Os bastidores de um despedimento na TAP em seis pontos
A CEO da TAP revelou na comissão de inquérito diversos episódios sobre o processo que levou ao seu despedimento por justa causa, que vai contestar. E admite que a venda da TAP pode deslizar.
A ainda presidente da comissão executiva da TAP revelou, durante a audição na comissão de inquérito, que tanto o Ministério das Infraestruturas como o administrador financeiro, Gonçalo Pires, tiveram conhecimento e participaram da decisão que resultou na saída de Alexandra Reis da companhia. E Christine Ourmières-Widener, que se fez acompanhar por dois advogados que consultou várias vezes durante a audição, aproveitou para dizer que um dia antes de o Governo anunciar as conclusões do relatório da IGF, Fernando Medina lhe pediu para se demitir. Mas estes foram alguns dos pontos que marcaram a audição que se arrastou por mais de seis horas.
1. “Sou um mero bode expiatório”
A CEO arrancou a audição com uma apresentação para argumentar que foi “um bode expiatório” em “batalha política” no processo de despedimento de Alexandra Reis. Christine Ourmières-Widener aproveitou ainda para dizer que sentiu que “não houve qualquer respeito por uma executiva sénior” na forma como foi despedida “pela televisão” por Fernando Medina e por João Galamba, ministros que tutelam a TAP, num processo que considera “ilegal”. Até porque, disse a gestora, a Inspeção Geral de Finanças “não apreciou a culpa”. Sobre o seu envolvimento no despedimento de Alexandra Reis, a CEO da TAP diz que o seu papel se resumiu a “coordenação” entre os advogados que lideravam o processo e entre o Governo de quem recebeu o aval. Além disso, a CEO da TAP frisa que foi despedida há um mês e que continua em funções “sem guidelines, numa altura muito crítica” para a companhia. Por isso, a gestora garante que vai “lutar” para “limpar” o nome, a honra e a reputação, argumentando que “merece” receber o bónus de cerca de três milhões de euros porque apresentou resultados em 2022 que em nada estão relacionados com a sua saída da companhia.
2. Decisão foi do Governo e CFO sabia
A presidente executiva da TAP frisou que recebeu uma mensagem de Hugo Mendes, a 2 de fevereiro de 2022, a informar que Pedro Nuno Santos autorizava a indemnização a Alexandra Reis e a pedir que fechasse o acordo. “No dia 02 de fevereiro de 2022 […], recebi uma mensagem de Hugo Mendes [então secretário de Estado] a informar que o ministro [Pedro Nuno Santos] autorizou”, e onde pediu que “fechasse o acordo”, afirmou Christine Ourmières-Widener. Mas antes do aval ao pagamento da indemnização, a gestora revelou que informou Hugo Mendes que queria fazer uma reestruturação na administração da companhia, considerando que Alexandra Reis não tinha o “perfil” para ocupar o novo cargo de de Chief Strategy Officer. E a dia 21 de janeiro de 2022, a ainda presidente da comissão executiva da TAP teve uma reunião com Hugo Mendes via Teams, onde discutiram o assunto. No dia 25 de janeiro de 2022, por sugestão do Ministério das Infraestruturas, iniciaram as conversas com Alexandra Reis “e ver se a mesma estaria disponível para sair e em que condições”. “Tive essa conversa com Alexandra Reis e ela ficou de pensar”, contou a gestora durante a audição parlamentar. Ao contrário do que disse o administrador financeiro, Christine Ourmières-Widener diz ainda que teve “mais do que uma conversa” e uma “troca de mensagens” com Gonçalo Pires enquanto se chegava a acordo. Mas não confirma se o administrador financeiro tinha conhecimento do valor da indemnização.
3. “Pediram-me que me demitisse” na véspera do anúncio da exoneração
Em resposta à deputada bloquista Mariana Mortágua, Christine Ourmières-Widener disse que tomou conhecimento que ia ser demitida com justa causa apenas “durante a conferência de imprensa”. Mas, depois de consultar os dois advogados que a acompanharam à audição, Christine Ourmières-Widener, revelou que teve uma reunião com o ministro das Finanças um dia antes daquela conferência de imprensa do Governo onde foram divulgadas as conclusões do relatório da IGF. Nessa reunião, que a gestora diz que foi “muito pesada”, Fernando Medina pediu que Christine Ourmières-Widener se demitisse. “Foi uma reunião muito difícil porque o teor da reunião era bastante triste. Disseram-me que os resultados eram fenomenais e que era a pessoa certa para cargo”, relata a CEO da TAP. Mas, tendo em conta “a pressão de várias partes, não havia opção para o Governo se não que travasse o meu mandato”, sobretudo depois da saída do então ministro Pedro Nuno Santos e do secretário de Estado Hugo Mendes. No entanto, a gestora conta que se recusou a apresentar a demissão a um domingo e naquelas circunstâncias, e na altura não lhe foi dito que seria demitida com justa causa, garante a presidente da comissão executiva. Já no mesmo dia do anúncio da decisão do Governo, Christine Ourmières-Widener pediu para reunir com João Galamba num encontro que decorreu em “poucos minutos, 10 ou 15 e onde a CEO ficou a saber que a “decisão estava tomada”, mas a gestora garante que “não sabia da justa causa antes da conferência” e que soube pelas noticias. “Estava à espera de ser demitida, mas não estava à espera que fosse invocando justa causa”.
4. Reunião com o PS antes da ida ao Parlamento
Outro dos momentos que marcaram a audição da CEO da TAP, foi quando a presidente da comissão executiva desvendou que teve uma reunião com o PS e com membros do gabinete do Ministério das Infraestruturas, na véspera da sua audição no Parlamento para explicar a saída de Alexandra Reis da companhia. Em resposta ao deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, Christine Ourmières-Widener confirmou que a 17 de janeiro de 2023, um dia antes da ida ao Parlamento, esteve reunida membros do partido e com “assessores, adjuntos e chefes de gabinete” do Ministério das Infraestruturas. O encontro partiu da iniciativa e foi liderado pela tutela, que fez uma “recomendação” à CEO para que se realizasse a reunião. Já em resposta ao deputado Paulo Moniz, a presidente da comissão executiva identificou o deputado Carlos Pereira – que tem assento na comissão de inquérito por parte do PS – como tendo sido um dos socialistas que esteve presente na reunião.
5. Pressão política
A presidente executiva da TAP disse ainda que não esperava “tão alta pressão política” quando entrou na companhia aérea, o que dificultou o seu trabalho e o dos restantes trabalhadores. “Não estava à espera de tão alta pressão política quando entrei na companhia”, frisou Christine Oumières-Widener que admitiu ainda que aquela pressão não deixou a companhia “concentrar-se no seu negócio”. “Era fácil trabalhar com tanto ruído à volta da companhia? Tem sido muito difícil e ainda é. […] É triste ver que toda a gente quer criticar e garantir que a companhia” não chega a bom porto, afirmou a responsável, sublinhando que tem sido difícil para si e para os trabalhadores da empresa. O deputado do Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, aproveitou para questionar a gestora sobre um email do ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, a pedir para adiar um voo de Moçambique, que tinha como passageiro o Presidente da República, que, alegadamente, precisava de ficar mais dois dias em Maputo. Nesse email, Hugo Mendes sublinhava que era importante manter Marcelo Rebelo de Sousa como aliado da TAP. A CEO disse que nesse caso fez questão de verificar se se tratava realmente de um pedido da Presidência. “No fim, não fiquei surpreendida ao perceber que o Presidente da República nunca nos pediria para mudar um voo, que teria impacto no resto dos passageiros”, esclareceu a presidente da comissão executiva.
6. Consultora a trabalhar sem contrato
Foi ainda revelado que a consultora americana Evercore, que está a assessorar a reprivatização da companhia, está a trabalhar sem contrato há nove meses. Questionada pelo deputado da IL, Bernardo Blanco, Christine Ourmières-Widener disse que o processo de privatização “será longo” e que a consultora está a recolher informação sobre outros casos para enviar ao Governo, para que se defina de uma estratégia para a operação. A gestora explicou ainda que a Evercore, que já realizou um roadshow junto de potenciais interessados na TAP. Sobre pagamentos à Evercore, a gestora diz que “não tem conhecimento” de qualquer verba paga à consultora pelo trabalho que já decorre há nove meses. A CEO diz que o valor que envolve todo o serviço prestado pela consultora “será revelado quando se assinar o contrato”, sendo que “havia mais uma proposta” em cima da mesa, mas que a Evercore acabou por ser escolhida porque não tinha assessorado nenhuma transação que envolvesse a TAP. Christine Ourmières-Widener confessa que a administração da companhia decidiu avançar já com a Evercore porque esperava que a privatização arrancasse mais cedo. Mais tarde, quase no final da audição, admitiu que o processo poderá não ficar concluído em 2023, tendo até em conta as exigências de autorizações dos reguladores europeus.
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