Operadores logísticos temem “portos obsoletos” com atraso nos investimentos
De Viana do Castelo a Lisboa, comunidades portuárias atacam falta de financiamento público que está a impedir avanço das obras projetadas para aumentar capacidade e eficiência nos portos.
“O Porto de Leixões não está a conseguir o imprescindível financiamento para que aconteçam em tempo útil as principais obras, que necessitam de elevados investimentos e de caráter urgente. Corre o sério risco de se tornar numa berma, em vez de uma via de autoestrada marítima, nem conseguindo segurar parte das escalas atuais. (…) Passará rapidamente de um porto imprescindível a um porto obsoleto se não forem realizados”. O alerta é deixado por Mário Sousa, porta-voz da Comunidade Portuária de Leixões, e partilhado pelos representantes das estruturas de Norte a Sul do país, que dramatizam a falta de garantias de financiamento público para a concretização dos projetos de investimento.
No caso da principal infraestrutura do Norte do país, em causa estão obras como o prolongamento do quebra-mar exterior em 300 metros ou a melhoria das acessibilidades marítimas através do aprofundamento do canal de entrada e da bacia de rotação – inicialmente orçamentadas em 147 milhões e cujo custo acaba de ser revisto em alta, em 50 milhões. “Quando os investimentos nos portos estão fora do PRR, algo vai de mal no reino. E no PT2030 só há 120 milhões para distribuir pelos vários portos. O poder político deve repensar a forma de gestão e financiamento dos portos. Para reindustrializar o país não basta pensar em reativar fábricas; precisamos de otimizar as cadeias logísticas intermodais para fazer chegar os produtos em tempo útil e a preços competitivos”, desabafa o responsável.
Leixões corre o sério risco de se tornar numa berma, em vez de uma via de autoestrada marítima. Passará rapidamente de um porto imprescindível a um porto obsoleto se não forem realizados os investimentos.
Um pouco mais a Norte, em Viana do Castelo, também se lamenta o “erro crasso” de ter retirado os portos da lista de entidades a apoiar na chamada bazuca europeia, ao contrário do que previa a primeira versão desenhada pelo atual ministro da Economia. “Bastante preocupado” com o aumento dos custos das empreitadas, Manuel Cunha Júnior sublinha que a infraestrutura que serve sobretudo o Alto Minho e até à Galiza está a “ficar para trás na questão da operacionalidade”. E a “perder competitividade para Leixões, Aveiro e Vigo”, não conseguindo atrair as empresas que se têm instalado na região.
No caso de Aveiro, que em 2021 registou um crescimento de 16% e até agosto estava a progredir 3,5% em termos homólogos, Nuno Pires adverte igualmente que “para continuar a crescer é preciso realizar investimentos”, calculando em 58 milhões de euros aqueles que estão projetados para o biénio 2022/2024. Nessa lista, a administração do Porto de Aveiro incluiu a melhoria das condições de navegabilidade, a expansão da Zona de Atividades Logísticas e Industriais (ZALI) com um terminal marítimo-rodo-ferroviário ou a construção de cais com 200 metros.
Para continuar a crescer é preciso continuar a realizar investimentos. E os que a Administração do Porto de Aveiro se propõe realizar para o biénio 2022/2024 ascendem a 58 milhões de euros.
“Ficamos preocupados quando investimentos com retorno óbvio não conseguem ser financiados. Ainda mais tratando-se de um montante relativamente reduzido. A autonomia da própria administração portuária é relativamente baixa. Fizemos um concurso para a dragagem, que está à espera do visto do Tribunal [de Contas], apesar de já ter sido adjudicado. Esta dinâmica não encaixa nas dinâmicas privadas das empresas”, concorda Hermano Sousa, líder da Comunidade Portuária da Figueira da Foz, que falava durante um debate promovido pela Transportes & Negócios no âmbito da Porto Maritime Week.
Ficamos preocupados quando investimentos com retorno óbvio não conseguem ser financiados. Ainda mais tratando-se de um montante relativamente reduzido.
O projeto de melhoria da acessibilidade marítima – para passar a receber navios com calado de oito metros (em vez de 6,5) e de 140 metros de comprimento, em vez de 120 – está avaliado em cerca de 20 milhões de euros, conta com a comparticipação de operadores privados, mas continua sem ter “assegurada a componente pública do financiamento, à volta dos 10 milhões de euros”, aponta o representante máximo da Comunidade Portuária da Figueira da Foz, que descreve um potencial de captação de carga nova à volta de 2,6 milhões de toneladas, além dos atuais dois milhões.
Ninguém pense que se conseguem fazer investimentos nos portos com base nas taxas portuárias. Ou se arranja uma forma de financiar os investimentos necessários ou nunca mais somos competitivos face aos espanhóis.
Na região da capital portuguesa repetem-se as críticas. “Ninguém pense que se conseguem fazer investimentos nos portos com base nas taxas portuárias. Ou se arranja uma forma de financiar os investimentos necessários ou nunca mais somos competitivos face aos espanhóis, que têm uma política de investimento, através dos Puertos del Estado, que nós não temos”, resume Rui Raposo, que em abril foi reeleito presidente da Comunidade Portuária de Lisboa.
Governação, dividendos e municípios
Em Lisboa, os projetos em destaque são a expansão do Terminal de Contentores de Alcântara – envolve a instalação de equipamentos modernos, a reconstrução do pavimento de todo o terminal e o aumento dos fundos para poder receber navios de maior dimensão –; a navegabilidade do transporte fluvial até Castanheira do Ribatejo; o fornecimento de eletricidade aos navios enquanto estiverem atracados; ou a construção do Campus do Mar em Pedrouços, que pretende que venha a ser um espaço de referência internacional nos domínios das ciências marítimas e da economia azul.
Notando que os armadores têm em consideração as taxas cobradas pelos portos, mas que mais relevante é a eficiência com que operam, isto é, “o tempo que leva entre entrar e sair porque não ganham dinheiro enquanto estão parados”, Rui Raposo frisa que “os resultados positivos das administrações portuárias não deviam servir para pagar dividendos ao Estado, mas para serem reinvestidos no próprio porto”. E defende a criação de um sistema de governação dos portos nacionais, para que “não estejam em concorrência uns com os outros – porque os concorrentes são os espanhóis”.
O também presidente na Agência Portuguesa do Transporte Marítimo de Curta Distância – Short Sea Promotion Center faz ainda uma alusão à necessidade de melhorar a relação entre os portos e os municípios, sobretudo quando há interesses que conflituam. “Em Lisboa temos 11 municípios com quem discutir os problemas e é complicado porque cada um pensa da sua maneira. Os habitantes querem ter zonas junto ao rio para pôr lá uns jardins e umas coisas muito interessantes. Mas é importante que percebam que um porto é muito dinamizador para o crescimento e para o emprego”, conclui.
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