“Relações EUA-Europa fortaleceram-se com invasão à Ucrânia”
António Martins da Costa, presidente da AmCham Portugal, revela, em entrevista ao ECO, os temas mestre na 2ª edição da Transatlantic Business Summit. A segurança e a guerra estarão em destaque.
No âmbito da segunda edição do Transatlantic Business Summit (TBS), que se realizará dia 6 de Dezembro, o presidente da Câmara de Comércio Americana em Portugal – AmCham Portugal (que organiza o TBS), António Martins da Costa, explica, em entrevista ao ECO, a importância das relações transatlânticas para a economia do mundo.
O responsável pela AmCham Portugal desvendou, ainda, alguns dos temas que estarão em destaque nesta edição, nomeadamente a visão geopolítica do mundo, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia e a segurança no mundo empresarial como potenciadora das relações entre países.
O que se pode esperar desta segunda edição do TBS? Qual a importância de um evento como este para os empresários? Qual o futuro das relações diplomáticas? Pode saber as respostas de António Martins da Costa a estas e outras questões na entrevista abaixo.
Quais as expectativas para a nova edição da Transatlantic Business Summit?
Atendendo ao sucesso da primeira edição em 2021, esperamos ver este evento consolidar-se como um marco anual na agenda das relações transatlânticas. Neste ano, prevemos uma adesão ainda mais alargada de participantes, considerando o nível dos oradores nacionais e internacionais presentes e a importância dos temas em discussão, em face dos tempos que vivemos.
Tem um painel de oradores de enorme relevância, estes são momentos que os empresários devem aproveitar para aprofundar conhecimentos?
Sem dúvida. São momentos não só de partilha de informação, mas também de discussão sobre novas realidades deste mundo em mudança, dentro de um ambiente de networking de elevada qualidade.
Com o mundo atual, uma conferência com esta dimensão ganha ainda mais importância?
O mundo está mais VUCA: volatile, uncertain, complex and ambiguous (volátil, incerto, complexo e ambíguo). Só com uma discussão construtiva e criativa entre parceiros que partilham a mesma visão sobre os assuntos essenciais para as sociedades – como é o caso dos presentes neste evento -, a par de um diálogo com os que têm visões diferentes, se poderá aspirar a um futuro mais promissor para a humanidade
Acha que podemos esperar um diálogo franco e proveitoso para as relações entre Portugal, EUA e Europa?
A relação transatlântica é, claramente, chave para o desiderato que acabei de mencionar. Os EUA e a Europa partilham, em geral, as mesmas preocupações, têm visões alinhadas nos temas essenciais, mesmo que com a diversidade natural de pontos de vista – o que também ocorre dentro da própria EU -, como é próprio de sociedades democráticas, baseadas no estado de direito, no valor dos direitos humanos, e na livre iniciativa de mercado. Portugal pertence à Europa, mas sempre teve a sua vocação atlântica bem presente. Daí que a realização desta TBS em Portugal é uma forma muito apropriada de conseguir esse diálogo franco e proveitoso.
A guerra da Ucrânia será, sem dúvida, um dos pontos a abordar neste Summit?
Será um ponto incontornável, já que vários vetores do reposicionamento geoestratégico global estão em jogo com este conflito. As reações e os impactos da guerra, não só na Europa e nos EUA, mas também no resto do mundo, são desde logo evidentes no tema da segurança nas suas diferentes vertentes: defesa, energia, alimentos, cadeias de abastecimento e distribuição, fontes de matérias-primas, tecnologia, saúde física e mental, emprego, sistemas financeiros, entre outras.
Como podemos encarar o futuro das relações diplomáticas num mundo em guerra?As relações diplomáticas são e continuarão a ser absolutamente essenciais. A história mostra-nos que, mesmo em épocas de conflito aberto e violento no terreno, a porta para a mesa das negociações tem que se manter aberta, em paralelo. A força pode destruir, mas nunca consegue resolver tudo. Ainda que o diálogo direto pareça impossível em determinados momentos, pois as circunstâncias ainda não são propícias a tal, haverá sempre um tempo, com ou sem mediadores, para que isso aconteça.
Que mais temas estarão em destaque nesta edição?
Para além da visão geopolítica do mundo, o tema mestre da TBS será, como atrás referido, o da segurança, nas suas diferentes óticas, com particular destaque para o seu impacto no mundo empresarial. Os investidores, as empresas e restantes agentes do mundo económico estão interessados em ter a melhor informação possível sobre esta matéria, por forma a poderem desenhar os cenários de risco mais adequados para cada setor e cada região geográfica onde pretendem investir ou estabelecer negócios com clientes, fornecedores e outros parceiros.
Qual o estado atual das relações transatlânticas?
As relações EUA-Europa fortaleceram-se com a invasão da Ucrânia, o que é um aparente paradoxo, se considerarmos os objetivos a ela subjacentes. Obviamente haverá sempre, tal como no passado, diferentes opiniões e pontos de vista sobre diversas matérias, já que os interesses nunca são todos coincidentes, nomeadamente no domínio económico. Mas, como parceiros com uma matriz de valores comuns, todas as divergências são negociáveis e solucionáveis. Diria que as relações com os EUA estão num ponto alto, quer ao nível da UE, quer da Europa no seu conjunto.
Existe vontade para uma diplomacia económica? Faz sentido?
A diplomacia só fica completa se tiver, como um dos seus pilares fundamentais, o relacionamento económico. Embora não seja condição suficiente para o bom entendimento entre povos e nações, é inquestionavelmente uma condição necessária e crescentemente decisiva.
Como olham os EUA para a economia portuguesa?
Portugal tem-se tornado um destino cada vez mais atrativo para o investimento americano. O facto de termos um ambiente de paz política e social, de natural hospitalidade, acesso a talento com elevado nível de qualificações, um sistema financeiro estabilizado e finanças públicas no caminho da estabilização, um custo de vida inferior aos EUA, ou a outros destinos mais ricos da Europa, um muito bom nível de infraestruturas (embora algumas ainda em projeto, como o novo aeroporto de Lisboa e a rede ferroviária), ou ainda o acesso e o baixo custo (na ótica americana) dos serviços de saúde, são alguns dos fatores claramente diferenciadores para os investidores dos EUA decidirem pelo nosso país.
O mesmo relativamente ao turismo, que frequentemente dá origem a subsequentes investimentos imobiliários. Neste momento, os EUA investem anualmente entre 1,5 a 2,0 mil milhões de euros em Portugal, com um a forte presença na tecnologia, sendo responsáveis por 60 % do investimento em startups. Há hoje cerca de 1.000 empresas americanas instaladas no nosso país, empregando 50.000 pessoas.
Que oportunidades existem para as empresas portuguesas nos EUA?
Os EUA são, neste momento, já o quarto maior destino das exportações portuguesas e o primeiro fora da UE. Várias empresas portuguesas de grande e média dimensão escolheram os EUA como seu mercado prioritário. Sem querer discriminar ninguém, refiro apenas os casos das empresas portuguesas que estão representadas na Direção da AMCHAM: a EDP, a GALP, a Navigator, o Grupo Pestana ou a Bial. Os EUA são o mercado mais sofisticado do mundo, embora na realidade sejam mais 50 mercados do que um mercado único, devido às regulamentações diferenciadas entre estados, decorrentes do sistema federal do país. Essa sofisticação exige estudo, planeamento e preparação para lá entrar, muitas vezes com parceiros locais.
Acredita que existe uma nova ordem económica a ser construída?
É inquestionável que a bipolarização entre EUA (24% do PIB mundial) e China (15%) domina o mundo atual. No entanto, o papel da UE (mesmo com os seus dilemas internos, representa 25% do PIB mundial) ou das potências emergentes, como por exemplo a Índia (neste momento já o quinto maior PIB mundial) ou de outros países que constituem o G20, estão a criar dinâmicas que levarão inevitavelmente a uma nova ordem económica, provavelmente multipolar, com novos ou mais aperfeiçoados mecanismos de regulação multilateral.
A segurança é hoje um tema fundamental para as empresas?
Nenhuma empresa, hoje em dia, pode deixar esse tema para segundo plano. Trate-se de segurança física de instalações críticas, de segurança da informação de clientes, de empregados ou de propriedade intelectual, de segurança tecnológica (cibersegurança) ou mesmo de segurança humana (prevenção e acidentes de trabalho), o tema é de primeira linha. Por isso, cada vez mais, se fala na abordagem combinada de security & safety.
Que mais preocupações existem hoje para o setor empresarial?
Para além dos já conhecidos desafios globais da transição energética, da digitalização da economia, da revisão dos processos decorrentes da globalização e do combate ás iniquidades sociais, diria que outros três temas estão no topo da agenda empresarial: gestão do risco (estratégico, de negócio, financeiro ou operacional, incluindo a continuidade de negócio), sustentabilidade (expressa através dos conhecidos ESGs) e ética corporativa (não basta ter sucesso, mas também como se chega ao sucesso).
E os Estados, como podem potenciar mais relações económicas?
Criando, em primeiro lugar, por via legislativa, sistemas de incentivos financeiros, fiscais e jurídicos que atraiam (ou desencorajem) investimentos ou comércio externo nas áreas que interessam aos respetivos países. Do mesmo modo, garantindo um sólido sistema de agências reguladoras eficazes e independentes e dando segurança jurídico contratual a quem investe ou transaciona com parceiros estrangeiros.E também definir estrategicamente quais as parcerias que mais fazem sentido, em particular nos setores críticos da economia.
Se é verdade que nenhum estado consegue ser autossuficiente em tudo, também não pode ter demasiadas dependências de parceiros de risco elevado, ou estabelecer parcerias em que não haja reciprocidade de abordagem dos mercados. Ao mesmo tempo, empenharem-se na credibilidade e na robustez das agências de regulação e de coordenação internacionais e multilaterais, garantindo mecanismos de concorrência justa e de apoio auditável aos países mais necessitados.
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