Países da UE terão “livre acesso” a provas digitais nas investigações criminais
Bruxelas concluiu as linhas principais do pacote e-evidence. Em 50 % das investigações criminais da UE é feito um pedido transnacional para obter acesso às provas eletrónicas.
Bruxelas concluiu, esta quarta-feira, o acordo político entre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho do pacote legislativo e-evidence. Ou seja: regras cujo principal objetivo será o de agilizar o acesso às provas eletrónicas em investigações criminais, no espaço da União Europeia (UE), independentemente do local onde os dados estejam armazenados.
Estas novas regras permitirão às autoridades judiciais de um país da UE pedir acesso às provas eletrónicas diretamente a qualquer prestador de serviços que opere na União Europeia e esteja estabelecido ou representado noutro Estado-Membro. O que permitirá ainda reduzir a burocracia, já que não será necessário passar pelas autoridades judiciárias do outro Estado-Membro.
Alterações que surgem num contexto em que em 50 % das investigações criminais é feito um pedido transnacional para obter acesso às provas eletrónicas e em que 85 % das investigações criminais realizadas na UE envolvem dados digitais.
“Em Bruxelas alcançámos as linhas principais do acordo político entre o Parlamento Europeu e o Conselho do importante pacote legislativo e-evidence, de que fui relator sombra”, explicou o eurodeputado eleito pelo CDS/PP, Nuno Melo. “Muitas horas de trabalho técnico nas últimas semanas permitiram às equipas negociais chegar a um acordo com a presidência francesa da UE e que será indispensável para que as autoridades judiciais tenham as ferramentas necessárias para lutar contra a criminalidade organizada e terrorismo”.
E o que são provas eletrónicas/digitais?
Provas eletrónicas são os dados digitais utilizados em investigações criminais. Podem ser mensagens de correio eletrónico (mails), mensagens de texto (sms), o conteúdo das aplicações de mensagens conteúdo audiovisual (fotografias de telemóvel) ou informações sobre a conta de um utilizador suspeito (de mail, de facebook, twitter, etc.). São dados que podem ser utilizados para identificar uma pessoa ou obter mais informações sobre as suas atividades suspeitas.
E o que dizem as novas regras?
- O regulamento relativo às ordens de entrega ou de conservação de provas eletrónicas permitirá às autoridades aceder aos dados armazenados, independentemente do local de armazenamento.
- A ordem de entrega permitirá a uma autoridade judicial de um Estado-Membro pedir o acesso às provas eletrónicas diretamente a um prestador de serviços que esteja estabelecido ou representado noutro Estado-Membro. O prestador de serviços terá de responder num prazo de dez dias, ou de seis horas em casos de emergência.
- A ordem de conservação evitará que as provas eletrónicas sejam eliminadas por um prestador de serviços;
- As regras aplicar-se-ão apenas aos dados armazenados, uma vez que a interceção das telecomunicações em tempo real não está abrangida pelas regras propostas;
- A diretiva relativa aos representantes legais obrigará todos os prestadores de serviços não estabelecidos na União, mas que nela operem, a designarem um representante legal na UE. O representante será responsável por receber, respeitar e executar as decisões e ordens. O objetivo é assegurar que todos os prestadores de serviços que operem na UE tenham as mesmas obrigações no que se refere ao acesso a provas eletrónicas.
O que dizem os especialistas?
“Estas novas regras, ao estipularem uma cláusula de acesso imediato aos dados, independentemente do seu local de armazenamento, podem permitir uma maior flexibilidade e celeridade nos crescentes pedidos de acesso às provas electrónicas no espaço Europeu“, segundo explicou o advogado da RSA, João Luz Soares, “estabelecendo procedimentos directos juntos dos próprios prestadores de serviços, sem a necessidade de intervenção do Estado-membro, permitindo reduzir a carga burocrática inerente”.
“Por outro lado, os prazos de resposta curtos pelos prestadores de serviços – especialmente no caso dos procedimentos de emergência – poderão ser especialmente relevantes para assegurar a eficácia da investigação e, claro, garantir a salvaguarda da conservação dos dados armazenados”, acrescenta o mesmo advogado.
Raquel Caniço, advogada da Caniço Advogados, já é mais cética ao defender que “há uma dicotomia entre o que são as necessidades de obtenção de informação na investigação criminal e o direitos fundamentais dos suspeitos e dos arguidos a investigar”.
A advogada explica dizendo que “pode parecer muito óbvio, numa análise superficial, sobre o que deve prevalecer, entre investigar um crime de tráfico de estupefacientes, sobretudo ao nível da criminalidade organizada, versus direitos fundamentais como, a reserva da vida privada e o direito à imagem de um conjunto de pessoas, mas na verdade, há que saber como vai ser tratada essa informação e o “excedente” de informação que se recebe normalmente nas investigações (ex. entrar na conta de e-mail de um trabalhador, via introdução de um vírus, onde, entre outra, constem segredos de negócio de uma multinacional, cuja transmissão dessa informação, via propagação do vírus, a um concorrente, determine uma distorção de mercado). Por tudo isto e muito mais, levantam-se muitos problemas jurídicos, quer no âmbito do Direito interno, de cada Estado-membro, quer do Direito Internacional”, sublinha Raquel Caniço.
Sérgio Figueiredo, coordenador da comissão de penal e processo penal da JALP, acredita que com esta proposta, “retiram-se passos ao procedimento em causa, sem que isso, pelo menos aparentemente, limite qualquer direito dos visados, quer enquanto titulares dos dados pessoais, quer enquanto eventuais suspeitos ou até arguidos em processo penal”. E diz ainda que “a celeridade da investigação será proveitosa em todas as investigações, não só no que respeita à criminalidade informática ou ao terrorismo. Pense-se, por exemplo, até nos casos de crimes sexuais cuja infração seja transnacional e que permitirá um acesso mais célere a informação que pode ser fundamental para identificar os autores de um determinado crime ou até fazer cessar a prática do mesmo”, conclui.
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