“Não podemos consumir mais água do que a natureza nos dá”, diz secretária de Estado
A secretária de Estado do Ambiente sublinhou a necessidade de a água ter um custo associado e de uma boa gestão deste recurso: "Por cada cêntimo que pagamos na nossa conta da água recebemos 9 litros".
A ambição de Portugal em atingir a neutralidade carbónica em 2050 e o facto de ter sido o primeiro país a anunciá-lo ao mundo e a estabelecer metas para a descarbonização até meados do século traz uma enorme responsabilidade ao país e à atual presidência portuguesa da União Europeia. A visão é de Miguel Lemos, administrador executivo da Águas de Gaia, que na abertura do evento “A Blue New Deal” disse ainda que esta responsabilidade recai também nos operadores públicos de água, “por sabermos que a temática da sustentabilidade ambiental está na agenda política”.
O responsável referiu ainda a necessidade de os cidadãos começarem a perceber a importância dos recursos hídricos, da sustentabilidade ambiental e de terem atitudes diárias conscientes e de gestão da água que “vêm contribuir para as metas de descarbonização, as metas para atingir a neutralidade carbónica até 2050”.
Da mesma opinião mostrou ser Inês dos Santos Costa que na sua intervenção realçou a necessidade de saber gerir da melhor forma o consumo de água: “Temos cada vez mais presente que é preciso encontrar modelos de gestão que equilibrem resiliência, eficiência e adaptabilidade porque a água é um material, mas também é um recurso. É um ecossistema, mas também é um território. Sem ela não produzimos muito daquilo que hoje temos. Não vivemos”.
“Eu lembro-me das idas à fonte com a minha avó, a uma hora de Lisboa. Mas com o investimento de 10 mil milhões de euros mudou-se uma realidade em 30 anos. Hoje temos infraestruturas e serviços de abastecimento e de tratamento de águas residuais que asseguram que 99% da água fornecida é limpa, segura, que permitem que a mesma não nos falte em casa, mesmo em tempo de seca”, disse a secretária de Estado do Ambiente.
Escassez da água equiparada ao petróleo e ao ouro
Inês dos Santos Costa relembrou ainda que, em dezembro de 2020, a água começou a ser negociada como um recurso em contratos futuros na bolsa de Nova Iorque, tal como é o petróleo e o ouro, e alertou para o que isso significa. “Há mais do que simbolismo nesta ação. É o reconhecimento da cada vez maior escassez associada ao recurso que advém não só dos impactos das alterações climáticas, mas principalmente sobre o seu consumo e sobre a degradação da sua qualidade”, explicou.
A governante revelou que Portugal faz parte dos 26 países em risco direto de seca extrema associada às alterações climáticas e ainda referiu que a procura por água a nível global irá, no médio prazo, exceder a oferta se tudo continuar como está na agricultura ou na indústria. “Isso irá significar, muito provavelmente, também, poluição. Poluição porque a evolução tecnológica nunca será suficientemente rápida porque haverá sempre quem ache que o custo de tratar tem de ser sempre assumido por alguém exterior a si, seja o estado, seja o município, a comunidade e haverá sempre quem pense que a água tudo leva e a água tudo limpa”, acrescentou.
Ainda dentro da falta de valorização pelos recursos hídricos e pelos serviços a eles associados, Inês dos Santos Costa expôs a desresponsabilização de muitos países face aos serviços relacionados com o ambiente: “Ainda temos países que, em larga medida, encaram os serviços essenciais do ambiente, como a água e o saneamento, como um custo operacional que se quer o menor possível, em que se interiorizou que haverá sempre um fundo público ao qual recorrer, ao invés de um serviço no qual é fundamental investir para garantir todos os benefícios económicos sociais e ambientais”.
“Um garrafão de 5 litros de água, num qualquer supermercado, custa, pelo menos, 60 cêntimos, mas, em média, por cada cêntimo que pagamos na nossa conta da água, nós recebemos 9 litros, isto em Portugal. Mas não é só a água que sai da torneira que estamos a pagar. Esse cêntimo, além dos 9 litros de água, inclui amortização de infraestruturas, obras para expansão de redes, reagentes para os tratamentos, custos com a energia, reparações e manutenções, contadores, ferramentas, recursos humanos. E, de repente, esse único cêntimo ganha toda outra dimensão”, exemplificou a secretária de Estado do Ambiente, com o intuito de promover uma maior consciencialização para os gastos que os recursos hídricos exigem.
“Não podemos consumir mais água do que aquela que a natureza nos dá”
A verdade é que a proteção, a qualidade, o tratamento e reutilização da água estão cada vez mais no centro da ação climática. No entanto, Inês dos Santos Costa explicou que a adaptação tem de ser feita no modo como se constrói e se cuida dos sistemas de água e de saneamento. “Precisamos de uma visão sistémica e de planeamento integrado do nacional ao setorial e, também, ao local. Isso tem, definitivamente, de entrar no ADN das regiões, de dirigentes e da população. Cadastro atualizado de infraestruturas, contabilização correta dos investimentos, regulamentos de descarga, identificação e penalização de influências indevidas, planeamento de intervenções e de equipamentos, exploração de novas tecnologias para resolver problemas, monitorização, promoção das simbioses industriais sem falhar a rede de proteção social a quem precisa”, enumerou.
Mas essa visão sistémica e o cumprimento de todos os fatores enumerados têm de ser assumidos por todos e não só por alguns. “Poderia falar do facto de 75% da água doce do país ser consumida pela agricultura e pela pecuária, das grandes assimetrias na gestão da água. Não podemos consumir mais água do que aquela que a natureza nos dá, essa é a verdade nua e crua. É um compromisso que tem de ser assumido por todos os intervenientes, com a consciencialização de todos sobre a sua quota-parte de responsabilidade em resolver o problema, privilegiando sempre a eficiência no uso da água, o reforço na monitorização e da fiscalização, o uso circular de recursos e a otimização das infraestruturas”, reforçou, ainda, a secretária de Estado do Ambiente.
“Haverá alguma dúvida sobre a criticidade destes serviços? Sobre a sua representatividade no território, do seu impacto na comunidade e na dedicação dos trabalhadores a ele associados?”, questionou Inês dos Santos Costa, que logo deu a sua opinião: “Na minha ótica pessoal protegemos a nossa economia e a nossa sociedade se atendermos ao que está na sua base, que é o sistema natural, valorizando-o. Por isso, sim, creio que seria importante termos um Blue New Deal, que demonstrasse de uma forma clara, tal como o Pacto Ecológico faz, os vasos comunicantes de uma gestão sustentável da água”.
Entender como os assuntos se interrelacionam, perceber que a proteção da água não se faz apenas quando se limpam rios e ribeiras e que a atuação sobre as situações indevidas é muito importante foram algumas das ressalvas feitas pela secretária de Estado do Ambiente. “Não podemos continuar a ver este serviço essencial como um custo que é importante diminuir a qualquer preço. Não podemos continuar a correr o risco de não fazer nada, de dizer que não vale a pena porque os custos superam os benefícios quando estes são medidos só por moeda e, sobretudo, quando os benefícios em saúde pública, em qualidade de vida e no bem-estar dos cidadãos são amplamente subavaliados. Creio que é através da promoção, da capacitação e valorização desses serviços que podemos ter um país mais competitivo, mais são, mais próspero”, concluiu.
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