Recessão não está à vista, mas economia vai travar
As atuais previsões para o PIB português e europeu deverão ser cortadas nas próximas semanas. Os economistas antecipam que a confiança dos agentes económicos baixe significativamente em março.
Após um crescimento do PIB de 4,9% no caso de Portugal e de 5,4% no caso da Zona Euro, a economia portuguesa e a economia europeia vão ressentir-se em 2022 por causa da guerra na Europa. A invasão russa na Ucrânia e as sanções económicas e financeiras que se seguiram já estão a ter impacto em vários mercados, principalmente na energia, e terão consequências para o andamento da recuperação pós-pandemia. Os economistas admitem em uníssono uma revisão em baixa das previsões — atualmente nos 5,5% para Portugal (Governo) e 4% para a Zona Euro (Comissão Europeia) –, mas não arriscam números devido à incerteza do momento.
A crise energética vivida nos últimos meses na Europa já ameaçava meter um travão na retoma económica, mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia veio intensificá-la, deixando os economistas sem dúvidas de que o impacto económico não será marginal. O comentário mais alarmista chegou do Fundo Monetário Internacional este fim de semana: “A guerra em curso e as sanções associadas vão ter um impacto severo na economia global“, disse a instituição liderada por Kristalina Georgieva.
Depois de a guerra começar, o ministro das Finanças, João Leão, admitiu que a previsão para o PIB português em 2022 deverá ser revista em baixa. “A guerra na Ucrânia irá obrigar à revisão em baixa dos cenários macroeconómicos da generalidade dos países“, confirma João Borges de Assunção, professor da Católica, ao ECO, apontando para essa revisão após a tomada de posse do novo Governo, no início de abril, e a apresentação do novo Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), o qual terá de ser ainda mais alterado face ao que se previa há umas semanas.
António Ascenção Costa, economista e professor do ISEG (do Grupo de Análise Económica), corrobora ao ECO a ideia de que o PIB “tenderá a desacelerar”: “A economia portuguesa será influenciada sobretudo por via das suas relações com a economia europeia (nomeadamente, Alemanha, por via da indústria, mas também pelo crescimento geral da UE, que tenderá a desacelerar) e por via do impacto desta crise sobre os preços da energia, que já eram a principal fonte na origem do surto inflacionário e que agora tendem a agravar-se bastante“, explica, assinalando que “quanto mais tempo durar, pior”.
Para o economista o mais provável é que o impacto nos números do PIB comece a aparecer no segundo trimestre uma vez que “os indicadores de confiança devem deteriorar-se significativamente já em março“. Com esta trajetória, o PIB português ainda conseguiria atingir o nível pré-pandemia no primeiro semestre de 2022, mas o crescimento seria posteriormente “mais lento do que o anteriormente antecipado”. Contudo, para já, está afastado o cenário de uma recessão, ou seja, que o PIB contraía.
Recentemente, em declarações ao ECO, o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Vítor Constâncio, previa um corte na previsão de crescimento do PIB da Zona Euro de 1,5 pontos percentuais em 2022, mas menos (sem quantificar) no caso de Portugal. Mas tal também dependerá da resposta da política monetária do BCE, a qual considera que “não deve responder na primeira fase com medidas muito restritivas”, mesmo com a taxa de inflação a disparar. Ainda assim, admite que o ciclo de subidas de juros chegou para ficar.
Na avaliação do Fundo Monetário Internacional, a situação continua a ser de “extraordinária incerteza”, mas reconhece que as consequências económicas “já são muito sérias”. O Fundo relata que “em muitos países” esta crise está a criar um “choque adverso” tanto na taxa de inflação como na atividade económica, principalmente nos países com maior relação comercial com a Rússia ou a Ucrânia. Aos bancos centrais, o FMI aconselha uma “monitorização cuidadosa” do aumento dos preços e pede-lhe que “calibrem as respostas apropriadas” ao momento que as economias vivem. No caso da política orçamental, a instituição pede aos Governos que ajudem os mais vulneráveis para colmatar o aumento do custo de vida.
Na semana passada, a Comissão Europeia admitiu que a economia europeia vai travar por causa da guerra na Ucrânia, mas assegurou que continuará a crescer. Paolo Gentiloni, comissário europeu da economia, lembrou que a previsão de crescimento do PIB em 2022 da Comissão Europeia é de 4% e afirmou que a guerra irá “pesar significativamente” na recuperação, mas “não irá pará-la”. As previsões do economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Philip Lane, apontam para um corte na previsão de crescimento económico da Zona Euro entre 0,3% a 0,4% num cenário moderado e de cerca de 1% num cenário mais severo.
Economistas não arriscam novas previsões, para já
Porém, os economistas rejeitam fazer já novas previsões. “Neste momento, em que ainda não há dados económicos, é tudo muito especulativo“, afirma João Borges de Assunção, ressalvando que pelo menos uma previsão é possível fazer: “É normal que atrase o regresso da economia portuguesa aos níveis pré-pandemia”. Mas lá chegaremos ainda este ano, antecipam os economistas do ISEG, segundo a síntese de conjuntura de março.
António Ascenção Costa confirma que “é impossível fazer uma quantificação credível do impacto desta guerra e das sanções impostas à Rússia sobre o crescimento da economia portuguesa“. Na síntese de conjuntura, o Grupo de Análise Económica do ISEG escrevia que “ainda não há base objetiva para uma revisão quantificada do crescimento da economia portuguesa”. Provavelmente só daqui a um mês é que arriscarão uma previsão.
Também Rui Constantino, economista-chefe do Santander, é cauteloso: “É um tema que estamos a trabalhar, contudo, a incerteza ainda é elevada, e há canais de impacto que vão para além dos diretos por via dos custos da energia“, sublinha, em resposta ao ECO, explicando que ainda não dispõe de estimativas que permitam “ter uma avaliação mais definida da dimensão desses impactos”.
Neste momento, para 2022, as previsões para o PIB português variam entre 5,1% (Conselho das Finanças Públicas e Fundo Monetário Internacional) e 5,8% (Banco de Portugal e OCDE), com o Governo a situar-se numa posição intermédia nos 5,5%. Antes do início da guerra, o Executivo chegou a admitir rever este número em alta, mas agora é mais certo que o Governo reveja em baixa o crescimento do PIB deste ano no Orçamento do Estado para 2022 que deverá apresentar no início de abril.
No caso da Zona Euro, a Oxford Economics já reviu em baixa o crescimento do PIB para 3,1% este ano e 2,7% em 2023, menos 0,6 pontos percentuais face à anterior previsão. Ao mesmo tempo, os economistas reviram em alta a taxa de inflação para 4,8% em 2022 (anteriormente nos 3,8%) por causa da subida do petróleo e do gás natural. Já a Focus Economics reviu em baixa o crescimento de 4,4% para 2,9% em 2022.
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