Casos, um lapso, um vírus e um livro num debate com Costa
Com temperatura política do país elevada, o debate com o primeiro-ministro no Parlamento acabou por ser morno. Costa segurou os ministros debaixo de fogo e defendeu a atuação do SIS.
As novas revelações sobre os incidentes no Ministério das Finanças feitas na comissão parlamentar de inquérito (CPI), o discurso duríssimo de Cavaco Silva no sábado e as notícias da TVI/CNN Portugal sobre a operação Tutti Frutti faziam crer que o debate desta quarta-feira com o primeiro-ministro podia ser o primeiro do resto da vida do Governo. António Costa segurou os seus ministros, defendeu a atuação do SIS, embrulhou-se com um telefonema para o Presidente da República, não esclareceu o papel de António Mendonça Mendes e usou a economia e o “vírus do populismo” contra a oposição.
Coube a Catarina Martins abrir o debate. A líder do Bloco de Esquerda pegou num dos temas que mais tem marcado a atualidade nas últimas semanas e que seria recorrente durante toda a tarde no plenário da Assembleia da República: a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na recuperação do computador levado por Frederico Pinheiro. Qual a base para a atuação do SIS?
“Não vejo qualquer tipo de ilegalidade na atuação dos serviços”, defendeu António Costa. “Desaparecendo documentos classificados, esse desaparecimento deve ser comunicado às autoridades competentes. O SIS deve agir preventivamente”, argumentou. Citou depois várias entrevistas em que Frederico Pinheiro diz ter entregue voluntariamente o computador, só afirmando depois na CPI à TAP ter sido coagido. Outra garantia: “Nenhum membro do Governo, direta ou indiretamente, deu instrução ao SIS para proceder a essa ação”, assegurou o primeiro-ministro.
Antes de responder, António Costa fez questão de cumprimentar Catarina Martins que este fim de semana deixará a liderança do partido: “Tivemos momentos de maior divergência e maior convergência. O tempo encarregar-se-á de deixar na memória sobretudo os bons momentos e foi com muito gosto que estivemos em conjunto no momento histórico da esquerda portuguesa onde derrubámos um muro que nunca mais será reerguido”. João Galamba é “tóxico em tudo isto e é extraordinário que ainda seja ministro”, diria depois Catarina Martins.
O SIS voltou pela voz do PSD. Joaquim Miranda Sarmento foi atrás da conversa entre o primeiro-ministro e João Galamba na madrugada seguinte (“entre a uma e as duas da manhã”) à noite dos incidentes no Ministério das Infraestruturas (26 de abril), revelada pelo ministro na CPI à TAP. Nesse telefonema, Galamba contou ao chefe do Governo o reporte feito pela sua chefe de gabinete ao SIS. No debate António Costa assumiu que falou com o ministro depois de chegar ao hotel, mas que nunca o mencionou por não ter sido questionado.
A chamada para Marcelo
João Galamba revelou também que nessa noite falou com o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, que recomendou a intervenção do SIS, mas já depois da sua chefe de gabinete ter ligado ao Sistema de Informações da República Portuguesa, segundo o relato que fizeram na CPI. Os deputados perguntaram insistentemente se Mendonça Mendes tinha em algum momento contactado o primeiro-ministro sobre o tema, mas António Costa nunca respondeu. O secretário de Estado vai ser ouvido na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no âmbito de um requerimento potestativo da Iniciativa Liberal.
Os telefonemas ainda causaram um embaraço ao primeiro-ministro. Num das primeiras intervenções disse que na referida noite ligou a várias pessoas, incluindo ao Presidente da República. Teve mais tarde de corrigir o lapso, afirmando que a conversa com Marcelo Rebelo de Sousa não versou sobre a intervenção dos serviços de segurança. “Nunca informei o Presidente da República sobre a intervenção do SIS”, garantiu.
Uma parte do debate fez lembrar as audições na comissão de inquérito à TAP. Depois de no debate ter manifestado disponibilidade para responder por escrito, o PS inviabilizou a sua audição presencial, bem como a de Mendonça Mendes.
Costa mantém confiança em todos os ministros
Além de João Galamba, também o ministro das Finanças, Fernando Medina, e o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro entraram “escaldados” do hemiciclo, neste caso pelas notícias da TVI no dia anterior sobre a operação Tutti Frutti, que investiga suspeitas de corrupção na Câmara de Lisboa no tempo em que os governantes lideraram o município, que envolvem também Sérgio Azevedo, antigo deputado na assembleia municipal pelo PSD.
O primeiro-ministro recorreu à sua resposta clássica: “À justiça o que é da justiça, à política o que é da política” e resumiu tudo a “casos e casinhos”. André Ventura, do Chega fez uma questão – “Mantém a confiança e considera que têm idoneidade desempenhar funções de ministro das Finanças e ministro do Ambiente” e deixou um desafio: “Demitir ainda hoje estes ministros”.
“Não há debate em que eu não venha aqui em que o senhor não peça a demissão de um ministro. Por si todos os membros do Governo já estavam emitidos, o que muito nos honra da sua parte”, respondeu António Costa. “Obviamente mantenho toda a confiança política e tenho a maior confiança na idoneidade” dos ministros, asseverou.
Joaquim Miranda Sarmento já tinha recorrido ironia para dizer que o primeiro-ministro tinha “por hábito fazer um número em que sempre que há um problema no Governo arranja um ministro como para-raios, ou cordeiro pascal, que vai cozendo em lume brando”, como fez com Eduardo Cabrita.
“Há uma matéria política que envolve os nossos dois partidos [PS e PSD]. O presidente do PSD falou ontem à noite. Nós repudiamos qualquer ação que viole a ética, a decência política e a lei, mas há dois ministros deste Governo envolvidos. Consegue ter a clareza que o presidente do PSD teve?”, perguntou o líder parlamentar dos sociais-democratas.
António Costa respondeu com o “vírus do populismo” de que acusou por várias vezes a oposição. Numa resposta a Rui Tavares, do Livre, chegou a recomendar a leitura da obra “Os engenheiros do caos”, de Giuliano da Empoli, sobre a ascensão dos populismos.
O primeiro-ministro garantiu que o Governo “não está parado, está a governar. É pouco audível perante o ruído mediático para cada caso e casinho, para servir de ecrã e tornar invisível o trabalho que estamos a fazer”.
O PS e o seu líder puxaram por várias vezes pelos galões da economia e as previsões mais otimistas da Comissão Europeia para o crescimento, enquanto a oposição fui desferindo ataques com temas já habituais nos debates sobre política geral, como o Serviço Nacional de Saúde, a educação ou a habitação.
“Tenhamos alguma humildade. Este debate não ficará em história nenhuma”, responderia já no final a Rui Tavares. Quem sabe o próximo? O primeiro-ministro volta ao Parlamento no dia 19 de julho para o debate do Estado da Nação.
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