa. “Portugal tem um conjunto de mecanismos difíceis, que é demorado, e devemos ter capacidade de melhorar nessa dimensão. Essa é outra das razões pelas quais a afetação de capital é muito mais rápida nos EUA e por isso eles saem muito mais rápido das crises que a Europa”.
(Notícia atualizada às 09h45)
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