Regulador da mobilidade quer trotinetas estacionadas e uso de capacete até aos 16 anos
Regulador propõe uma série de alterações ao Código da Estrada para definir as características técnicas destes transportes, como a criação do conceito de Veículos de Micromobilidade Partilhada.
A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) defende alterações ao Código da Estrada para obrigar ao estacionamento das trotinetas e bicicletas elétricas em espaços próprios e a utilização de capacete por crianças e jovens até aos 16 anos.
No estudo “Linhas de Orientação sobre Regulação da Micromobilidade Partilhada”, que é apresentado esta quinta-feira em Lisboa, da responsabilidade da AMT, a autoridade que regula o setor dos transportes reconhece a importância da mobilidade suave – trotinetas e bicicletas elétricas – nas cidades portuguesas, mas lembra, igualmente, os “fortes impactos negativos para o ordenamento do espaço urbano”.
O estudo clarifica o conceito de micromobilidade partilhada e formula um conjunto de recomendações dirigidas ao Estado, enquanto legislador (Governo e Assembleia da República), bem como aos municípios, responsáveis pelo planeamento e gestão do espaço público, além dos organismos da Administração Central responsáveis pela segurança rodoviária e pela regulamentação técnica e homologação de veículos.
Uma das principais críticas por parte dos cidadãos à utilização de trotinetas nas cidades prende-se com estes veículos serem ‘largados’ no espaço público após utilização, causando perigo para os peões. O estudo refere que “apesar de os hotspots serem os locais indicados para estacionar trotinetas e bicicletas, é cada vez mais frequente encontrá-las espalhadas pela cidade, ainda que haja hotspots nas proximidades”. “Tal é justificado pelo facto de a sua utilização não ser de caráter obrigatório”, lê-se no estudo.
“Assim, de forma a evitar a proliferação do estacionamento de trotinetas e bicicletas nos passeios e bermas da estrada, recomenda-se a introdução de uma alteração ao Código da Estrada, de forma a tornar obrigatória a utilização dos espaços dedicados ao estacionamento das trotinetas e bicicletas – estações virtuais ou hotspots”, pode ler-se no documento a que a Lusa teve acesso.
De acordo com o estudo, “não existe no Código da Estrada qualquer regra específica relativamente ao estacionamento das trotinetas e bicicletas”. “Esta omissão contribui e potencia o ‘abandono’ das trotinetas e das bicicletas na via pública (nos passeios e bermas da estrada), constituindo um perigo para a circulação de peões, com particular gravidade para as pessoas com mobilidade reduzida ou invisuais”, acrescenta.
Segundo o documento, também devem ser introduzidas “restrições” à condução destes veículos na estrada”, tendo em conta que o Código da Estrada “não estabelece uma idade mínima para a condução de velocípedes, considerando que as crianças podem andar de bicicleta ou trotinetas na via pública, partilhando-a com automóveis e outros veículos, representando um enorme risco para a sua própria segurança e para os demais utentes”.
Tendo em conta que a última alteração ao Código da Estrada aboliu a obrigatoriedade de utilização de capacete para todos os condutores de velocípedes, independentemente da sua idade, “dada a vulnerabilidade desses utilizadores” é recomendado “que se torne obrigatório o uso de capacete por crianças e jovens com idade até aos 16 anos”.
“Recomenda-se que se torne obrigatório, sempre que circulem nos locais onde é legalmente permitido, o uso de capacete por crianças e jovens com idade até aos 16 anos, tendo como racional ser essa a idade a partir da qual é possível obter habilitação legal para a condução de determinados motociclos”, refere o documento.
Aos municípios, de acordo com as recomendações do estudo, caberá, no âmbito das suas competências e no respeito pelas regras do Código da Estrada, estabelecer as regras de circulação dos veículos de micromobilidade partilhada, “ponderando a necessária partilha de espaço público e estabelecendo medidas para a proteção dos mais vulneráveis”.
Devem estes, nos planos municipais de mobilidade urbana sustentável (PMUS), promover a “integração e complementaridade entre os diversos modos de transporte” através de cadeias de utilização que permitem aos utilizadores recorrer ao modo que, considerando as suas especificidades, mais se adequa a cada trajeto.
A AMT recomenda também que seja promovida a “integração tarifária”, disponibilizando a possibilidade de utilização dos serviços de transporte público e de serviços de micromobilidade partilhada através do mesmo suporte.
Os municípios devem também estabelecer para os operadores “obrigações de recolha de veículos danificados ou mal-estacionados, a executar em determinado período de tempo após solicitação pelo município ou cidadãos”.
Nas recomendações surge também a georreferenciação, de forma a estabelecer zonas em que a circulação é proibida, designadamente zona de tráfego mais intenso (congestionadas) ou outras (zonas históricas).
Este sistema irá também impedir que a viagem termine e o veículo seja estacionado em local distinto dos locais de estacionamento obrigatório, além de controlar a lotação máxima do veículo em ordem de marcha.
De acordo com a informação disponibilizada pela Câmara Municipal de Lisboa, em junho de 2022, citada no estudo, operavam na cidade quatro empresas privadas: a Bolt, com uma frota de trotinetas e de bicicletas elétricas sem doca; a Bird, que disponibiliza apenas trotinetas, mas que prevê lançar bicicletas; a Link, que apenas oferece trotinetas; e a Lime, uma empresa da Uber que também só disponibiliza trotinetas. Ao todo, existirão por Lisboa cerca de 11 mil trotinetas e bicicletas partilhadas sem doca.
A entidade justifica a realização deste estudo com a “inexistência de dados fiáveis e coerentes, tendo em conta a quase ausência de regulamentação, bem como de legislação sem conexão sistemática”, e face “ao crescimento exponencial de veículos e modelos do universo da micromobilidade partilhada”.
“Urgente” regulamentar características técnicas e de circulação
A AMT defende que é “urgente” e “prioritária” a definição das características técnicas de bicicletas e trotinetas elétricas, num estudo com diversas recomendações ao Governo e aos municípios. No estudo “Linhas de Orientação sobre a Regulação da Micromobilidade Partilhada”, a AMT propõe um aditamento ao Código da Estrada, por forma a serem definidas em decreto regulamentar aquelas matérias.
A entidade presidida por Ana Paula Vitorino, antiga secretária de Estado dos Transportes, entre 2005 e 2009, lembra que a atual redação do Código da Estrada apenas remete para regulamentação “as regras de circulação e as características técnicas dos veículos (velocípedes) que sejam mais potentes (potência máxima superior a 0,25 kw) e capazes de atingir velocidade máxima em patamar superior a 25 quilómetros/hora”. Esta regulamentação está para ser publicada desde dezembro de 2020.
“Ora, os veículos afetos à micromobilidade, incluindo os da micromobilidade partilhada são, sobretudo, para além dos velocípedes com motor, as trotinetas com motor elétrico e demais dispositivos de circulação, com potência máxima até 0,25 kW e capazes de atingir velocidade máxima em patamar de até 25 kms/h”, recorda a AMT.
A definição da regulamentação técnica dos veículos afetos ao mercado da micromobilidade partilhada deve considerar aspetos como a marca, modelo e ano de construção, o número de série, o peso do equipamento, o peso do veículo em ordem de marcha, as dimensões, o sistema de travagem e as dimensões e materiais das rodas e pneus, entre outras.
Para a produção do decreto regulamentar deverá ser auscultada a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, “organismos com competências em matéria de segurança rodoviária e regulamentação técnica de veículos”.
“Só com o conhecimento das características técnicas dos equipamentos é que será possível não só o utilizador conhecer o equipamento que está a usar, bem como a fiscalização/verificação dos critérios que permitem aos VMP circular na via pública”, lê-se no documento.
No estudo, a AMT propõe a criação do conceito de Veículos de Micromobilidade Pessoal (VMP), a aplicar, além dos velocípedes com motor, às trotinetas com motor elétrico e demais dispositivos de circulação, com potência máxima até 0,25 kW (quilowatt) e capazes de atingir velocidade máxima em patamar de até 25 km/h (quilómetros/hora). “[Estes veículos] devem ser objeto de regras específicas de circulação, estacionamento […]”, reitera a AMT.
É também proposta a introdução na legislação do conceito de “micromobilidade partilhada”, definida como o “transporte disponibilizado aos utilizadores em modelos de partilha, designadamente através de meios digitais, realizado em distâncias curtas, utilizando veículos de reduzida potência, dimensão, peso e velocidade, maioritariamente velocípedes, movidos, na maior parte dos casos, por energia elétrica”.
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