Pandemia teve “impactos profundos” nos restantes cuidados de saúde
Um relatório do Conselho Nacional da Saúde (CNS) revela que houve uma "redução das atividades relacionadas com a prevenção da doença ou promoção da saúde" durante a pandemia de Covid-19.
A resposta do Serviço Nacional de Saúde à pandemia teve “impactos profundos” nos restantes cuidados prestados, alerta o Conselho Nacional da Saúde (CNS), que aponta uma redução de 700 mil cirurgias programadas e de 50 mil urgentes em 2020.
“A organização da resposta em cuidados de saúde à Covid-19 teve impactos profundos na prestação de cuidados de saúde não-Covid substanciados na alteração da atividade assistencial, na redução das atividades relacionadas com a prevenção da doença ou promoção da saúde”, sublinha o relatório “Pandemia de Covid-19: Desafios para a saúde dos portugueses”, divulgado esta segunda-feira.
Segundo o documento do CNS, comparando com a média de 2015 a 2019, em Portugal continental registou-se uma redução de 19% no número de intervenções cirúrgicas programadas em 2020, ou seja, menos cerca de 700 mil cirurgias, com redução superior (23,1%) nas cirurgias convencionais.
Mesmo as cirurgias urgentes tiveram uma diminuição de 8,3%, com menos cerca de 50 mil realizadas no primeiro ano da pandemia, refere o órgão independente de consulta do Governo, que concluiu ainda que pouco menos de três quartos das consultas foram realizadas dentro do Tempo Máximo de Resposta Garantido em 2020, valor que voltou a subir para os valores pré-pandemia em 2021.
De acordo com o documento, durante 2020 e 2021 registou-se também uma quebra do número de consultas médicas nos cuidados de saúde primários, comparativamente ao período de 2016 a 2019, assim como uma diminuição de 1,1 pontos percentuais da cobertura da população inscrita com médico de família, contrariando uma tendência crescente verificada em anos anteriores.
“Nos cuidados de saúde hospitalares a redução da proporção de utentes com acesso a cuidados foi um pouco mais marcada”, refere o documento, ao avançar que, em 2020, houve uma redução de 12,2 a 21,6% das primeiras consultas hospitalares, sendo esta diminuição menos acentuada nas consultas subsequentes (entre 0,04% e 16,6%).
Também os cuidados de saúde preventivos sofreram uma “forte disrupção com a pandemia”, particularmente evidente em 2020, indica o documento, alertando que, se a diminuição da atividade assistencial tem implicações profundas no imediato, os impactos na área dos cuidados preventivos e de promoção da saúde “certamente se encontrarão com maior evidência no avanço da linha do tempo”.
De acordo com o relatório, a vigilância das pessoas com diabetes sofreu um “impacto significativo”, com redução da proporção de vigilância do pé diabético ou controlo de hemoglobina glicada.
“Existiu igualmente uma redução de 102.812 pessoas rastreadas para a retinopatia diabética no ano de 2020”, indica o CNS, que avança que menos 174.218 mulheres foram rastreadas para o cancro da mama, menos 124.835 mulheres para o cancro do colo do útero e menos 34.920 pessoas rastreadas para o cancro do cólon e reto.
“Quanto aos rastreios de âmbito populacional, em 2020, em Portugal continental, a proporção de população elegível rastreada para o cancro da mama decresceu quanto à média dos anos 2016-2019, com uma redução de cerca de 10 pontos percentuais relativamente a 2019”, sublinha o documento.
O número de utentes com problemas relacionados com álcool em tratamento diminuiu de 2019 para 2020 em cerca de 8%, com uma redução de quase 50% do número de novos utentes em tratamento e 30% dos utentes readmitidos.
Apesar das reduções, o CNS assinala que “não houve paragem dos cuidados, embora estes tenham ficado fortemente comprometidos” durante a pandemia de Covid-19.
No que diz respeito aos recursos humanos, entre 2018 e 2021, verificou-se um aumento de 16,3% no número de trabalhadores no SNS, sendo que o grupo com maior aumento foi o dos assistentes operacionais (24,2%), seguido do dos técnicos de saúde (22,1%) e do dos técnicos de diagnóstico e terapêutica (20,9%).
O número de médicos – sem considerar internos de especialidade – cresceu 11,9% e o de enfermeiros 16,8% entre 2018 e agosto de 2021.
Relativamente à saúde mental, o relatório do CNS recorda que, em Portugal, existiram dois períodos de confinamento geral – de março a abril 2020 e de janeiro a março 2021 – que colocaram a questão do seu “impacto nos níveis de solidão, depressão, uso nocivo de álcool e outras drogas e comportamentos de auto-lesão”.
“A generalização, quase instantânea, do teletrabalho provocou sentimentos de isolamento social e solidão que, por sua vez, reduziram a capacidade de lidar com as mudanças na carga de trabalho e no tempo de trabalho, afetando adversamente os níveis de stresse e o bem-estar mental e físico dos trabalhadores”, refere o documento.
No geral, o CNS alerta que a pandemia poderá ter, direta e indiretamente, afetado a saúde mental da população e levado ao aumento de procura dos serviços relevantes.
“Medo, luto, isolamento, perda de rendimento poderão ter desencadeado novos problemas de saúde mental ou agravado os pré-existentes, assim como a própria Covid-19 poderá aumentar o risco de morbilidade psicológica e neurológica, a curto e médio prazo”, adianta.
O documento, que é apresentado esta segunda-feira numa sessão na Assembleia da República, analisa o impacto da pandemia nos principais indicadores sociodemográficos, na saúde mental da população e na prestação de cuidados de saúde.
Criado em 2016, o CNS é um órgão independente de consulta do Governo, que visa garantir a participação dos cidadãos na definição das políticas de saúde e promover uma cultura de transparência e de prestação de contas perante a sociedade.
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