Rishi Sunak, o antídoto de Liz Truss, já foi indigitado
Conservadores escolheram experiente financeiro para restabelecer a credibilidade na gestão das contas públicas. Mas há dúvidas de que seja o homem certo para levar o partido a eleições no Reino Unido.
Todos os novos líderes têm algo de único. Rishi Sunak destaca-se em vários capítulos. É o primeiro chefe do Governo britânico de origem asiática, o primeiro hindu, o mais novo da era moderna, o primeiro a ter uma fortuna maior do que o rei e o primeiro a ter passado pelo poderoso banco de investimento Goldman Sachs. Há quem considere que alguns destes traços, sobretudo a fortuna, não o favorecem numa eleição geral, mas a maior parte dos deputados do Partido Conservador acredita ser ele o homem certo para restabelecer a credibilidade na gestão das contas públicas e apagar de vez o incêndio nos mercados provocado por Elisabeth Truss e o seu pacote orçamental.
Rishi Sunak foi empossado pelo rei Carlos III esta terça-feira, após uma audiência no Palácio de Buckingham, substituindo no cargo a mulher que há seis semanas o derrotou nas últimas eleições diretas do Partido Conservador. Será ele a continuar a governação conquistada em 2019 por Boris Jonhson, para cuja demissão contribuiu ao decidir abandonar o cargo de ministro das Finanças, em julho último, desencadeando uma onda de deserções do Executivo do antigo primeiro-ministro
O novo líder do governo britânico tem 42 anos e é filho de imigrantes com origem no estado indiano do Punjab, mas nascidos no que atualmente é o Quénia (pai) e a Tanzânia (mãe). A profissão dos pais, ele médico e ela farmacêutica, permitiu a Rishi Sunak, o mais velho de três irmãos, uma educação privilegiada, primeiro no Winchester College, depois em Oxford, onde estudou por Política, Filosofia e Economia, e por fim em Stanford, onde tirou o MBA.
Escolheu fazer carreira no setor financeiro, primeiro como analista no Goldman Sachs, onde esteve entre 2001 e 2004 e depois no fundo de cobertura de risco britânico The Children’s Investment Fund Management. Fundou ainda com antigos colegas a Theleme Partners, na Califórnia, e foi diretor de investimentos na Catamaran Ventures, uma gestora de ativos do sogro.
A experiência e proximidade com o setor financeiro levou-o a alertar, ainda durante a campanha para a sucessão de Boris Jonhson, que o plano de Liz Truss para a economia punha em risco a credibilidade da gestão orçamental e a economia britânica. O tempo deu-lhe razão. O “mini-orçamento” da antecessora, com um corte de impostos de 45 mil milhões de libras, financiado com dívida pública, e medidas em larga escala para amortecer o impacto do aumento dos preços da energia provocou um terramoto nos mercados. A libra desceu para mínimos históricos face ao dólar e as taxas de juro das obrigações dispararam, arrastando o custo das hipotecas e pondo em causa a solvabilidade dos fundos de pensões.
A mesma experiência revelou-se um trunfo perante a necessidade de escolher alguém que pudesse recuperar a imagem do governo perante os mercados. A reação não foi, no entanto, entusiástica, com a libra a ceder ligeiramente, as taxas das obrigações a registarem um alívio modesto e a Bolsa de Londres a encerrar com ganhos de cerca de 0,6%. Provavelmente porque os desafios são imensos.
O mais recente inquérito aos gestores de encomendas (PMI), divulgado segunda-feira, mostrou que a atividade económica no Reino Unido encolheu pelo terceiro mês consecutivo, com o índice compósito a baixar para 47,2 pontos. Uma leitura abaixo de 50 pontos significa que a economia está a contrair.
“A recessão no Reino Unido será mais profunda e deverá ter começado mais cedo do que na Zona Euro”, refere o Berenberg numa nota divulgada ontem. O banco de investimento alemão acredita que a economia terá começado a contrair já este trimestre e registará uma quebra do PIB de 2,2% até ao final do primeiro trimestre de 2023.
A inflação elevada (variação homóloga de 13,2% em setembro) vai obrigar o Banco de Inglaterra a continuar a subir as taxas de juro, pelo menos até ao fim do ano. A expectativa dos analistas é que o conservadorismo orçamental de Sunak permita, pelo menos, ajudar a suportar a libra e a baixar os custos de financiamento com o alívio nos juros das obrigações. Como? Com políticas de austeridade, como o agravamento de impostos, e poupanças na despesa pública. O que também tem um preço.
“A notícia de que Rishi Sunak será o próximo primeiro-ministro significa que os riscos de uma deterioração da economia provocada por um período de prolongada instabilidade política e um aperto orçamental significativo são menores. Com a consolidação das contas públicas ainda em marcha, existe o risco de a recessão ser mais profunda e prolongada do que prevemos atualmente”, afirma Ruth Gregory, economista sénior para o Reino Unido da Capital Economics, em declarações ao The Telegraph.
Unir o partido
Rishi Sunak vem da ala direita do Partido Conservador, votou pela saída do Reino Unido da União Europeia no referendo de 2016, sem ter feito uma campanha ativa pelo Brexit. Foi eleito deputado pela primeira vez em 2015 e em 2020 foi escolhido por Boris Johnson para ministro das Finanças.
À segunda tentativa, chegou à liderança do partido, conseguindo o apoio da maior parte dos deputados, sem chegar a ter um verdadeiro rival, já que Penny Mordaunt não conseguiu chegar à fasquia mínima de 100 deputados. É o terceiro primeiro-ministro em três anos.
Na primeira vez que falou com os seus correligionários, à porta fechada, disse-lhes que o Partido Conservador enfrentava uma “ameaça existencial”. As sondagens apontam para um apoio de 21% da população, contra 53% dos Trabalhistas, que defendem a realização de eleições antecipadas. “Precisamos agora de estabilidade e unidade. Farei da união do nosso partido e do nosso país a minha prioridade máxima”, afirmou no primeiro discurso transmitido pela televisão.
Se Rishi Sunak é visto como o homem que pode, neste momento, tirar o Reino Unido da situação de aperto, há quem expresse reservas sobre a sua capacidade para recuperar as intenções de voto no partido até às eleições parlamentares, previstas para o final de 2024 ou janeiro de 2025.
Segundo o Sunday Times, o novo primeiro-ministro britânico tem, em conjunto com a mulher, uma fortuna avaliada em 730 milhões de euros, mais do dobro do rei Carlos III. Rishi Sunak é casado com Akshata Murty, filha de Narayan Murthy, dono da tecnológica Infosys e um dos homens mais ricos da Índia.
Akshata Murty esteve envolvida numa polémica por ter alegadamente poupado 20 milhões de libras em impostos ao optar pelo estatuto de não residente no Reino Unido. Murty acabou por mudar o estatuto, passando a ser tributada como residente, mas as críticas atingiram a imagem de Sunak.
Há quem considere que um político milionário terá mais dificuldade em conseguir a simpatia dos eleitores, numa altura em que os britânicos sofrerem as consequências da elevada inflação e, em breve, das políticas de austeridade. “Acho que esta decisão afunda o partido para as próximas eleições”, disse à Reuters um deputado Conservador, na condição de não ser identificado.
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