Conferência APS: Especialistas reforçam que riscos climáticos vão disparar
A urgência da criação de um sistema de proteção de catástrofes naturais e o papel da tecnologia e dos seguros na mitigação dos riscos esteve no centro da conferência da APS.
Com a intenção de sensibilizar a população em geral para a importância dos seguros, a conferência “(Des)proteção Sobre Riscos da Natureza”, que decorreu, nesta terça-feira, no Auditório da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), abordou factos científicos, históricos e as ações essenciais para mitigar e prevenir riscos associados catástrofe naturais, cada vez mais prevalentes e intensos em Portugal.
José Galamba de Oliveira, Presidente da APS, foi o responsável pelas boas-vindas, seguido de José Manuel Duarte da Costa, Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que enfatizou a necessidade de comunicar o risco à população. “Não sabemos quando vai acontecer, mas vai voltar a acontecer”, sublinhou, ao afirmar que “uma sociedade alerta para o risco é uma sociedade ciente dos seus impactos”.
O líder apontou a importância da criação de campanhas de comunicação, quer em contexto escolar, na comunicação social ou em contexto académico, “para mudar mentalidades“, fazendo um paralelismo com a comunicação intensiva utilizada na campanha que promoveu a utilização dos cintos de segurança – “que teve muito sucesso” – ainda nos anos 90.
“Em Portugal, temos vários efeitos das estruturas sociais com tradições difíceis de mudar. O maior impacto das alterações climáticas tem sido sentido no interior do país, em zonas rurais – as sociedades litorais, com um número maior de habitantes, não tem a noção dos impactos”, lamentou.
“O que é importante é termos um quadro preparatório para trabalharmos a questão da prevenção. Quais são os riscos? Quais são as respostas? Qual é a preparação da sociedade?“, indagou o especialista em proteção civil. “Para além do planeamento e prevenção é precisa uma unidade de esforços. Sou adepto de uma abordagem compreensiva e multisectorial. Todos temos que trabalhar para o mesmo fim”. Duarte da Costa concluiu: “quando desenhamos modalidades de ação, respondemos à mais provável, mas temos de acautelar sempre a mais perigosa”.
Urge criar um sistema de cobertura de risco sísmico
“O risco sísmico corresponde à catástrofe natural de danos potencialmente mais significativos em Portugal” e “historicamente já foi presenciado um sismo em Lisboa, com consequências catastróficas“, foram algumas das razões apresentadas por Gonçalo Vieira da Luz, Professor de Finanças Empresariais na Universidade Nova SBE, para a urgência de implementação de um sistema de cobertura de risco sísmico em Portugal.
O académico abordou o protection gap referente a riscos da natureza e apontou a tendência crescente, tanto na frequência como na gravidade, de ocorrências catastróficas resultantes de eventos climáticos nas últimas décadas.
“As seguradoras suportaram cerca de 715 milhões de euros em indemnizações relativas às principais catástrofes naturais entre 2009 e 2019, com destaque para os anos 2010 (Tempestade na Madeira), 2013 (Temporal no continente), 2017 (Incêndios) e 2018 (Tempestade Leslie)”, apontou o professor. “Em 2007, estimava-se que 92% dos fogos habitacionais não tivessem qualquer seguro contra sismos em termos estruturais, o que é preocupante, atendendo ao risco sísmico em Portugal”, apontou Vieira da Luz.
“Há pelo menos 11 países com sistemas nacionais de seguro contra riscos de catástrofe natural, que cobrem explicitamente riscos sísmicos”, referindo-se, por exemplo, à Dinamarca, Espanha, França, Islândia, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Suíça, Turquia ou EUA”.
Todas as economias dependem dos recursos naturais
Helena Freitas, Diretora do Parque de Serralves e Professora Catedrática na área da Biodiversidade e Ecologia na Universidade de Coimbra, lembrou os números que provam o aumento da temperatura planetária e apontou consequências, como o efeito estufa.
A líder afirmou: “estamos reféns de meia dúzia de interesses que não podem pôr em causa a maioria de nós“. E sublinhou que é essencial descarbonizar. “Nós somos todos seres vivos. Não estamos no topo da pirâmide. Se se tal for verdade, temos a responsabilidade de manter o sistema vivo”. E acrescentou: “somos uma pecinha de um sistema que vive há muitos anos”.
A diretora assinalou que todas as economias dependem dos recursos naturais, mas que quando promovemos o sequestro de carbono devemos estar atentos para o fenómeno do greenwashing, ou seja, quando as empresas se apropriam de uma narrativa sustentável para fins comerciais. Mas, acima de tudo, é importante “garantir que não perdemos solos, biodiversidade e que protegemos as florestas tropicais”.
Prever riscos com TI
Pedro Garrett, cofundador da 2adapt, empresa serviços de adaptação climática, prevê, em algumas ocasiões, inundações com três dias de antecedência. “E, se pudéssemos olhar para o passado e para o futuro, e calcular com 3 dias de antecedência antes do risco acontecer?”
A sua empresa de TI é capaz de, a cada hora, recalcular riscos, e, com 3 dias de estudos consegue reunir informação que aponta com precisão onde, quando e com que intensidade irá surgir uma inundação. Esta informação demonstrou-se uma mais-valia para instituições que prestaram apoio e suporte, bem como salvamentos, em situações críticas. “Como cidadãos, somos também agentes de monitorização de riscos”, apontou.
Preparação para o grande incêndio
Domingos Xavier Viegas, Presidente da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial e Diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais afirmou que “existe a expectativa que as seguradoras se envolvam [nos riscos naturais] de forma mais profunda“.
O professor defende a existência de “um seguro que fosse partilhado entre pessoas e Estado“, e faz um alerta: “um incêndio como o de Pedrógão Grande pode vir a acontecer. Vamos preparar-nos para o grande incêndio. Cada país tem de se preparar para o seu”. A seu ver, a partilha de responsabilidades é solução, mas lamenta não haver quaisquer incentivos em Portugal. Pede a intervenção das seguradoras para “motivar”.
Edifícios sismoresistentes também vão sofrer danos
Já Luís Guerreiro, Professor Associado do Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico, da Universidade Técnica de Lisboa acredita que “o problema é a falta de controlo de qualidade“. Porque as informações são claras e “o conhecimento existe”. Lembra que, na área em que exerce, “a ideia é que os edifícios fiquem de pé, e que as pessoas possam sair em segurança. Os edifícios terão certamente danos” no caso de um sismo forte em Portugal.
“A cobertura de seguros é baixíssima“, repetiu o engenheiro, que também defende a “necessidade de alertar a sociedade”. Deixou um desafio para o setor segurador: para que se torne mais barato segurar um edificio bem feito do que um edifício mal feito“.
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