Alta velocidade Lisboa-Faro? Especialistas chumbam ideia
IP levantou cenário de nova linha entre a capital e o Algarve com passagem por Évora e Beja mas a própria empresa tem estudos para modernização das linhas atuais por um total de 460 milhões de euros.
Em 2022, demora mais de três horas a viagem de comboio entre as estações de Lisboa-Oriente e de Faro. Para encurtar a deslocação, a Infraestruturas de Portugal (IP) lançou a proposta de uma nova linha de alta velocidade entre as duas capitais de distrito, passando por Évora e por Beja. A sugestão, contudo, é chumbada por dois especialistas em transportes contactados pelo ECO. A própria IP também tem estudos para acelerar a ligação de Lisboa e Faro através da atual Linha do Sul.
Com a construção de uma linha de alta velocidade, a viagem de comboio entre Lisboa-Oriente e Faro passaria a demorar uma hora e 40 minutos, praticamente metade do tempo da atualidade. Seriam 20 minutos a menos do que a diminuição do percurso depois das obras na atual Linha do Sul e da construção da Terceira Travessia do Tejo (TTT), sinalizou a IP numa apresentação feita no final de julho, na comemoração dos 100 anos da chegada do comboio ao Algarve.
“A alta velocidade é, pela sua natureza, um sistema exclusivo e nós precisamos de sistemas que favoreçam a inclusão, não a exclusão. […] Uma solução com duas ou três circulações por dia e, portanto, com longos períodos de espera intercalar, é menos eficiente e muito mais cara”, sustenta Eduardo Zúquete, especialista em Mobilidade e Transportes.
“A construção de uma linha de alta velocidade pode gerar grandes ganhos de acessibilidade às cidades servidas, mas tem um custo muito elevado que só vale a pena incorrer se houver depois uma utilização intensiva da infraestrutura”, acrescenta José Manuel Viegas, professor emérito da Universidade de Lisboa.
Modernizar linha atual é opção
Há mais de cinco anos que a IP tem estudos para aproximar Lisboa e Faro pela atual Linha do Sul. A linha foi totalmente eletrificada a tempo do Euro 2004, num investimento de 225 milhões de euros. Entre Pinhal Novo e Torre-Vã – durante mais de 100 quilómetros –, os comboios podem seguir a 200 ou mesmo 220 km/h, no caso do Alfa Pendular.
No entanto, nos 150 quilómetros seguintes, até Tunes, o comboio raramente ultrapassa os 100 km/h. Para acelerar os comboios, a modernização da linha entre Torre-Vã e Tunes pode retirar até 30 minutos ao tempo de viagem, num investimento que pode ascender a 253 milhões de euros. Neste cenário, seriam 2h30 entre Lisboa e Faro pelo Alfa Pendular ou 3 horas pelo Intercidades – passaria a ser mais rápido do que o autocarro expresso.
Com a construção de uma variante entre Torre-Vã e Loulé, poderiam cortar-se mais 10 minutos de viagem mas o investimento ascenderia a 504 milhões de euros e implicaria o fecho de sete estações, segundo um estudo da IP publicado no início de 2017.
Para pôr Faro mais perto de Lisboa também é necessário construir a terceira travessia sobre o Tejo (TTT) na região de Lisboa, retirando mais meia-hora à viagem. Lisboa ficaria a duas horas de comboio de Faro. Quando o projeto foi cancelado, o custo estimado, em setembro de 2010, estava previsto um investimento entre 1,7 mil milhões de euros e 1.9 mil milhões de euros. O Programa Nacional de Investimentos para 2030 (PNI 2030) inclui um estudo de viabilidade técnica e económica sobre esta travessia ferroviária.
Apostar na atual Linha do Sul “parece ser a opção mais sensata, admitindo que a construção da TTT ocorra durante esta década”, destaca José Manuel Viegas. A travessia também pode reduzir o tempo de viagem para Madrid, para o Alentejo e também para o novo aeroporto de Lisboa (“se a decisão incluir o Campo de Tiro de Alcochete”).
Linha do Alentejo como redundância
A sugestão de alta velocidade da IP também teria impacto sobre a Linha do Alentejo. Atualmente, esta linha funciona entre Barreiro e Beja, não servindo como redundância em caso de problemas na Linha do Sul por causa do encerramento do troço Beja-Funcheira em 1 de de janeiro de 2012. A Linha do Alentejo apenas está eletrificada entre Barreiro e Casa Branca. Daí até Beja, apenas material a diesel funciona sobre carris.
Em 2015, estimava-se que as obras de modernização e eletrificação do troço entre Casa-Branca e Beja (63,5 quilómetros) poderiam custar entre 68 e 94 milhões de euros, de acordo com um estudo publicado na altura pela Refer, a antiga gestora da rede ferroviária nacional. A versão mais económica permitiria que os comboios atinjam uma velocidade máxima de 140 km/h. A versão mais cara traria mais benefícios para os passageiros, com os comboios a poderem atingir os 200 km/h.
Para modernizar e eletrificar o troço Beja-Funcheira (63,7 quilómetros), seriam necessários mais 77 ou 86 milhões de euros, conforme a velocidade máxima pretendida seja de 140 km/h ou de 200 km/h, respetivamente.
Com 27 milhões de euros, seria possível ligar a Linha do Alentejo à Linha do Sul – através da Concordância de Castro Verde – permitindo comboios Lisboa-Faro via Évora e Beja sem inversão de marcha, indo ao encontro da sugestão da IP.
“A reabertura da ligação de Beja à Funcheira poderá justificar-se para assegurar a ligação Beja – Faro se e quando houver uma decisão de não construir a linha de alta velocidade Lisboa – Faro (ou se esta for adiada para um futuro distante), caso contrário não parece fazer sentido, exceto se houver outros investimentos indutores de fortes aumentos de procura”, considera o professor emérito da Universidade de Lisboa.
Algarve com comboios a toda a hora
Somando as obras na Linha do Sul (sem variante) com a modernização da Linha do Alentejo, seriam necessários 460 milhões de euros para que a viagem entre o Algarve e Lisboa passasse pelo interior e pelo litoral do Alentejo.
A partir desta realidade, Eduardo Zúquete propõe um novo modelo de exploração, com duas linhas de Intercidades: a primeira, entre Vila Real de Santo António (Guadiana) e Braga, passando pela Linha do Sul e pela Linha do Norte; a segunda, entre Lagos e Lisboa-Santa Apolónia, passando pela Linha do Sul até à Funcheira e, depois, seguindo seguiria pela Linha do Alentejo.
“Estas ligações permitiriam uma ligação por hora de toda a região do Algarve ao resto do território nacional, implicando, no máximo, dois transbordos de curta duração”, assinala o especialista, que assistiu à apresentação da IP em Lagos.
Resta saber se Faro vai continuar a mais de três horas de Lisboa e com apenas cinco comboios por dia por cada sentido, enquanto há mais de duas dezenas de ligações por sentido pelo autocarro expresso e tempo de viagem praticamente igual.
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