Benefícios fiscais na tecnologia verde avançam “a pés juntos” nos EUA. Na Europa, depende do país
Os Estados-membros deverão propor em detalhe apoios às indústrias que contribuam para a neutralidade carbónica. Bruxelas espera que os investimentos relevantes sejam executados este ano.
A Comissão Europeia avançou, em meados de março, com orientações reforçadas sobre os apoios a serem concedidos na área das tecnologias promotoras da transição verde. São, contudo, algo vagas, uma vez que compete aos Estados membros concretizá-las, adaptando-as à realidade dos respetivos países. Estes desenvolvimentos na Europa correm ao seu ritmo, enquanto nos Estados Unidos um pacote concorrente nasceu primeiro e com mais definição, e tem merecido mais elogios. Conheça melhor as propostas legislativas para a transição verde que estão a avançar em ambos os lados do Atlântico.
A Comissão Europeia revelou a 16 de março o Net Zero Industry Act [NZIA], o “primeiro impulso legislativo” do Pacto Ecológico Industrial, que tinha sido apresentado a 2 de fevereiro, introduz a sociedade Macedo Vitorino, esclarecendo que o NZIA “não aprofunda os benefícios fiscais a serem concedidos às mais diversas empresas que decidam investir nestas tecnologias”.
O regulamento NZIA, no seu todo, visa estabelecer um futuro quadro de medidas para reforçar o ecossistema europeu de fabrico de produtos net-zero, isto é, neutros em emissões de carbono. O destaque do diploma foi para uma nova meta: que 40% das tecnologias de emissões zero necessárias para atingir os objetivos carbónicos da UE, até 2030, sejam fabricadas em países do bloco. No mesmo dia, foram anunciados os primeiros leilões do Banco Europeu de Hidrogénio, impulsionando esta tecnologia.
A proposta de ato legislativo em causa [NZIA] não prevê, nem deveria prever, quaisquer benefícios fiscais.
“A proposta de ato legislativo em causa [NZIA] não prevê, nem deveria prever, quaisquer benefícios fiscais”, indica o sócio da SRS Legal, José Luís Moreira da Silva. Isto porque “a matéria fiscal é da competência exclusiva dos Estados-Membros”, os quais gozam de autonomia fiscal no que respeita à tributação direta.
“O que a Comissão veio prever na proposta agora apresentada é que os EM [Estados-membros] poderão adotar os benefícios fiscais que entenderem apropriados para alcançar o estabelecido/previsto no Regulamento”, continua a mesma fonte. “Caberá, assim, a cada EM instituir eventuais benefícios fiscais, nos termos que considerar apropriados, através da previsão de incentivos a nível nacional, de forma a alcançar o previsto no Regulamento quanto ao investimento e desenvolvimento/fabrico de produtos e tecnologias net-zero” — a meta dos 40%.
No regulamento do NZIA lê-se que, “sem prejuízo das regras em matéria de auxílios estatais, os Estados-Membros empreenderão atividades para acelerar e atrair investimentos privados em projetos estratégicos net-zero” e “quando o investimento privado por si só não é suficiente, a implementação efetiva de projetos de produção net-zero pode exigir apoio público sob a forma de auxílios estatais”. Neste quadro, “os Estados-Membros podem ter um papel importante na facilitação do acesso ao financiamento de projetos de fabrico de tecnologias net-zero através da resolução de falhas do mercado, com apoios estatais direcionados ou com recurso a auxílios de Estado”.
A referência mais direta a apoios através de medidas fiscais encontra-se noutro excerto do mesmo documento: permite-se “aos Estados Membros implementar medidas de apoio a novos investimentos em instalações de produção, em setores definidos e estratégicos, net-zero, incluindo através de benefícios fiscais”.
Apesar da margem concedida aos Estados-membros para a aplicação destas orientações, a Macedo Vitorino considera que “para assegurar a uniformização/harmonização na União Europeia, a Comissão Europeia deverá tomar novas iniciativas legislativas e/ou dar orientações aos Estados Membros com vista à implementação dos referidos benefícios fiscais”.
O que já se sabe do pacote europeu vs. americano
Pacote europeu ajuda consoante risco de perder o investimento
A 9 de março, ou seja, antes da publicação do NZIA, já havia sido lançada a Temporary Crisis and Transition Framework, para encorajar e facilitar investimentos em setores chaves para a transição verde. Esta peça legislativa, igualmente no âmbito do Pacto Ecológico Industrial, prevê apoios para o investimento no fabrico de equipamentos “estratégicos” como baterias, painéis solares, turbinas eólicas, eletrolisadores e tecnologias de captura de carbono.
“Os Estados-membros podem desenhar esquemas simples e eficazes, dando apoios até uma determinada percentagem dos custos de investimento“, dependendo da localização do investimento e da dimensão do beneficiário, esclarece a Comissão Europeia, em declarações ao Capital Verde.
Por exemplo, as pequenas e médias empresas, assim como empresas localizadas em regiões desfavorecidas, são elegíveis para maiores apoios. Os Estados-membros podem conceder percentagens ainda maiores de apoio se este for concedido por via de vantagens fiscais, empréstimos ou garantias. Adicionalmente, “quando é identificado um risco concreto de que o investimento pode ser desviado da Europa para outras localizações, os Estados-membros podem conceder quantias ainda maiores”. Para isso, devem notificar a Comissão de tais propostas, explica a entidade.
Nestes últimos casos, os apoios não deverão exceder aqueles que estão disponíveis em localizações concorrentes, nem o mínimo necessário para assegurar que o investimento ocorre em território europeu.
Quando o Pacto Ecológico Industrial foi aprovado, a Comissão encorajou os Estados-membros a avançar com novas medidas para apoiar as indústrias de tecnologias limpas, entre elas, as isenções fiscais. Estas medidas deveriam ser incluídas nos respetivos planos de aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência. Os países europeus deverão entregar uma atualização destes planos até ao final de abril de 2023. “Isto irá permitir que as reformas e investimentos relevantes sejam executados ainda este ano”, indica fonte oficial da Comissão ao Capital Verde.
Estados Unidos já vão lançados
Do lado dos Estados Unidos foi lançado, ainda no ano passado, o Inflation Reduction Act (IRA), que prevê 500 mil milhões de dólares em despesa estatal e isenções fiscais, através das quais se pretende sobretudo impulsionar as energias renováveis. É para financiamento energético e climático que se dirige a maior fatia: 394 mil milhões de dólares.
Os fundos vão ser entregues de três formas: incentivos fiscais, subvenções e empréstimos, que, de acordo com a McKinsey, vão ser aplicados um pouco por toda a cadeia:
- Incentivos ao investimento privado: as empresas terão direito a créditos fiscais de 216 mil milhões de dólares, que podem aplicar em investimentos em energias renováveis, transporte e fabrico.
- Incentivos ao consumo: 43 mil milhões de dólares do IRA serão usados para dar créditos fiscais que incentivem a compra de soluções verdes. Por exemplo, a compra de veículos elétricos, novos e usados, será facilitada com créditos fiscais de, respetivamente, 7.500 e 4.000 dólares. Melhorias no lar, como a aquisição de painéis solares ou baterias domésticas, serão elegíveis para créditos fiscais de até 30% do custo total, até a um tecto de 1200 dólares anuais. Para as bombas de calor, o tecto é diferente e mais alto: 2000 dólares.
- Melhorar, reaproveitar ou substituir a infraestrutura energética: o programa de empréstimos do departamento da Energia norte-americano vai receber cerca de 12 mil milhões de dólares para ajudar à criação de um novo programa de crédito para financiar infraestrutura energética, com um tecto de 250 mil milhões de dólares.
- Promoção da indústria internamente: muitos dos incentivos fiscais incluídos no IRA vêm associados a exigências de produção doméstica ou aquisição de materiais domésticos. Por exemplo, para ter acesso ao valor máximo de crédito fiscal para a aquisição de veículos elétricos, a bateria deverá ter sido fabricada na América do Norte.
Empresas de renováveis aprovam
Entre as empresas do setor das energias limpas, representadas pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), o NZIA é visto como “um marco importante”, da ótica da segurança de abastecimento – promovendo menos dependência de produtores exteriores ao Velho Continente. “É importante ter um plano para não nos limitarmos a substituir a dependência de combustíveis fósseis por dependências em relação a componentes necessários para as tecnologias renováveis”, elabora a associação.
A expectativa quanto aos benefícios fiscais é que estes “impulsionem substancialmente a instalação de empresas industriais verdes na Europa”, já que esta proposta “promete acelerar a descarbonização” através de condições de investimento “mais favoráveis”, mas também reduzindo encargos administrativos e simplificando os processos de concessão de licenças.
Fonte oficial do grupo Enel, dono da Endesa, indica que o NZIA é “um bom primeiro passo”, mas “há muito trabalho por fazer e a indústria terá de trabalhar com grande proximidade com as instituições europeias nas medidas que se seguem”.
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