“Os senhores deputados não querem ouvir as Ordens, querem fingir que as ouvem”, diz líder dos advogados no Parlamento
O projeto de lei das ordens profissionais é um dos diplomas do Governo que pode ser travado em Belém por suscitar dúvidas através da fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Para o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Luís Menezes Leitão, os projetos de lei sobre as Ordens Profissionais representam uma “clara tentativa de ingerência no poder político na esfera” das Ordens e um “ataque à sua autonomia interna e por isso nos parecem manifestamente inconstitucionais”. Na audição da OA, que decorreu esta quinta-feira na Assembleia da República, o líder dos advogados pediu que Marcelo Rebelo de Sousa desencadeie a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, caso o Parlamento aprove os projetos de lei.
“A Ordem dos Advogados repudia frontalmente estes projetos de lei, que considera claramente inconstitucionais e, se os mesmos forem aprovados pelo Parlamento, tudo fará para que o Tribunal Constitucional tenha oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos“, garantiu Luís Menezes Leitão.
O projeto de lei das ordens profissionais é um dos diplomas do Governo que pode ser travado em Belém por suscitar dúvidas através da fiscalização preventiva da constitucionalidade. A discussão pública desta lei em questão tem levantado diversas questões sobre uma eventual ingerência na independência das ordens profissionais. A revisão desta lei foi um compromisso assumido pelo Governo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
As ordens profissionais têm-se oposto à alteração desta lei e acusam o PS de querer interferir na sua independência. O Conselho Nacional das Ordens Profissionais acusou os deputados socialistas de quererem “governamentalizar” as ordens e os vários bastonários desdobraram-se em críticas.
Para o bastonário, a justificação dada aos projetos de lei não têm qualquer tipo de sustentação. “Não existem quaisquer barreiras em Portugal no acesso à profissão de advogado. No caso dos advogados, somos dos poucos países da Europa que permite a entrada na Ordem com uma licenciatura de Bolonha, quando em toda a Europa se exige uma formação académica superior”, referiu.
“Também não há qualquer razão para reduzir o estágio para 12 meses, quando em toda a Europa o mesmo varia entre 18 meses (Itália) e três anos (Polónia e Holanda). Por isso temos quase 36.000 advogados em Portugal, muito acima de outros países europeus com uma população próxima como a Áustria (6.707) ou a Suíça (7.317). A Holanda tem uma população muito superior a Portugal e tem metade dos advogados (17.964). Não há assim neste momento quaisquer barreiras à entrada na profissão de advogado em Portugal”, acrescentou.
Sobre o projeto do PS, Menezes Leitão acredita que pretende interferir com a autonomia das Ordens e retirar-lhes “competências de defesa dos cidadão”. O PS pretende revogar uma alínea da Lei 2/2013, que retira competência às Ordens para a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços. Ou seja, para a OA implicaria que perdesse a missão tipificada nos Estatutos: “defender o Estado de Direito, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça”.
“Num tempo em que o Estado de Direito em Portugal e os direitos fundamentais estiveram tão ameaçados durante a pandemia, com sucessivos regulamentos inconstitucionais do Governo, a legislar em matéria da competência do Parlamento, sem que este tivesse dito absolutamente nada, apenas os advogados e a sua Ordem protegeram os cidadãos contra o arbítrio do poder“, considerou o bastonário no Parlamento.
O projeto do PS pretende criar um Provedor dos Destinatários de Serviços para defender os seus interesses, perdendo assim a OA essa competência. “Trata-se de um órgão não eleito democraticamente pelos advogados e que, além de duplicar as funções do Provedor de Justiça, se sobrepõe as competências do bastonário, que deve ser o primeiro a atuar na defesa dos destinatários de serviços”, alerta.
Este provedor vai ainda ter competência para recorrer em matéria disciplinar e impugnar os regulamentos das Ordens. “Maior ataque à liberdade dos advogados e à autonomia da sua Ordem não existe”, sublinhou Menezes Leitão.
Sobre a medida que pretende que o órgão disciplinar integre membros não inscritos na Ordem Profissional, o bastonário da OA considerou que é uma “atitude antidemocrática” contra a eleição pelos advogados dos seus representantes nos órgãos disciplinares. “Tal implica pôr-se em causa o julgamento dos advogados pelos seus pares, o que, sabendo-se que muitas vezes os advogados conduzem processos que desagradam ao poder político, implica risco de perseguição disciplinar por estas “personalidades de reconhecido mérito”, mas que afinal nunca tiveram mérito suficiente para ser advogados, nada percebendo assim das regras da profissão cujos profissionais pretendem julgar”, acrescentou.
Atualmente o Conselho Superior é composto por 22 de membros, mas o Governo quer reduzi-lo a apenas nove, sendo apenas quatro elegidos pelos advogados. Medida que Menezes Leitão considera “grave”, ainda para mais quando o presidente do órgão tem que ser “estranho à profissão”. “Este órgão, além do controlo disciplinar, tem amplas competências, incluindo pronunciar-se sobre propostas legislativas, o que retira essa competência aos órgãos eleitos da Ordem”, referiu.
O líder dos advogados alertou ainda que a redução dos membros do Conselho Superior gerará uma “enorme entropia do funcionamento da jurisdição disciplinar da Ordem dos Advogados“, que irá levar a atrasos na decisão de processos e a decisões disciplinares injustas.
No que toca ao tópico das sociedades multidisciplinares, Luís Menezes Leitão assumiu no Parlamento que esta medida destina-se apenas a “permitir às grandes auditoras a entrada no mercado da advocacia” e que é uma “enorme desqualificação dos advogados”. Para o bastonário existe uma incompatibilidade entre contabilistas certificados, que têm um dever integral de revelação de factos à administração fiscal, e advogados, que estão sujeitos a sigilo profissional.
“Especialmente saboroso é o nº 4 do art. 27º que estabelece que “podem ser sócios, gerentes ou administradores das sociedades referidas no número anterior pessoas que não possuam as qualificações profissionais exigidas para o exercício das profissões organizadas na associação pública profissional respetiva, ficando vinculados aos deveres deontológicos e de sigilo aplicáveis ao exercício das profissões abrangidas”. Faltou aos autores deste projeto explicar quem é que irá sancionar e com que sanção estas pessoas pela violação dos deveres deontológicos e de sigilo dos advogados. Seguramente que não será a Ordem dos Advogados, a que não pertencem, e que por isso também nunca os poderia suspender ou expulsar de uma profissão que não exercem…”, disse.
Sobre os estágios profissionais, o advogado salientou que as alterações preveem a intervenção de entidades públicas o que desrespeita a liberdade da profissão de advogado e pretendem que não haja duplicação de matérias com o ensino universitário. “As Universidades não ensinam advocacia, ensinam Direito, e por isso a duplicação é impossível”, relembrou.
Tanto o projeto de lei do PS como o CHEGA pretendem reduzir o estágio para um máximo de 12 meses. Mas o bastonário explicou no Parlamento que esta medida só vai “desqualificar ainda mais a formação dos advogados portugueses, em comparação com os advogados europeus”.
No entanto, o Luís Menezes Leitão afirmou que a Ordem dos Advogados é favorável aos projetos do PS, CHEGA e PAN sobre a remuneração dos estagiários. Deixou também a nota de que caso o seguro de responsabilidade civil seja suportado pelo patrono, medida proposta pelo PAN, será um forte desincentivo ao acolhimento dos estagiários.
Por fim, sobre o diploma da Iniciativa Liberal que pretende extinguir grande parte das Ordens Profissionais, o líder dos advogados é claro: uma “atitude claramente arbitrária, violadora de direitos adquiridos e desrespeitadora da vontade expressa pelos profissionais liberais, que decidiram constituir essas Ordens Profissionais, e por isso mesmo profundamente antidemocrática“.
“Basta ver que o art. 21º, nº2, da Lei 2/2013 refere que qualquer proposta de dissolução da associação pública profissional tem que ser precedida de referendo interno, pretendendo assim a Iniciativa Liberal retirar aos profissionais a decisão democrática sobre a existência ou não das Ordens em que se inscreveram. Para além disso, e por força da alteração aos arts. 5º, nºs 1, b) e d), a Iniciativa Liberal propõe limitar a representação das Ordens, não à profissão em geral, mas aos profissionais nelas inscritos, acabando com a exclusividade da concessão do título profissional. Tal implicaria transformar as Ordens em sindicatos, o que levaria à multiplicação das Ordens, em que os profissionais escolheriam aquela que menos os regulasse e os sancionasse disciplinarmente. Os cidadãos ficariam assim desprotegidos contra o mau exercício profissional por parte de advogados”, sublinhou.
Na audição, o líder dos advogados reclamou pelo escasso tempo cedido para cada uma das Ordens Profissionais falar de quatro diplomas. “Os senhores deputados não querem ouvir as Ordens Profissionais, querem fingir que as ouvem“, concluiu.
Luís Menezes Leitão tem vindo sucessivamente a pedir à classe que se posicionasse contra o projeto-lei das ordens profissionais. O bastonário lamentou “a total ausência de oposição de advogados que também são deputados”, considerando que o diploma apresentado pelo PS – que foi aprovado na generalidade e será agora alvo de trabalho em sede de especialidade – “põe em causa a liberdade do exercício da profissão”.
Reiterando as críticas de uma alegada tentativa de ingerência nas ordens profissionais com este diploma, o bastonário assinalou que no passado já se registaram tentativas similares a nível político, recordando um episódio de 1928, em que a contestação generalizada dos advogados levou à anulação de um diploma que visaria o controlo das ordens profissionais.
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