Parlamento chumba desclassificação de documentos militares até 1975
PS, PSD e Chega votaram contra a iniciativa do Bloco, que teve ainda votos a favor do PCP, PAN e Livre e a abstenção da Iniciativa Liberal.
A Assembleia da República chumbou esta quinta-feira um projeto de resolução do BE que pretendia desclassificar todos os documentos militares datados até 1975, com votos contra de PS, PSD e Chega. A iniciativa, que não teria força de lei mas apenas uma recomendação ao executivo, teve votos a favor do PCP, BE, PAN e Livre e a abstenção da Iniciativa Liberal.
No debate, momentos antes da votação, a deputada do BE Joana Mortágua defendeu que passados 50 anos do massacre de Wiriyamu, em Moçambique, é colocado de novo em evidência “a necessidade de os documentos militares anteriores a 1975 sejam desclassificados para que a população num Estado democrático tenha acesso à informação relevante da História do país”.
A deputada argumentou que a “vasta maioria” dos documentos dos arquivos das Forças Armadas estão classificados “impedindo o seu acesso integral ou parcial a investigadores, jornalistas, académicos, estudantes e outros membros da sociedade civil”.
“Ora, tendo por base que o processo de consolidação democrática se faz através do aprofundamento da transparência, do pleno acesso à informação, da publicidade da atividade dos órgãos do Estado, e do escrutínio sobre a atuação política – fatores estes que, quando combinados com a evolução científico-tecnológica das sociedades modernas, fundamentam ainda mais a necessidade de promover a desclassificação de documentos outrora confidenciais – julga-se dispensável a negação do acesso a essas informações”, sustentou a bloquista.
Pelo PS, o deputado Diogo Leão concordou com o propósito da iniciativa mas alertou que este não corresponde à realidade, sublinhando que a maioria dos documentos destes arquivos está desclassificada. No arquivo histórico militar, “não há um único documento anterior ao de 25 de abril de 1974 que se encontre ainda classificado”, no arquivo da Força Aérea a situação é idêntica, e apenas no arquivo da Marinha é que subsistem alguns por desclassificar, mas o deputado salientou que a vasta maioria relativa ao período colonial é pública.
Quanto aos documentos NATO, o socialista avisou que Portugal não tem capacidade jurídica ou poderes para desclassificar de forma unilateral estes documentos. Pedro Pessanha, do Chega, acusou o BE de 50 anos depois querer abrir “feridas de uma guerra que tanto Portugal como Moçambique preferem certamente ver saradas pelo tempo, para benefício dos dois países e dos dois povos”, fazendo referência a mortes de antigos militares portugueses na guerra.
“O objetivo do BE não tem a ver com massacres, é mais uma vez, única e exclusivamente, a tentativa de denegrir e achincalhar o Exército e as Forças Armadas de Portugal e de humilhar os portugueses”, acusou. Pelo PSD, o deputado Pedro Roque, numa referência à intervenção do Chega, rejeitou “fazer a aritmética de quem é que matou mais, se foi o Exército português ou se foram os movimentos de libertação ou os terroristas”.
Os sociais-democratas também se manifestaram a favor do princípio geral do projeto e concordaram com o PS relativamente ao facto de a maior parte dos documentos já estar desclassificada, deixando um alerta. “A recomendação de desclassificar todos sem exceção atenta contra disposições sobre os processos relativos a militares portugueses e que contêm matéria íntima de pessoas que estão vivas e que estão inseridas na sociedade portuguesa findo o período da guerra”, afirmou.
A mesma preocupação foi lançada pela deputada da IL, Patrícia Gilvaz, que disse concordar com o princípio do projeto mas defendeu que faltava à iniciativa “uma sustentação mais robusta” como a identificação de regras, quais as entidades envolvidas na desclassificação ou o grau de classificação dos documentos que se pretendia tornar públicos.
Salientando que a classificação ou desclassificação obedecem a regras próprias, o comunista João Dias mostrou-se favorável ao projeto do BE, posição partilhada com o deputado único do Livre e historiador, Rui Tavares, que defendeu que “não há debate maduro sobre o passado sem acesso a documentos” disponibilizados à academia ou investigadores.
No mesmo debate foi também incluído um projeto de lei do PAN, que pretendia aprovar “um regime jurídico de transparência dos contratos, acordos e outros documentos relativos a operações que determinem a utilização ou disponibilização de fundos públicos relativamente a entidades pertencentes a setores estratégicos” sobre o qual poucos deputados se pronunciaram e que acabou também rejeitado. Votou contra o PS, absteve-se o PCP e manifestaram-se a favor PSD, Chega, IL, BE, PAN e Livre.
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